“A pergunta é: por que ainda consumimos de empresas que só geram coisas negativas para o mundo? Precisamos mudar essa lógica”

Maisa Infante - 18 dez 2023
Rodrigo Santini, diretor executivo do Sistema B.
Maisa Infante - 18 dez 2023
COMPARTILHE

Falar em empresa que só gera lucro para os acionistas é coisa do passado, segundo Rodrigo Santini, diretor executivo do Sistema B. Ele acredita que a atuação de qualquer organização deveria, sempre, levar a uma lógica de regeneração. 

“Quando trazemos negócios de impacto para o centro da história, estamos falando de negócios que resolvem problemas sociais ou ambientais e vão gerar lucratividade”, diz Rodrigo. “Mas estamos tão acostumados a pensar que negócios vão erodir a nossa sociedade que quando falamos que podem fazer algo melhor logo se pensa que é um instituto ou uma fundação.”

O Sistema B, que está completando dez anos de atuação no Brasil (e já foi pauta aqui no Draft), é uma organização que busca certificar, engajar e divulgar empresas que atuam com boas práticas socioambientais e buscam um impacto positivo na sociedade. 

Ela faz parte do Movimento Global de Empresas B, criado em 2006, nos Estados Unidos, com objetivo de redefinir o sucesso na economia para que sejam considerados não apenas o êxito financeiro, como também o bem-estar da sociedade e do planeta.

Rodrigo chegou ao Sistema B em 2022 para ocupar um espaço de articular conexões que possam melhorar a sociedade e avançar em uma agenda de transformação socioambiental. 

Formado em publicidade, ele trabalhou em agências como DPZ&T, Publicis, Fallon e F/Nazca S&S; foi Diretor de Marketing América Latina Norte na Lycra; e Líder do Negócio na Ben & Jerry’s, de onde saiu para ocupar uma cadeira no Sistema B. 

Ele também atua no terceiro setor desde 2013, quando trabalhou na World Childhood Foundation. Hoje, é membro do conselho do Greenpeace Brasil. 

“Atuar nesses lugares me dá conhecimento pra voltar pra casa e dialogar melhor com as empresas”

Na cadeira de diretor executivo, Rodrigo acredita que as empresas estão tendo uma melhor dimensão das suas responsabilidades, mas admite que o caminho não é simples e que uma das principais necessidades é educação, para que a sociedade em geral entenda as questões relativas ao ESG e, assim, possa cobrar a atuação das empresas. 

A seguir, Rodrigo fala sobre os desafios do segundo setor em temas importantes como justiça social e justiça climática, a relação entre lucro e impacto e também sobre como ele vê a atuação das empresas em um mundo mais quente e com consumidores mais conscientes:

 

Estamos conversando em um dos dias mais quentes em São Paulo neste ano e ninguém consegue não reclamar do calor. Você acha que as empresas têm noção da responsabilidade delas neste cenário de urgência climática?
As empresas têm uma série de papéis e, muitas vezes, achamos que esse é o papel do estado, quando, na verdade, as empresas também têm poder de definição porque têm o bastão do poder na mão. O dinheiro, afinal, significa isso nesta sociedade. 

Hoje podemos falar de dois grandes blocos de atuação. Um bloco de justiça social, que fala principalmente de periferias e de raça, questões que se cruzam, muitas vezes, por uma vulnerabilidade e exclusão das pessoas negras; e outro de justiça climática, que se refere principalmente à descarbonização no setor empresarial, mas também se liga à questão de quem são as pessoas que mais sofrem com as questões que temos hoje relacionadas a aquecimento global. 

No final, existe uma grande pauta, que são as exclusões da sociedade afetadas por questões ambientais ou sociais 

E nessa pauta existe uma importância muito grande de chamar as empresas a fazerem essa construção, porque elas têm sim um papel de muita responsabilidade, seja em temas como descarbonização, seja pela inclusão de pessoas excluídas nos seus times quando a gente fala de diversidade, equidade e inclusão. 

Como você vê a relação entre empresas de impacto e lucro?
Existem alguns mitos nessa história. Primeiro, o mito do capitalismo de shareholders, que é basicamente dar lucro para os acionistas. 

As empresas começam a perceber que têm uma série de outros stakeholders nessa jornada. O capitalismo de stakeholders diz que estamos afetando muito mais pessoas com a nossa atuação e essas pessoas são tão importantes quanto os acionistas. 

Quando uma empresa começa a olhar para todas as pessoas, percebe que existem outras demandas da sociedade que poderiam ser preenchidas pela sua atuação. A atuação das empresas deveria, sempre, levar a uma lógica de regeneração. Quanto mais gera negócios, mais gera algo positivo. 

Cada vez mais a grande pergunta é: por que nós consumimos de empresas que só geram coisas negativas para o mundo? Mudar essa lógica é muito importante 

E talvez a pergunta que a gente se faça em algum tempo será:  como ainda existem empresas que geram produtos e serviços que não fazem nada de positivo pro mundo? Isso vai ser o grande estranhamento, e não o contrário. 

No seu LinkedIn, você se define como um “ativista corporativo”. O que é um ativista corporativo e por que você é um deles?
Entendo o conceito de ativismo como sendo toda e qualquer pessoa que age quando percebe que existe uma iniquidade no sistema e precisa resolver esse desbalanço. 

Ao pensar na melhora da sociedade, muitas vezes pensamos nos governos e sociedade civil e deixamos as empresas para trás, como se elas não tivessem uma relação nessa construção da sociedade. 

Quando falo que sou ativista corporativo, é basicamente entender que nas cadeiras que nós ocupamos também podemos fazer uma série de instruções relacionadas às áreas ambientais e sociais em lugares em que existe poder e a possibilidade da mudança 

Então, me posicionar como ativista corporativo é dizer que eu entendo que existe um desbalanço nas relações e que fazer isso dentro das corporações é reconhecer que elas têm o poder de mudança e devem agir também para construir uma sociedade melhor. 

Qual foi a iniquidade que você percebeu e te fez pensar desta forma?
Eu trabalhei em vários setores e cada um deles apresenta deficiências e discussões que muitas vezes não estão postas. Quando passei pelo setor têxtil, percebi que existia naquela cadeia uma série de vulnerabilidades — e decidi que era hora da mudança. 

Meu primeiro passo foi ir para uma organização social e entender como ela funcionava e se relacionava com a sociedade. É muito importante entender como se interrelacionar com setores porque ninguém faz nada sozinho. 

Na nossa sociedade, muitas vezes temos muito “azulejo” e pouco “rejunte”. Ou seja, tem muita gente querendo protagonismo, mas o rejunte, que é a conexão que faz com que de fato aquela parede funcione bem, muitas vezes não existe. E o rejunte tem um papel importante 

Então, acho que pessoas que rejuntem, conectem, liguem, compreendam outros setores são cada vez mais importantes nessas negociações. Pra mim, criar um olhar que fosse intersetorial era extremamente chave para poder fazer mudanças que fossem relevantes. 

Como você chegou no Sistema B?
Eu vinha da Ben & Jerry’s, que é uma empresa B, onde comecei a compreender um pouco mais o que significava a cultura B. Temos que deixar pra trás o romantismo de que existem lugares bons e lugares maus. 

Nessa sociedade tem uma série de espaços onde existe o potencial de transformação e onde as empresas e iniciativas podem de fato fazer algo. Eu entendo que nesse ecossistema a gente se reúne com muitas empresas de vários tamanhos e setores que querem fazer essa diferença. 

Pra mim, a grande questão é muito menos sobre de onde uma empresa sai e muito mais para onde essa empresa quer se encaminhar 

Então, me chamou a atenção um sistema que coloca essas empresas pra dentro, tem discussões claras, transparentes e com métricas para fazer com que elas avancem. 

Entendi que aqui era um espaço que a gente poderia ter essas discussões e avançar em uma agenda de transformação socioambiental.

Quando os negócios de impacto começaram a te chamar a atenção?
Sempre existiu uma insatisfação e esse olhar para as desigualdades, desde que eu estava na faculdade. 

Quando me formei, no começo dos anos 2000, ainda existia um lugar da sociedade que separava em caixas o assistencial com o terceiro setor, as empresas gerando lucro para os acionistas e governos reguladores. 

Hoje em dia esses papéis são definitivamente inexistentes, no sentido de que muitas vezes você tem órgãos ou governos que regulam pouco, que são mais focados em uma neoliberalidade; organizações sociais muito estruturadas globalmente fazendo diversos papéis de advocacy ou emergenciais; empresas que são, muitas vezes, lugares onde a gente pode promover pilotos capazes de promover soluções socioambientais. 

Logo que comecei na minha carreira, percebi que seria interessante conhecer o lado das empresas para que, quando eu mudasse de lado da mesa, pudesse dialogar melhor. É o lugar da compreensão do outro. Entender como as empresas podem cooperar nessa construção, pra mim, era muito essencial

Ter esse olhar diverso dos dois lados é algo que sempre me atraiu e acho muito importante que a gente tenha pra não cair no romantismo de colocar organizações sociais em um lugar impecável e empresas em um lugar demonizado, mas entender que todos nós temos um papel importante e que isso deve ser considerado nas negociações. 

Como o Sistema B pode ajudar nessa mudança de visão das empresas como vilãs e as organizações como mocinhas?
Na época em que a gente vive, de muitas narrativas, acho importante buscar fontes confiáveis. O Sistema B auxilia nesse processo principalmente através da sua ferramenta BIA [Avaliação de Impacto B], um questionário que as empresas podem preencher gratuitamente. Empresas que atingem o mínimo de 80 pontos podem ser certificadas. 

Esse questionário passa por uma reavaliação a cada três anos, porque a sociedade muda. Há dez anos não se discutia sobre equidade, diversidade e inclusão porque se achava que era um tema do governo. 

Eu me pergunto, inclusive, quais são os grandes temas que serão discutidos daqui a 15 anos — e que hoje nem passam pela nossa pauta 

Essa avaliação constantemente revisitada ajuda as empresas a estar mais próximas daquilo que é importante para a sociedade no mundo inteiro. Ela ajuda a empresa a entender o que ela está fazendo e o que não está fazendo, oferecendo uma transparência que abre caminhos e diálogos na sociedade.

As empresas estão preparadas e dispostas a encarar essas avaliações e mostrar suas vulnerabilidades para os consumidores?
Sessenta por cento do nosso ecossistema no Brasil veio no pós-pandemia. Uma das principais razões para isso é a necessidade das empresas de se posicionarem de forma mais contundente e verdadeira, com números e métricas. 

Hoje, existe uma crise de confiança no mundo e ter métricas claras e confiáveis facilita muito o entendimento de onde cada empresa está. E aí, eu acho que muito mais do que somente estar preparado, existe cada vez mais uma demanda da sociedade. 

É como eu digo: não existe nada perfeito. Se uma empresa se coloca no lugar de perfeição, desconfie 

Agora, é claro que em uma sociedade em que mostrar sua vulnerabilidade é algo perigoso porque as pessoas podem ser atacadas, eu entendo que existam muitas pessoas que não saibam como fazer isso. 

São dez anos do Sistema B no Brasil e mais de 300 empresas certificadas. Qual a sua avaliação do impacto que essa certificação já trouxe para o país — e para as próprias empresas?
Acho que tem um lugar de provocar outros a virem e fazer esse movimento. Nossa rede tem 80% de pequenas e médias empresas e teve um crescimento nos últimos anos das empresas maiores, como o grupo SOMA, Movida, Arezzo, Natura. 

São empresas que olham para essas ferramentas entendendo que elas são oportunidades de gerar melhores negócios, mas também de promover esse diálogo com a sociedade. 

Quando tenho cada vez mais empresas maiores, estimulo esse ecossistema inteiro que envolve academia, empresas e governo a discutir como as empresas podem ajudar a construir uma sociedade melhor com seus produtos e serviços 

Acho que a grande evolução do Sistema B é que hoje a gente tem discussões mais profundas com empresas que monitoram de forma mais adequada suas ações na sociedade e podem influenciar políticas públicas e privadas e estimular novas empresas a se instalarem com novas formas de pensar. 

Como você enxerga o futuro desse segundo setor em um mundo diferente, com clima mais extremo e um consumidor mais atento e cobrando mais das empresas?
Existe um otimismo central nessa história. Claro que a gente tem uma expectativa muito grande dos consumidores porque, de fato, é a sociedade que pressiona. 

Uma pesquisa do Sistema B com o Google e Mind Miners diz que 47% das pessoas ainda não entendem muito bem quais são as ações de ESG feitas pelas empresas. 

Isso demonstra a necessidade de uma comunicação mais efetiva — não só de campanhas, mas de um relacionamento mais próximo com a comunidade para explicar e auxiliar esse consumidor no sentido de compreender o que é uma ação efetiva e o que não é. 

Tem um lugar de uma expectativa muito grande das empresas fazerem tudo, mas se a sociedade civil não está empoderada suficientemente para entender o que essas empresas estão fazendo e cobrar pelas mudanças necessárias, ficamos refém daquilo que é dito, sem poder avaliar se funciona ou não. 

Quais são os planos do Sistema B para o futuro?
Estamos fazendo o planejamento para três anos. Cada vez mais queremos ser um hub de soluções de impacto. Não temos apenas certificações, mas consultorias, sensibilizações, formação de multiplicadores. 

Quando olhamos para o futuro, educação é essencial, além de mais geração de negócios entre a própria rede e levando pra fora 

E justiça social e climática como temas centrais da estratégia, porque não dá pra dialogar com uma realidade tão complexa brasileira sem pensar nesses dois temas que estão muito presentes.

 

COMPARTILHE

Confira Também: