Vencedora, em março deste ano, da competição entre startups promovida pelo South Summit Brazil 2024, em Porto Alegre, a agtech Cromai apareceu aqui no Draft pela primeira vez em 2018.
Na época, a agtech (então recém-fundada por Guilherme Castro e dois sócios) estava validando uma de suas soluções: uma inteligência artificial capaz de detectar pragas nas plantações de cana-de-açúcar — e, assim, reduzir perdas na produção e o uso de agrotóxicos.
Seis anos depois, muita coisa mudou. De dez funcionários, a Cromai passou a ter 170. São mais de 90 clientes atendidos em nove estados. Segundo a startup, seis desses clientes estão entre os dez maiores produtores de cana-de-açúcar do Brasil.
O quadro de sócios, diz Guilherme, também sofreu mudanças e agora conta com um novo nome, Henrique Del Papa.
“O Henrique já foi nosso cliente e acabou completando o espaço, como pessoa física, numa das nossas rodadas de investimento. Depois de um tempo, viu que o negócio estava andando, decidiu largar a gestão da fazenda de lado e entrar na Cromai. Ele comprou a participação de um dos antigos sócios e hoje é o nosso COO, dividindo a liderança da empresa comigo.”
Outra novidade é a ampliação dos serviços fornecidos. Atualmente, a startup possui três soluções que resolvem diferentes problemas no campo — enfrentados, principalmente, pelos grandes produtores de cana-de-açúcar.
A escolha por atuar com esse nicho de mercado se deu pela importância e tamanho da cultura no Brasil — responsável por 22% da produção mundial de açúcar no mundo, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A expectativa é que o país chegue à marca de 685,86 milhões de toneladas de cana na safra 2024/2024.
“Por produzirem em larga escala, os grandes grupos de cana-de-açúcar enfrentam muitos desafios, como ineficiência e limitação de recursos para investir em tecnologia e inovação”
Outro fator que contribuiu para essa decisão foi o fato de a cana possuir um ciclo de plantio mais longo, entre 12 e 18 meses, possibilitando um tempo maior para Cromai desenvolver e aprimorar suas soluções de inteligência artificial.
A primeira delas, descrita no início daquela reportagem de 2018, é a Scan Weed, focada em otimizar o manejo de ervas daninhas — plantas que interferem no crescimento de outras culturas. Guilherme explica:
“Os produtores não sabiam o nível de infestação que tinham no campo, quais eram as principais espécies de daninhas e de que forma a infestação estava espalhada na plantação… Por conta disso, eles aplicavam herbicidas genéricos e de maneira aleatória para tentar controlar o crescimento delas e evitar impactos na produção”
Esse processo “às cegas” gerava um gasto desnecessário de agrotóxico, água, emissão de gás carbônico e também de recursos humanos, pois a aplicação era feita na fazenda inteira — inclusive onde não era necessário. “A pessoa que fazia a aplicação do químico hoje é direcionada para fazer outras coisas mais estratégicas.”
A solução desenvolvida pela Cromai trouxe mais eficiência para o manejo. A partir de imagens feitas por drone, a startup detecta a espécie e a localização das plantas daninhas, tudo por meio da inteligência artificial. Ao final, o produtor recebe um mapa de pulverização localizado, com um raio-x do problema e recomendações para solucioná-lo.
O resultado é mais eficiência e menor impacto ambiental. Em 2023, a Cromai estimou que os clientes pouparam mais de 28 milhões de litros de água, reduziram o uso de herbicidas em 98 mil litros e a emissão de aproximadamente 1 404 toneladas de CO2 na atmosfera por meio do uso da Scan Weed.
Recentemente, a agtech lançou a detecção de plantas daninhas para os mercados de grãos e fibras, e os resultados têm sido positivos.
“Começamos com um consórcio, fazendo um pré-lançamento fechado em 2022 e um lançamento comercial na safra 23/24. Já estamos trabalhando com grandes grupos nesta primeira safra, e o crescimento está mais acelerado do que esperávamos para esse início no mercado de soja”
O cliente em questão é um grande grupo de cana-de-açúcar que, segundo a startup, não pode ter o seu nome divulgado. Em 2023, a empresa buscou a Cromai com o intuito de otimizar o manejo de pragas em uma parcela da sua área de produção, composta por 20 mil hectares.
Após três meses de operação, o grupo teria economizado 5 mil litros de herbicida, 2 milhões de litros de água e 86 toneladas de gás carbônico, totalizando um retorno sobre o investimento de 6 milhões de reais.
Além da Scan Weed, a startup fornece duas soluções: o Sentinela e a Scan Growline.
A primeira delas trata-se de um sensor que usa inteligência artificial para analisar a impureza vegetal da cana-de-açúcar colhida.
O dispositivo pode ser instalado em diferentes equipamentos dos laboratórios de qualidade de uma usina, como sondas e bancadas.
Assim que chega do campo, a cana passa por uma inspeção para detectar a presença de materiais indesejados como folhas secas e verdes, a ponta da cana e outros resíduos, que podem impactar a produção de açúcar e etanol.
“Após a análise, o sensor faz um cálculo percentual da impureza. Com acesso a essas informações, a usina pode adaptar seus parâmetros internos, decidindo se é necessário separá-las ou se está tudo dentro dos padrões”
Se os valores estiverem fora dos intervalos estipulados, eles enviam uma mensagem para a equipe à frente do campo para fazer as melhorias necessárias, como trocar as facas da colhedora, pois o equipamento pode estar desgastado, ou otimizar o trabalho dos colaboradores.
“Já temos alguns casos de sucesso em que foi possível medir um aumento de 4,5% no rendimento da produção de açúcar e etanol graças a essa tecnologia”
O acréscimo, diz o CEO, “foi baseado na comparação entre o material processado com o conhecimento das impurezas vegetais e as ações corretivas tomadas, versus o material que seria processado sem esse conhecimento”.
A solução mais recente da Cromai é a Scan Growline, lançada durante a Agrishow, realizada no início do mês em Ribeirão Preto, São Paulo. Por meio de imagens de drones, o algoritmo desenvolvido detecta falhas de plantio na cultura da cana-de-açúcar.
Durante a colheita, a planta não é destruída; o colmo (a parte principal da cana que contém a sacarose) é cortado e a planta brota novamente. No entanto, ao longo dos anos, a plantação pode perder vigor, e o manuseio incorreto pode gerar buracos na lavoura.
“Essas falhas reduzem a produtividade da terra, que pode passar de 100% para até 40%. O produtor só percebe a perda ao final da colheita, sem saber se foi devido a falhas de plantio ou outras variáveis”
Antes, eles faziam esse monitoramento manualmente, um processo trabalhoso que podia levar de 15 a 30 dias para uma área vasta. Com a Scan Growline, esse processo foi reduzido para 72 horas.
O empreendedor conta que além de poupar tempo, a tecnologia pode reduzir gastos. Isso porque quando há muitas falhas de plantio, os produtores precisam reformar a área, replantando tudo para retornar a 100% de produtividade. O custo pode chegar a 10 mil reais por hectare — o que representa milhões para grandes fazendas.
Guilherme reforça que essas três soluções estão alinhadas à visão da Cromai de dar ao produtor acesso à informação sobre o campo que ele não tinha antes, tornando o trabalho mais eficiente e assertivo.
“A reconstituição de linha e falha de plantio ajuda a melhorar a qualidade do material que chega à usina”, afirma. “Se a linha de plantio for bem feita, consequentemente a impureza vegetal é reduzida, e a probabilidade das ervas daninhas crescerem também, pois elas nascem nos buracos, nas falhas.”
A Cromai possui dois modelos de monetização. Tanto a Scan Weed quanto a Scan Growline são cobradas com base na área monitorada. Atualmente, o preço é de aproximadamente 17 reais por hectare. Já o sensor possui um valor fixo por usina.
Além da solução, a startup possui um time de sucesso do cliente que ajuda na implementação, treinamento e acompanhamento, garantindo que os produtores obtenham o retorno esperado.
Caso o produtor tenha problemas com o software ou o sensor, ele pode entrar em contato com o suporte técnico da Cromai, que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana.
No fim de 2023, a Cromai fechou uma rodada de Série A com um investimento de 30 milhões de reais.
Guilherme diz que o objetivo é chegar em dezembro de 2024 com uma operação rentável e com dinheiro em caixa para comportar o crescimento que a startup vem alcançando nos últimos anos — média de três vezes ao ano.
Para 2025, a expectativa é atingir 50 milhões de reais de receita e fortalecer ainda mais a presença da marca no Brasil. Se tudo der certo, a ideia é expandir a atuação para terras estrangeiras nos próximos dois anos, com foco nos Estados Unidos.
Porém, o CEO conta que, para além dos números, o seu maior orgulho é perceber a transformação que a agtech está causando no agro brasileiro.
“O setor agrícola no Brasil é muito forte, com amplo conhecimento agronômico e muita tecnologia, especialmente em maquinário. No entanto, estamos mudando completamente o paradigma da agricultura, trazendo uma enorme transformação em termos de impacto ambiental e produção”
Essas mudanças, diz Guilherme, já estão sendo postas em prática no campo, por meio da atividade diária dos clientes da Cromai e de outras empresas do setor.
“Não é mais o futuro, é o presente — e está acontecendo muito rapidamente.”
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