Com hidrômetros inteligentes e parcerias com startups, a Iguá quer abrir a torneira da inovação no setor de saneamento

Aline Scherer - 18 jan 2024
Péricles Weber, diretor de operações da Iguá Saneamento.
Aline Scherer - 18 jan 2024
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Numa escala de maturidade da inovação, alguns setores estão mais avançados, como o financeiro, e outros, bem menos. É o caso do saneamento básico. 

Apesar de ser essencial, a rede de coleta e tratamento de esgoto não chega a quase 100 milhões de pessoas, ou 44% da população do país. Além disso, falta água potável para 35 milhões de brasileiros, segundo dados do Instituto Trata Brasil, dedicado a gerar conscientização sobre o problema. 

A aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento em julho de 2020 (Lei 14.026) está gerando mais competição, ao permitir que grupos privados participem de um setor predominantemente operado por empresas estatais. Com isso, a tendência é que as companhias busquem se tornar mais eficientes – e inovadoras. 

Embora novas licitações para concessões e Parcerias Público-Privadas ainda não determinem metas específicas de inovação, cumprir o objetivo de universalizar o sistema e fazer com que todos os brasileiros sejam atendidos até 2033 vai exigir a implementação de muitas boas ideias. 

Seis anos atrás, a Iguá Saneamento começou a se mover para aproveitar essa oportunidade. Na época, no contexto de sua reestruturação, a empresa criou um seminário para ouvir as ideias dos funcionários, que hoje chama de Festival de Inovação e Boas Práticas. 

Um semestre depois, a companhia lançou o Iguá Lab, uma área dedicada a fomentar relacionamentos com startups. O diretor de operações da Iguá Saneamento, Péricles Weber, afirma: 

“Foi a primeira iniciativa de uma empresa de saneamento no Brasil a se aproximar das startups. A gente entende que saneamento não é apenas a parte operacional de como tratar água diferente, como tratar esgoto, que tecnologias ponho para dentro. Tem muito a questão comercial e a relação com o cliente”  

Desde 2018, a Iguá se conectou com 970 startups, identificou sinergias com 290 delas, e realizou provas de conceito com 60. Hoje mantém contrato com 40 startups, adquirindo serviços que vão desde treinamento, administração de viagens e monitoramento da satisfação de clientes, até o apoio técnico e operacional. 

UM EVENTO INTERNO ENCORAJA O COMPARTILHAMENTO DE IDEIAS E GEROU A CRIAÇÃO DE NOVAS ÁREAS NA EMPRESA

Presente em seis estados, por meio de 18 operações a partir de concessões e Parcerias Público-Privadas, é hoje uma das maiores empresas privadas do país no setor de saneamento – com cerca de 2 500 colaboradores, atende mais de 6 milhões de clientes.

Péricles, o diretor de operações, atua no setor há 35 anos. Ele conta: 

“Viajo muito visitando as operações e conversando com o pessoal de campo, que põe a mão no pesado, e também os nossos atendentes e leituristas, observei que eles tinham muitas ideias interessantes que estavam desconectadas do todo da companhia” 

Em 2017, a companhia realizou pela primeira vez seu seminário de inovação. Naquele ano, apareceram apenas 60 pessoas, entre os 2 mil funcionários da época. 

De lá para cá, o evento cresceu. Na sétima edição, realizada em julho de 2023, estiveram presentes cerca de 200 funcionários e outros 300 participaram virtualmente. 

Desde o início, o objetivo era incentivar a criatividade e a ousadia dos funcionários, facilitando que cada um compartilhe o que faz de diferente, de forma a ajudar a empresa a consolidar uma nova cultura corporativa. 

“Para estimular a inovação criamos possibilidades para elas proporem coisas novas sem o medo de serem criticadas, por mais simples que sejam as ideias”

O evento funciona como um congresso, em que os funcionários precisam inscrever seus projetos e ideias para serem selecionados a participar presencialmente. 

Uma banca formada por executivos da Iguá avalia a relevância, maturidade, clareza, inovação e grau de disrupção das ideias. Os donos dos três trabalhos mais bem votados recebem prêmios. Na edição deste ano, 128 projetos foram inscritos. Destes, 13 foram selecionados para serem apresentados no evento. 

Alguns funcionários com ótimo desempenho na operação são convidados por seus gestores para participar do festival presencialmente. Menos de 10% dos funcionários participam do evento a cada ano, e a empresa procura alternar os convidados para que mais pessoas possam ter a oportunidade. 

Um dos primeiros resultados práticos do festival para a operação foi a revisão de um projeto em Paranaguá, no Paraná.

No lugar da tradicional estação de tratamento “grande, de concreto, feita para durar a vida toda”, diz Péricles, surgiu a ideia de colocar estações compactas e modulares, que levam a metade do tempo para ficarem prontas. 

“Como é uma estação que permite tratar o esgoto o quanto antes, minimiza o impacto ambiental. E a companhia pode antecipar recursos, o que alavanca a capacidade de investimento para novos projetos. Essa foi a primeira ação disruptiva, e foi isso que a gente quis mostrar nesse primeiro seminário, e principalmente ouvir as bases das operações” 

Outro projeto, apresentado no Festival de 2020, inspirou a criação de uma unidade de negócios dedicada à internet das coisas, a Fluxx. Hoje, a Iguá tem mais de 20 mil hidrômetros com leitura remota conectados à rede de abastecimento de água. A medição digital é mais precisa e diminui os custos da leitura presencial. 

A tecnologia traz economia, evita fraudes e diminui perdas de água com vazamentos, mais facilmente identificáveis com os aparelhos inteligentes. Além disso, gera transparência para o cliente, que pode acompanhar o consumo diário.

A Iguá tem hoje mais de 40% do volume de água faturado monitorado diariamente, garantindo controle da receita e a conservação dos recursos hídricos. 

No Rio de Janeiro, onde fica sua maior operação, 50% de toda água faturada pela empresa é medida por hidrômetros inteligentes, instalados em locais de grande consumo de água, como shoppings, indústrias e condomínios. 

A IGUÁ CRIOU UMA ÁREA DEDICADA A CONSTRUIR RELAÇÕES COM O ECOSSISTEMA DE STARTUPS

Iguá significa água em tupi-guarani. Em 2017, a companhia foi adquirida pela IG4 Capital, gestora brasileira de recursos alternativos, com foco em situações especiais de private equity. Antes chamada de CAB Ambiental, ela fazia parte do grupo Galvão Engenharia, que entrou em recuperação durante a Operação Lava Jato.

Poucos meses depois da aquisição, a IG4 reverteu o prejuízo da companhia em lucro, e isso ajudou a gestora a receber aprovação de sua inscrição no Sistema B, garantindo o selo de excelência de gestão e apoio ao desenvolvimento humano e social.

Em vez de manter uma área tradicional de Pesquisa e Desenvolvimento, com engenheiros estudando maneiras de melhorar os processos de tratamento, em meados de 2018 a empresa montou o Iguá Lab, dedicado a fomentar parcerias de inovação aberta, especialmente relações com o ecossistema de startups, diretamente e através de aceleradoras e plataformas, como a 100 Open Startups. 

A área conta com quatro funcionários – um gerente e três analistas formados em engenharia, comunicação e administração. Péricles resume:

“O que eles fazem é escutar a demanda das nossas operações e prospectar ideias que tenham sinergia com os nossos problemas”

Outra função do time do Iguá Lab é estimular o intraempreendedorismo, formando “embaixadores” entre os colegas responsáveis por disseminar práticas de inovação nas suas áreas, incentivar as pessoas a participar do festival, inscrevendo trabalhos, e identificar demandas de soluções inovadoras em cada departamento. 

Na primeira chamada, o Iguá Lab contou com a inscrição de 100 startups para um pitch day, quando puderam apresentar seus negócios para um grupo de executivos da Iguá, incluindo o presidente do conselho de administração. Dez startups selecionadas passaram a ser contratadas, incubadas ou desenvolvidas pela Iguá.

Durante a pandemia, a companhia também organizou alguns hackathons, em busca de abordagens diferentes para o atendimento aos clientes, treinamento de funcionários e gestão comercial, e atraiu empreendedores de todas as idades. 

“Foi muito interessante, porque começamos a nos relacionar com pessoas de 18 anos, às vezes um pouco mais jovens, muitos estagiários, pessoas da faculdade, ou recém-formados, e pessoas também com 60, 70 anos”

O executivo explica que essa interação trouxe como saldo positivo estabelecer pontes com gente que estava fora do radar da Iguá, e vice-versa.

“Teve casos de pessoas empreendedoras que nunca tinham trabalhado no nosso setor, não sabiam quais eram os problemas do saneamento, mas tinham boas ideias que podiam nos ajudar.”

COM MENTORIAS E CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, A IGUÁ VEM DANDO UMA FORÇA PARA O DESENVOLVIMENTO DE NEGÓCIOS

A Iguá participou do desenvolvimento de algumas startups. Uma dessas startups é a RefilMe

Fundada pelas irmãs Isabela e Flávia Vitoi, engenheiras do Espírito Santo, em 2019, a empresa fornece água em máquinas, no estilo bebedouro, para que as pessoas encham suas garrafas em locais de grande circulação, como shoppings e praias no Rio, no Mato Grosso e no Espírito Santo, evitando o uso de plásticos descartáveis. 

A máquina divulga a marca da empresa que patrocina a sua instalação e demanda que os consumidores baixem um aplicativo para ter acesso gratuito à água potável.  Péricles explica a ideia por trás do apoio da Iguá:

“O objetivo geral era divulgar a qualidade da água recebida em cada região – e mostrar que a qualidade é rastreável. A água fresca era refrigerada e colocada em vários pontos” 

A Iguá, afirma o executivo, financiou o início da RefilMe e o desenvolvimento das máquinas, além de dar apoio com mentoria na parte de desenvolvimento do negócio, prospecção de mercado. 

“Quando elas começaram o negócio, a gente alugou as máquinas delas. Depois, elas começaram a ir para fora, e aí a startup tomou vida própria e as máquinas estão em vários pontos.”

Segundo o executivo de operações, houve outros casos em que a Iguá ofereceu mentorias, inclusive contratando especialistas em desenvolvimento de negócio; e quando as startups estavam um pouco mais maduras, a empresa fechou contratos de prestação de serviços.

Uma das startups fornecedoras, por exemplo, desenvolveu para a Iguá um treinamento 3D para manutenção de painéis elétricos e eletrônicos. 

“A ideia era que o operador, para ser treinado, não passasse por nenhum risco de estar mexendo num painel eletrificado. O treinamento virtual, 3D, muito similar à realidade foi uma experiência muito legal”

Outra startup, já consolidada, desenvolveu equipamentos para mensurar a água e identificar formas de reduzir perdas. 

“Ao longo da distribuição, próximo dos cavaletes, onde tem os nossos hidrômetros, a gente usava o equipamento deles, umas varetas, para fazer essa leitura e, com isso, reduzir as perdas. Esse também foi um processo muito legal que a gente teve de parceria direta.”

UM APLICATIVO PARA PAGAMENTOS É UMA DAS APOSTAS PARA TRAZER MAIS INTELIGÊNCIA E TRANSFORMAR A CULTURA DO SETOR

Como parte da consequência da relação com as startups e os festivais com funcionários, o executivo destaca duas inovações desenvolvidas internamente. 

Uma delas é o Digi Iguá, um aplicativo que permite ao cliente acessar a sua conta, pagar a fatura e checar mais informações sobre seu consumo. 

“O app tem tido uma adesão crescente por parte dos nossos clientes, que podem fazer na palma da mão todo o serviço que teriam que ir até a loja fazer. Parece algo básico, mas o setor de saneamento ainda tem uma abordagem muito antiga de ir às lojas, pegar a segunda via, e entrar em fila para pagar”

O aplicativo para pagamentos é conectado ao sistema da Fluxx, a área de internet das coisas que conta com o uso de tecnologia de ponta, como inteligência artificial para fazer a gestão dos sistemas de distribuição de água.

Com o novo sistema, não é mais preciso o velho modelo em que um funcionário vá pessoalmente todo mês fazer a leitura do consumo in loco. 

O hidrômetro digital, relógio que mede o consumo de água, emite sinais à distância que checam o consumo do cliente. Inclusive, em caso de vazamentos, um alarme pode soar no celular comunicando a ocorrência. 

O HIDRÔMETRO DIGITAL VEM PERMITINDO À COMPANHIA TER UM CONTROLE MAIS APURADO DE PERDAS E FRAUDES

De acordo com o executivo, proporcionalmente ao número de ligações de água realizadas, a Iguá é a empresa de saneamento, hoje, com o maior índice de leitura remota do Brasil. 

Agora a empresa trabalha para ampliar o serviço para que mais clientes possam ter a leitura remota e, com isso, ter um maior controle dos seus gastos. 

São poucas empresas ainda que adotam o novo sistema, cuja precisão da leitura é maior, mas o custo é muito mais alto que o do hidrômetro convencional.

“A Iguá começou a desenvolver um algoritmo que, primeiro, identifica onde são os melhores locais para você poder fazer a troca de hidrômetro visando redução de perda, por exemplo”

Por norma da ABNT, explica Péricles, o hidrômetro precisa ser trocado a cada sete anos, no máximo. “E os contratos que temos com os municípios preconizam essa troca.”

O hidrômetro digital, segundo o executivo, dura de 12 a 15 anos. Além disso, dá um controle maior na gestão de perdas e fraudes, avisando quando o aparelho é violado por consumidores na tentativa de pagar menos na conta. 

Há casos até de construções com redes subterrâneas desviando a tubulação, coletando água sem passar pelo hidrômetro.

“A gente já descobriu casas enormes com piscina e até distribuidora de combustíveis e concessionárias de automóveis. Em algumas cidades, isso é quase endêmico”

Somando as perdas reais, de vazamentos nas tubulações, e as perdas aparentes, ocorridas por fraude, no Brasil a perda total de água é, em média, de 38%. 

Na sua maior operação, a zona Oeste do Rio de Janeiro, que inclui os bairros Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Jacarepaguá e Cidade de Deus, a meta do contrato com a Prefeitura é atingir no máximo 25% de perda até 2030.

A IGUÁ VEM COMEÇANDO A VOLTAR SEU OLHAR PARA O ECOSSISTEMA DE SANEAMENTO E DE INOVAÇÃO FORA DO BRASIL

Atualmente a Iguá está em tratativas com duas aceleradoras de startup do Reino Unido para estabelecer uma parceria para que o Iguá Lab se torne internacional e possa trazer startups britânicas para ajudar a superar os desafios do saneamento. 

Até então, as interações da companhia ocorreram predominantemente com empreendedores brasileiros, e pelo menos um argentino. “O saneamento na Inglaterra é muito desenvolvido”, diz Péricles. “Acho que poderemos ter várias ideias boas.” 

A Iguá também procura enviar, sempre que possível, executivos para missões internacionais, visitando operações de esgoto, feiras e congressos internacionais. Recentemente um grupo esteve na Suíça. 

“É importante que os nossos profissionais entendam o que tem no mundo hoje, qual é o patamar que a Europa e os Estados Unidos estão em termos de saneamento e comparar com o que nós estamos, e como podemos oferecer o mesmo padrão de serviço que é oferecido lá – através de outros caminhos, com mais criatividade e menos recurso” 

Caso descubra startups com muita sinergia e complementaridade ao negócio, a Iguá considera a possibilidade de fazer aquisições.

“Mas nosso foco é identificar startups que nos ajudem a endereçar problemas e nos permitam ajudá-las a crescer”, diz Péricles. E que elas possam, inclusive, vender para outras empresas de saneamento.”

COM SEU PLANO DE DESCARBONIZAÇÃO EM ANDAMENTO, A EMPRESA SE PREPARA PARA DESPOLUIR UMA REGIÃO DE MANGUE NO RIO DE JANEIRO

Em 2022, último ano divulgado, a receita líquida da Iguá ultrapassou os 2 bilhões de reais, 98% a mais que no ano anterior. 

De acordo com o executivo, a mesma quantia foi investida ao longo dos últimos seis anos em melhorias de saneamento básico. E cerca de 25 milhões de reais foram investidos em inovação e pesquisa. 

Na frente de sustentabilidade, diz Péricles, a Iguá está concluindo o plano de descarbonização da companhia e se prepara para começar a despoluição do Complexo Lagunar da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. 

“Um dos projetos que a gente já começou foi a recuperação do mangue da região, o que vai permitir, também, absorver carbono. Então, também nos ajuda na nossa descarbonização”

A empresa também afirma fazer a compensação de emissões de CO2 do festival de inovação que promove em São Paulo, já que muitos dos funcionários vêm de outros estados – em alguns casos viajando de avião pela primeira vez na vida. 

Para Péricles, essa é uma forma também de mostrar aos times que a empresa está levando a sério a redução de seu impacto socioambiental e climático.   

“Nosso mote é ser a melhor empresa de saneamento para o Brasil, e isso significa contribuir para outras áreas. A relação com as startups tem a ver com isso: ajudar a formar empresas que contribuam para o melhor da economia do país e dar oportunidades de trabalho para os jovens.”

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