A Noah quer usar madeira na construção civil para erguer os primeiros prédios carbono-negativos do Brasil

Bruno Leuzinger - 7 jan 2021
Nicolaos Theodorakis, fundador da Noah (crédito: divulgação/Noah).
Bruno Leuzinger - 7 jan 2021
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“Noah” é o nome em inglês de Noé, o patriarca que, segundo a Bíblia, construiu uma embarcação e salvou sua família e os animais do dilúvio. Noah, a startup, tem uma missão diferente: erguer edifícios de madeira.

“Queremos construir os primeiros prédios carbono-negativos do Brasil”, afirma Nicolaos Theodorakis, 44, fundador e CEO da Noah.  

Após uma década no mercado imobiliário, ele abriu os olhos para os impactos negativos do setor de construção civil, responsável por 39% das emissões de gás carbônico do planeta relacionadas ao consumo e à produção de energia. 

Em busca de soluções mais sustentáveis, descobriu o conceito de Cross-Laminated Timber (CLT). No Brasil, essa madeira engenheirada costuma ser usada apenas em casas de alto padrão. No exterior, porém, entra na construção de edifícios, com uma série de ganhos de produtividade e benefícios ambientais.

Entre outros prédios famosos de madeira, Nicolaos cita o International House Sydney, na Austrália, o T3, em Minneapolis (EUA), e o Wood Innovation and Design Centre, em Prince George, no Canadá.

“O Walmart está desenvolvendo o novo QG deles em Arkansas, um campus integrado à floresta em que os prédios serão de madeira”, diz Nicolaos. “Eles entenderam que esse ambiente ajuda a criar uma conotação de empresa sustentável, inovadora, o que deve ajudar a atrair novos e melhores talentos.”

Um benchmark da Noah é a Katerra. Fundada em 2015, na Califórnia, a empresa já captou mais de 4 bilhões de dólares, tem fábricas nos Estados Unidos e na Índia e registrou 1 bilhão de dólares em receita, em 2019.

A Noah ainda não tem sua fábrica, mas a ideia é mudar isso em breve. A seguir, Nicolaos fala sobre as vantagens da madeira para a construção civil e os planos e desafios da startup:

 

Como foi sua trajetória antes de empreender a Noah?
Venho de uma família empreendedora. Meus pais são imigrantes gregos, aqui montaram negócios. Meu pai tinha uma fábrica de calças. Com 10, 12 anos, eu já acompanhava ele, cresci nesse ambiente e sempre gostei.

Queria começar a trabalhar rápido. Com 17, quando entrei na faculdade de Engenharia de Produção, montei meu primeiro negócio, uma confecção de moda masculina com o meu irmão, no Bom Retiro. 

Depois de seis anos empreendendo, fui para o mercado financeiro. Fiquei cinco anos no Unibanco. Sempre quis trabalhar com negócios grandes… Em banco você tem oportunidade de assessorar empresas com business maiores, eu fazia muita operação de emissão de dívidas nessa época. 

Fui para o Pactual em 2005. Entrei com intuito de aprender a fazer IPO, M&A… Digo que foi meu grande “MBA”, aprendi muito sobre mercado, operações estruturadas, qual o melhor estágio para captar… Assessorei várias empresas, fiz mais de 40 bilhões de reais em operações… E foi lá que me aprofundei em mercado imobiliário, fiz alguns IPOs em incorporadoras

Depois de 11 anos no mercado financeiro, fiquei entediado, achei que era hora de voltar a empreender. Fiquei sócio de uma empresa chamada Alfa Realty, focada no mercado imobiliário de alto padrão em São Paulo. 

Fui me moldando como incorporador, foram mais dez anos incorporando, montando uma empresa diferente em termos de produto e na forma de lidar com o mercado.

E como se deu o estalo para montar o negócio focado em levar a madeira para o setor de construção civil?
Eu visitava obra toda semana. Em 2017 me deu um clique na cabeça, comecei a me sentir incomodado com a forma como a gente constrói no Brasil. Tinha um desejo muito forte de mudar isso.

Um parêntese: eu tenho dois filhos e dois enteados, de 12, 14, 15 e 20 anos. A gente conversa muito a respeito, essa geração já vem com um “chip” diferente para a questão climática, sustentabilidade… É um tema que tem que estar presente em todas as empresas.

O setor é responsável por 39% das emissões de gás carbônico no mundo, entre construção e operação de prédio. Só a construção representa 21%. Materiais, como aço e concreto, sozinhos representam 11% dessas emissões… Quando você pensa nisso, vê que há uma urgência muito grande. E meus filhos e enteados me fizeram entender essa urgência

Passei a estudar formas de trazer tecnologia para o setor. Conheci a turma do Construtech Ventures, uma incubadora de projetos montada pela Softplan, dona do programa Sienge, software de gestão mais usado no setor de construção civil. 

Começamos a fazer um trabalho junto às startups. Eu dava mentoria, ajudava os empreendedores a percorrer o mercado imobiliário. E fui conhecendo novas cabeças, novas tecnologias…

Em 2018, fui à Califórnia conhecer a Katerra, hoje nossa melhor referência mundial de tecnologia do setor de construção civil, e também ao Canadá. Em Quebec, conheci um prédio residencial feito em madeira, tinha 8 ou 10 andares. Descobri que já havia vários outros construídos e sendo construídos no mundo. 

Pensei: pô, sensacional, isso é o futuro da construção civil. Comecei a estudar como desenvolver essa tecnologia aqui no Brasil, e foi assim que surgiu a Noah.

Pode explicar o que é o CLT (Cross Laminated Timber) e quais são as vantagens de construir em madeira?
O CLT foi desenvolvido na Áustria, 20 anos atrás, para que se pudesse permitir o uso da madeira como elemento de verticalização de edifícios. Antigamente ela era usada apenas para casas, prédios baixos…

Nada mais é do que uma combinação de madeiras maciças, coladas em sentidos transversais. Você tem uma camada num sentido, outra camada em outro sentido… Pense em palitos de picolé: se você colar uma camada de palitos, ela quebra fácil. Duas, fica mais difícil. Três, já não quebra mais. Com cinco ou sete, então… 

O CLT é um elemento muito rígido, muito forte. Ao mesmo tempo, por ser madeira, é muito leve e flexível. A leveza permite usar 30% menos concreto na fundação [do prédio]. A flexibilidade possibilita propostas arquitetônicas diferentes e possibilita cortar a madeira numa CNC, modelar em fábrica

Ou seja, com o CLT, a construção é off-site. Hoje existe um nível de desperdício altíssimo no canteiro de obras, 25% do material é desperdiçado, incluindo aço, cimento, água, vergalhões. Nossa previsão é reduzir as perdas para 0,1%, é um nível de precisão absurdo. 

A Katerra hoje identifica uma eficiência de custo do CLT de 30% em alguns aspectos — e uma redução de tempo de obra de 50% se comparado à construção civil tradicional.

Que madeira é usada numa construção com CLT? E como prevenir cupim e riscos de incêndio em construções verticais de madeira?
A madeira é pinus; estamos iniciando um estudo para avaliar o uso também de eucalipto. É uma madeira de reflorestamento — não é nativa, extraída da floresta. Assim como na indústria de celulose, você colhe, planta, colhe de novo…

Essa madeira passa por um tratamento prévio de secagem e preparação, para o processo seguinte, de compressão e colagem. Esse tratamento traz benefícios enormes de durabilidade, dura mais de 100 anos. 

Para o cupim, põe-se um produto que protege [contra o inseto]. A questão do fogo, já foram feitos testes com o Corpo de Bombeiros: montou-se um módulo, como um quarto… E tacaram fogo.

Num incêndio, a preocupação do bombeiro é tirar todo mundo do prédio a tempo. E a madeira traz vantagens, porque tem uma previsibilidade de queima muito maior. O que a gente ouviu dos próprios bombeiros é que o aço se retorce em temperaturas diferentes: ele nunca sabe se, ao entrar naquela estrutura, o aço vai retorcer

A madeira então permitiria que a ação do bombeiro seja muito mais eficaz: ele sabe onde tem que atuar para apagar o fogo. O que você precisa então é dimensionar a estrutura para que, em caso de incêndio, ela queime sem colapsar.

A Noah ainda está em estágio inicial. Pode contar como foram os passos até aqui?
Comecei o negócio sozinho. Em novembro de 2019, fiz um fundraising com nove investidores-anjos, primeiro com pessoas do meu relacionamento, depois um foi apresentando o outro. 

É uma turma muito legal, com dinheiro e bastante experiência: temos ex-banqueiro, head de operações de private equity no Brasil, presidente de empresa… Nosso conselho se reúne mensalmente, eles agregam muito, não só em expertise, mas em conexões.

Captamos 1,6 milhão de reais. Esse recurso permitiu montar a empresa, o time que temos hoje: o Adir [Filho], CTO, que conheci na Construtech, o Ricardo [Loureiro], nosso diretor de operações, mais um engenheiro civil que trabalha com ele, além do Magno [Soares], diretor financeiro, e a Cintia [Valente], diretora de marketing.

Além de pessoas, temos investido em tecnologia, processos, conversado com escritórios de engenharia, arquitetura, empresas florestais… Nosso roadmap para os próximos anos é bem agressivo. Devemos ir para uma segunda rodada de investimentos em 2021, para captar o volume que precisamos para construir a nossa fábrica e dar início ao nosso processo fabril.

Quem são os fornecedores de CLT no mercado brasileiro?
O mercado brasileiro ainda está incipiente, com produção baixa de CLT para o potencial que esse mercado tem. Estamos no começo, mas já temos fornecedores de bastante qualidade no Brasil, como a Crosslam e a Amata, o que dá uma base importante para crescermos de forma sustentável.

Enquanto a gente cria a demanda de um lado, precisamos garantir o supply de outro. Hoje, para fazer três prédios por ano, eu tenho [fornecedor]. Para fazer dez ou vinte, como queremos, ainda não

Vinte anos atrás, havia um ou dois produtores de CLT no mundo. Hoje são mais de 50. A Stora Enso, além de ser o maior produtor de celulose do mundo, é o maior fabricante de CLT do planeta, 

A disponibilidade obviamente faz o preço cair. Para mim, como comprador, é importante ver essa dinâmica acontecer no Brasil. Temos conversado com as empresas florestais. As grandes — Klabin, Suzano, Duratex — já conhecem a Noah e têm interesse em se introduzir na cadeia.

Assim como fez a indústria de papel e celulose, queremos promover uma indústria muito eficiente nesse manejo, nesse cuidado com o meio ambiente. Precisamos ter preocupação com a cadeia toda, o objetivo é produzir os primeiros prédios carbono negativos do Brasil.

Quais são os próximos passos da Noah? Há algum projeto já definido?
Estamos desenvolvendo com a Athié Wohnrath o nosso primeiro prédio de escritórios na Vila Madalena, vai ter 11 andares. Estamos definindo a construtora — como nossa fábrica ainda não está pronta, vamos usar uma construtora para executar essa obra, mas introduzindo a nossa tecnologia.

O investimento total será de 45 milhões [de reais]. Em termos de prazo, temos uma estimativa de 18 meses de obra. Isso já é 25% a menos do que no método convencional, já tem um ganho de cronograma.

Ainda estamos fechando o projeto, conversando com as empresas florestais, entendendo como a cadeia vai se comportar para podermos fazer os cálculos certinhos da emissão [de gás carbônico]… Mas nosso objetivo é ser um prédio carbono negativo — no mínimo, carbono zero 

Além da sustentabilidade, queremos trazer um conceito de health building, de prédios mais saudáveis para a população. Por exemplo, estamos estudando colocar um equipamento para filtragem de ar para o Covid — o prédio só vai estar pronto daqui a dois anos, mas dado o que a gente está vivendo, [a circulação do vírus] é algo que veio para ficar.

Também estamos desenvolvendo um fundo para a Noah investir em outros dois [prédios]. Ainda estamos fechando terrenos, mas deve ser um nos Jardins e o outro em Pinheiros, próximo à [Avenida] Faria Lima.

Nosso desafio é encurtar o tempo [de obra], diminuir o custo com economia de escala e trazer um produto melhor e mais condizente com nosso papel como seres humanos e como empresa, diante de um cenário quase crítico do meio ambiente.

 

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