Diogo Bezerra da Silva, 25, e Diego Luiz dos Santos Ramos, 24, são os fundadores da escola de inglês 4Way e têm histórias de vida muito parecidas. Os dois cresceram na periferia de grandes cidades (Diogo, em São Paulo, e Diego, em Guarulhos), passaram por momentos de necessidade, entenderam que precisavam estudar para quebrar o ciclo de pobreza da família, aprenderam inglês de forma autodidata na igreja que frequentam e, hoje, são empreendedores.
A ideia do negócio surgiu com Diogo, que queria oferecer aos jovens da periferia a oportunidade que ele teve de aprender inglês e mudar de vida. Hoje, a cada três alunos pagantes, eles oferecem um curso gratuito para um aluno morador do Jardim Pantanal, bairro no extremo leste da cidade de São Paulo. Desde 2016, 200 alunos já passaram pela escola, sendo 40 de forma totalmente gratuita.
Hoje, há 65 alunos pagantes e 15 gratuitos. A 4Way oferece cursos de uma hora por semana (180 reais), uma hora e meia (250 reais) e duas horas (300 reais). As turmas são de, no máximo, três alunos e há um diferencial no mínimo curioso: as aulas acontecem em três shoppings da capital paulista (Tucuruvi, Tatuapé e Cidade de São Paulo). Diogo conta como funciona esse sistema:
“Não queríamos ter o custo de um aluguel e precisávamos oferecer a prática de inglês em situações reais: os shoppings foram a melhor opção de sala de aula”
Somente as aulas gratuitas não acontecem em shoppings, mas em uma sala cedida pela Associação de Moradores do Jardim Pantanal, parceira da escola. Diogo, que é morador do bairro e professor desses alunos, conta que essa foi uma opção para facilitar a vida dos bolsistas, que não precisam gastar com deslocamento ou alimentação fora de casa para ter acesso às aulas.
ELES QUEBRARAM O CICLO DA POBREZA APOSTANDO EM EDUCAÇÃO
Vindo de uma família pobre, Diogo conta que sempre olhou para a mãe, que parou os estudos na primeira série, como um exemplo de “mulher guerreira e trabalhadora”. Ele a acompanhou muitas vezes no trabalho de pegar papelão na rua e via o esforço que ela fazia para satisfazer as necessidades básicas da família. “Quando eu era mais jovem, era um privilégio ter café da manhã todos os dias”, conta.
Viver essa realidade o fez desejar ser o provedor de uma vida melhor para a mãe e para si. “Não queria todo aquele sofrimento para mim”, diz. Diogo percebeu que a educação seria o único caminho para quebrar o ciclo de pobreza.
Aos 19 anos, foi morar em Portugal como integrante de um programa de voluntariado da igreja que frequenta. Passou dois anos lá e, nesse período, aprendeu inglês de forma autodidata. Ele fala mais a respeito:
“Eu queria aprender inglês por entender que isso me ajudaria a tirar minha família da pobreza. Via amigos que, por causa do idioma, tiveram mais oportunidades”
Durante a estadia em Portugal, ele conviveu com jovens do mundo todo e percebeu que aquela era sua grande oportunidade de aprender e treinar o inglês. O sócio Diego também viajou como missionário da igreja, porém para Salvador. Mesmo estando no Brasil, ele conviveu com muitos estrangeiros e, para se comunicar com eles, teve que aprender o idioma.
Quando voltou para o Brasil, Diogo se candidatou a uma vaga de emprego na multinacional Xerox e, em 15 dias, estava empregado. “Em um ano e três meses, conseguiu construir uma casa para minha mãe e fazer uma viagem para a Inglaterra, que era meu sonho”, conta. Resiliente, ele morou com a mãe em um barraco enquanto a casa, no Jardim Pantanal, era construída. “Foi um impacto grande. Passei dois anos com uma vida confortável em Portugal, mas acho que os desafios servem para testar quem a gente é. Sempre quis mudar essa situação e as dificuldades fazem parte disso.”
NÃO BASTA TRANSFORMAR APENAS A PRÓPRIA VIDA
Diogo gastava cinco horas por dia — quando não havia nenhum contratempo — para ir do Jardim Pantanal até Santo Amaro, onde trabalhava. Ele queria ter uma vida mais estável e confortável e teve a ideia de ensinar inglês quando voltou de uma viagem de turismo, trabalho e estudo na Inglaterra. “Voltei com a mente mais aberta e comecei a pensar que meus amigos e os jovens do bairro não estavam tendo a mesma oportunidade que eu.”
A primeira ideia foi fazer palestras em escolas públicas para mudar a mentalidade dos jovens que acham o inglês difícil. “Esse mindset é o primeiro impasse para um jovem de periferia aprender inglês”, diz. Ele fez as contas e viu que se cobrasse um real por aluno teria uma renda e ainda ajudaria outros jovens.
Foi nessa época que conheceu o sócio, em um curso em que Diogo, era o professor e Diego o aluno. Os dois tinham uma história de vida parecida e o mesmo desejo de ensinar inglês para jovens da periferia. Diego já tinha, inclusive, criado modelos de aulas particulares, mas queria atingir o máximo de pessoas possível. Juntos, os dois foram para o mercado tentar oferecer as palestras. Não deu nada certo… Diogo conta que eles não conseguiam acessar as escolas públicas, mesmo não cobrando nada pelas palestras.
Ao mesmo tempo em que tentava compartilhar esse conhecimento com outros jovens, Diogo foi em busca de cursos gratuitos para se capacitar como empreendedor. Aprendeu sobre crowdfunding e enxergou aí uma oportunidade. A dupla criou uma campanha e, em um mês, atingiram a meta de 6 mil reais. Com esse dinheiro, começaram o negócio. “Formatamos o curso e começamos a vender por 70 reais. Era um valor que a gente achava acessível para o público da periferia”, diz Diogo. Só que, mais uma vez, não funcionou como eles imaginavam. Os sócios conseguiram atingir três públicos diferentes, mas também tiveram que lidar com três problemas diferentes. O primeiro público era o de baixa renda e era justamente esta a dificuldade:
“No início, vendíamos o curso a um custo acessível mas mesmo assim as pessoas desistiam porque o dinheiro comprometia o café da manhã do mês. Aí, mudamos”
Havia, também, um segundo grupo, que começava porque o curso era muito barato, mas desistia justamente porque, por não ser caro, não seria um grande prejuízo parar. O outro público era formado por pessoas que podiam pagar por um curso mais caro, mas se interessavam pela proposta pedagógica, porém, davam um passo atrás quando descobriam que o custo era de apenas 70 reais. “Nós oferecíamos muito valor. As aulas tinham no máximo três alunos e sempre convidávamos um nativo americano para praticar com eles. Por causa disso, pessoas que podiam bancar um curso mais caro começaram a nos procurar, mas ficavam desconfiadas quando falávamos o preço”, conta.
OS SÓCIOS FORAM SE CAPACITAR PARA CHEGAR AO MODELO DE NEGÓCIO IDEAL
Diogo e Diego acreditam que a educação e o conhecimento são a chave para o sucesso e, por isso, sempre foram em busca de aprender mais e se capacitar como empreendedores. Quando eles estavam patinando no modelo de negócios, fizeram contato com um gerente comercial da escola Wise Up e tiveram a oportunidade de mergulhar mais a fundo na parte comercial de uma escola de inglês. “Ele nos propôs pararmos o nosso negócio e trabalharmos na escola dele. Eu não queria fazer isso, mas achava importante ganhar conhecimento prático, por isso, Diego foi trabalhar com ele para ter acesso a esse conhecimento”, fala Diogo.
Alguns meses depois, eles participaram do programa Pense Grande Incubação, da Fundação Telefônica, no qual tiveram acesso a mentorias, imersões e aprenderam sobre negócios sociais, o que abriu a possibilidade de fazerem exatamente o que desejavam.
Enfim, chegaram ao modelo ideal: a cada três alunos pagantes ofereceriam uma bolsa integral para um aluno da periferia. “A gente não queria cobrar mais caro e deixar de atingir o propósito real de ter aberto o negócio, que era dar acesso à comunidade e à periferia a aulas de inglês de qualidade”, conta Diogo. A proposta deu certo e, hoje, a 4Way fatura entre 10 e 12 mil reais por mês, tem um funcionário e quatro professores contratados, sendo dois em tempo integral e dois em meio período.
POR QUE EMPREENDER?
Jovens e com inglês fluente, tanto Diogo quanto Diego poderiam buscar um bom emprego, crescer dentro de uma grande empresa, porém, decidiram empreender — um caminho nem sempre fácil, ainda mais para quem está na periferia de uma grande cidade. A motivação de ajudar os outros jovens e, também, criar as melhores condições para a própria vida falaram mais alto, como conta Diogo: “Quando se começa a empreender, se ganha mais visão e, com isso e estrutura para fazer, não há limite”.
Ter flexibilidade de tempo e não precisar enfrentar mais de duas horas de transporte público também colaboraram para essa opção, já que os dois sócios trabalham a maior parte do tempo em esquema home office. Eles, no entanto, também saem de casa para compartilhar conhecimento e aprender. A 4Way foi uma das empresas selecionadas para participar do Acessa Campus, programa do governo do Estado de São Paulo que oferece uma residência de dez meses no coworking montado dentro da ETEC do Parque da Juventude.
As dificuldades da vida foram a motivação dos sócios para empreender e buscar melhores condições para eles, suas famílias e outros jovens. Se antes de construir o próprio negócio os dois já acreditavam que a educação era a melhor forma de quebrar o ciclo da pobreza, hoje eles têm certeza de que este é o caminho e, por isso, seguem trabalhando para que a 4Way cresça e mais moradores da periferia tenham acesso ao curso.
Nem mesmo um visto negado para os Estados Unidos, no começo deste ano, desanimou Diogo. “Fiquei frustrado, mas sei que em algum momento vai rolar porque esse é um dos meus sonhos”, diz ele, tranquilo por saber que o futuro é feito das conquistas e decisões tomadas no presente.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.
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