Chegou a hora de internacionalizar sua startup? Aviso: não existe fórmula pronta

Marília Marasciulo - 30 dez 2019
Os sócios da Beatnik & Sons, Lipsio Carvalho e Renan Molin: em 2019, a marca curitibana de mochilas chegou ao Canadá.
Marília Marasciulo - 30 dez 2019
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As fronteiras para empreender estão cada vez mais flexíveis e diluídas. Em qualquer canto do mundo, alguém pode se interessar pelo seu produto, seja para investir ou comprar. 

E as startups brasileiras têm sentido isso: segundo o Censo Startup de 2017, 48,5% das startups brasileiras se consideram prontas para atuar no mercado global. Muitas empresas, indica o estudo, já nascem com a perspectiva de serem empreendimentos globais, e no caso das brasileiras não é diferente. 

Para a advogada Águeda Tomie Ruiz Yoshii, do BNZ Innovation, escritório especializado em assistência jurídica para o ecossistema de inovação, o sonho de toda startup é ter capital estrangeiro. Para isso, é preciso se adequar ao modo de fazer negócios lá fora. “Aqui as empresas têm estruturas que não dão tanta segurança para o investidor”, diz. 

Não há caminho pronto para alcançar a internacionalização. O mais comum, explica Águeda, é internacionalizar primeiro a estrutura e depois o produto, ou vice-versa. Como isso se dá depende das particularidades de cada startup — algumas contam com apoio de incubadoras ou investidores, outras migram completamente a estrutura, e há ainda quem aposte primeiro na exportação. 

A seguir, conheça algumas startups que estão buscando essas oportunidades fora do país:

UMA INCUBADORA FACILITOU A IDA DA BEATNIK & SONS PARA O CANADÁ

Como um filho que aos 18 sai de casa, a curitibana Beatnik & Sons fez sua internacionalização no ano em que atingiu a maioridade. O e-commerce de mochilas, criado em 2001, inaugurou em abril de 2019 um escritório em Toronto. 

“Foi como nascer de novo”, diz Lipsio Carvalho, 39, um dos sócios-fundadores da marca e o responsável pelo braço canadense. “Você deixa tudo que construiu no Brasil para recomeçar.” 

Esse movimento começou a se desenhar em 2018, quando a Beatnik foi uma de duas empresas brasileiras a participar de um bootcamp da LatAm Startups, incubadora baseada em Toronto especializada em mapear empresas da América Latina que podem ter market fit no Canadá. 

Para atuar no país, a Beatnik criou uma empresa nova, com “CNPJ” canadense, que importa as mochilas da própria marca fabricadas no Brasil. 

É como se a Beatnik do Canadá fosse cliente da Beatnik do Brasil, que ainda mantém escritório e fábrica aqui no país. Isso possibilita o controle da venda e da operação lá fora, com feedback direto dos clientes.

Leia também: “Há consenso de que o Canadá é um lugar legal. Nosso desafio é mostrar que é legal também para os negócios”

A incubadora foi um apoio essencial para essa transição, com contatos e aconselhamentos diversos, desde orientações sobre trâmites de abertura de empresa, leis trabalhistas e impostos até insights sobre mercado e questões práticas ligadas a imigração. 

“Quando internacionalizamos uma startup, temos dois pepinos: o da internacionalização em si e o de continuar no país. O caminho da imigração é paralelo, mas tão importante quanto — porque você está ralando para a empresa sem saber se vai poder continuar lá

Com pouco mais de 35 milhões habitantes, o Canadá se mostrou um mercado mais relevante para a Beatnik do que o brasileiro. Por enquanto, Lipsio toca sozinho o escritório de Toronto — e afirma que estar presente fisicamente no país foi fundamental para essa inserção da empresa no mercado local. 

A proximidade ajudou a entender, por exemplo, que os canadenses valorizam mais a transparência na cadeia de produção do que o design e a qualidade. Por conta disso, hoje o site em inglês dá mais ênfase ao tema do que a versão em português.

Conhecer o público local foi um aprendizado. Se no Brasil a Beatnik tinha uma clientela sobretudo masculina, no Canadá a marca tem maior apelo entre as mulheres.

MIGRAR PARA OS ESTADOS UNIDOS FOI A TÁTICA DE SOBREVIVÊNCIA DA YOUPER

Ao contrário da Beatnik, que pretende manter a operação principal no Brasil, a internacionalização da Youper foi, na verdade, a migração completa de uma startup como estratégia de sobrevivência.

Criada em Florianópolis em 2015 pelo psiquiatra José Hamilton Vargas, 40, em parceria com Diego Dotta, 35 (contamos a história da empresa aqui no Draft, em janeiro de 2018), a startup desenvolveu um assistente virtual de saúde mental com base nas técnicas de terapia cognitivo-comportamental. 

No começo, a solução se desdobrava em dois apps, um em português e outro em inglês. Aos poucos, os sócios entenderam duas coisas: o alcance era maior em inglês (o aplicativo nesse idioma teve mais de 1 milhão de downloads); e o público estrangeiro estava mais disposto a pagar pelo serviço. 

Nesse sentido, estar inserido no Brasil, dividindo atenções entre o mercado interno e o externo, podia se mostrar uma desvantagem. Segundo Diego:

“A ideia de ‘pense global e aja local’ pode ser problemática quando a sua língua e cultura não é global. Variáveis econômicas, políticas e culturais interferem muito”

Na hora de captar investimentos, o fato de estar no Brasil se mostrou, de novo, um percalço. Ao buscar investidores, eles descobriram que os fundos exigiam faturamento mais consistente do que a empresa conseguia naquele momento apresentar. 

Em 2016, José Hamilton e Diego fizeram uma viagem a Nova York para sentir o mercado. Lá, descobriram que a métrica para analisar o potencial da solução priorizava o engajamento acima do faturamento. Aceleradoras locais também demonstraram interesse pela ferramenta.

Em 2007, eles abriram um escritório em São Francisco para atrair investidores locais. Pagaram cerca de 500 dólares a uma assessoria pela ajuda para criar a empresa, abrir uma conta bancária e reunir outros documentos necessários. Tudo feito online, em um processo que levou duas semanas.

Desde o início de 2019, os sócios da Youper estão oficialmente em São Francisco. E, em junho, receberam um aporte de 3 milhões de dólares do fundo americano Goodwater Capital. O app em português já deixou de existir faz tempo. Hoje, o único laço da startup com o Brasil é uma equipe de desenvolvedores, que ainda trabalha de forma remota no país.

A MEDROOM SÓ INTERNACIONALIZOU APÓS CONSEGUIR UM PARCEIRO

Existem startups que internacionalizam “por acaso”. Geralmente, a história envolve a abordagem de algum distribuidor interessado em levar os produtos para fora. 

Foi o que aconteceu com a Medroom. Fundada em 2015, a startup (que foi pauta aqui no Draft em maio de 2018) usa realidade virtual e gamificação no treinamento de estudantes de medicina. 

Em 2018, numa feira de negócios, os sócios Vinicius Gusmão, 25, e Sandro Nhaia, 38, conheceram representantes da Tecnosimbra, empresa de inovação em equipamentos médicos, um braço da mexicana Tecnosim, que atua na América Latina. 

Leia também: Draft Canada: a internacionalização do olhar do Draft sobre o mundo da inovação e do empreendedorismo

Os representantes se interessaram em levar a ferramenta para o México e o Paraguai — e os sócios, que já tinham vontade de ir para fora, agarraram a oportunidade. Vinicius lembra:

“Já havíamos passado dois meses no Vale do Silício em um esforço para fazer o que era preciso para vender lá fora — e todos respondiam ‘na lata’: ter um parceiro”

Para 2020, o plano da Medroom é explorar o mercado internacional sem contar com o acaso. Mas, para isso, “ou se tem recursos, ou se corta caminhos”, diz Vinicius. Aceleração e incubação, afirma, são atalhos possíveis. “É fundamental ter alguém que te guie para economizar tempo e dinheiro.” 

OS VÍDEOS DA DOG’S CARE ATRAÍRAM UM DISTRIBUIDOR PANAMENHO 

Um caso parecido de internacionalização meio “por acaso” é o da paulistana Dog’s Care, que desde 2006 fabrica fraldas e produtos de higiene para cachorros. Um distribuidor do Panamá viu os vídeos sobre a marca na internet, gostou da ideia e entrou em contato para levar os produtos para seu país. 

Com a semente da internacionalização plantada, a empresa passou a apresentar seu portfólio em feiras a distribuidores na América do Sul. Hoje, o produto da Dog’s Care também está presente na Bolívia e no Uruguai — e a empresa tem negociações rolando com Argentina, Chile e Colômbia.

A Dog’s Care também produz cosméticos para a higiene dos pets, mas estes não são exportados por estarem sujeitos a uma regulação mais complexa. Segundo Ana Carolina Vaz, 40, sócia-fundadora:

“O modelo de exportação funciona porque os produtos [fraldas e tapetes] são isentos de registro, só precisam da embalagem no idioma”

Para 2021, o plano é participar de feiras nos Estados Unidos, Alemanha e Itália. Porém, Ana Carolina diz que para atender o mercado americano não basta exportar, é preciso ter pelo menos uma unidade de distribuição no país.

“Eles não compram importando”, afirma. “O mercado americano dá um frio na espinha, é um volume muito grande e eles não aceitam amadorismo. Precisamos estar com tudo muito organizado.”

NÃO IMPORTA O CAMINHO ADOTADO, ORGANIZAÇÃO É FUNDAMENTAL

Ana Carolina toca em um ponto importante (reforçado pela advogada Águeda, do BNZ Innovation): 

“Tudo depende de como a casa está organizada aqui [no Brasil]. Tem como fazer na correria, até porque o porte das startups em geral é menor, mas para fazer algo ‘zero bala’ é preciso seguir alguns passos”

O primeiro passo é ter um acordo entre o quadro societário bem estruturado, pois algumas regras podem mudar com a entrada de capital externo, mas a estrutura do capital social brasileiro deve ser respeitada. 

Em seguida, é preciso ficar bem ligado nas leis e regulamentações do destino escolhido. Um ponto que merece atenção especial, diz Águeda, é o das leis de proteção de dados, que mudam muito de acordo com cada país. 

Além de superar os trâmites e entraves burocráticos, é importantíssimo saber se adequar ao novo ambiente cultural. “Simplesmente traduzir um botão às vezes não faz o cliente entender o contexto”, afirma Vinicius, do Medroom. 

Diretrizes de marca e uma política de vendas bem estabelecida (aspectos muitas vezes negligenciados por startups), diz o empreendedor, são fundamentais para que a empresa não destoe do seu propósito — seja qual for o mercado em que estiver atuando.

 

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