Como a CPFL se aproximou de startups para acelerar seu processo de inovação

Giovanna Riato - 10 maio 2018
Danilo, há dois anos na CPFL, escolheu a parceria com startups como ferramenta para criar uma via rápida de inovação na empresa.
Giovanna Riato - 10 maio 2018
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Com base em Campinas, no interior paulista, a CPFL Energia é uma empresa que gera, distribui e vende energia elétrica para 9 milhões de brasileiros nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais. Apesar da abrangência, a verdade é que muita gente só se lembra da companhia quando cai a luz ou na hora de pagar os boletos, afinal, não temos o costume de associar o serviço a outros aspectos da vida cotidiana. Esse distanciamento, porém, é algo que a empresa está trabalhando para mudar. Até porque, com os avanços tecnológicos, a tendência é que cada vez mais os serviços se tornem menos impessoais e mais próximos do consumidor.

“Em 105 anos de história, sempre investimos muito em inovação, com pesquisa e desenvolvimento e parcerias com universidades. Fazemos muito chopp e pouca espuma”, afirma Danilo Leite, 34, especialista em inovação da companhia e o profissional encarregado de construir essa transformação. “Queremos mudar isso e nos posicionar de outra maneira, entregar novidade para o consumidor com mais velocidade.”

Ele, que chegou à CPFL há dois anos, fala do cenário em que vive: “O setor de energia elétrica é fortemente regulado, o que exige investimento constante em tecnologia, mas são coisas que demoram para serem validadas e chegarem ao consumidor”. Assim, ainda que o departamento conte com um orçamento de 40 milhões de reais por ano, na ponta, o cliente não sente grandes evoluções, como fala: “Desenvolver um projeto que está na academia leva anos. Enquanto isso, o setor está em constante transformação. Em alguns países já vemos transparência bem maior, com clientes que têm controle detalhado de sua conta de luz e recursos para gerenciar seus gastos. Precisamos avançar nessa direção”.

A indústria de energia é o pilar do desenvolvimento de uma série de inovações que atraem esforços globalmente, então, nada mais natural do que o setor avançar junto. A evolução do carro elétrico, por exemplo, que (acredita-se) será base da mobilidade de uma série de países nos próximos anos, é uma das transformações que dependem do segmento. Outro avanço intimamente ligado à indústria de energia é o desenvolvimento das cidades inteligentes, conectadas e estruturadas com as chamadas smart grids, redes inteligentes de distribuição de energia que operam de forma automatizada e, portanto, mais eficiente e sustentável, segundo a CPFL.

É SOBRE MANTER A TRADIÇÃO SEM PERDER O LINK COM O FUTURO

Diante desses desafios, Danilo entendeu que precisava balancear melhor o portfólio de inovação ao continuar com os demorados — e essenciais — desenvolvimentos tecnológicos tradicionais, que têm ciclo de maturação longo, enquanto, do outro lado, construía uma via rápida para entregar novos serviços ao consumidor. Em uma empresa com 9 mil funcionários, com mais de 3 mil eletricistas em campo e cinco unidades distribuidoras de energia, Danilo e sua área com cerca de 20 colaboradores, incluindo gestores com projetos rodando em paralelo, precisam promover a mudança de mindset. É a agulha que precisa transformar o palheiro. Em suas palavras:

“Nosso trabalho não é concentrar e conduzir nós mesmos a inovação, mas ser o hub que fomenta isso internamente. Trabalho para algum dia deixar de ser necessário na CPFL”

E complementa: “Queremos ser menos reativos e mais ativos, conversar com o cliente e torná-lo engajado”, De acordo com ele, sua missão só vai estar cumprida quando as pessoas falarem de energia na mesa do bar – e não apenas para reclamar, mas como um assunto interessante. “Somos uma empresa privada que é vista como referência em tecnologia no setor de energia. Nosso plano aqui é trabalhar para que possamos ser referência em inovação também fora do setor, com melhorias tangíveis para os consumidores.”

A CPFL avaliou quase 500 empresas e escolheu 12 finalistas para seu programa de aceleração, que vai até setembro deste ano.

Na CPFL a inovação tem, segundo Danilo, o propósito de democratizar o acesso à informação e a gestão do consumo de energia para o cliente. Não demorou muito e as discussões para construir essa via de entregas mais rápidas para o mercado chegaram a um ponto delicado: é impossível ter todas as respostas.

“Ficamos sempre perdidos em muitos orçamentos e aprovações. Vimos a necessidade de construir um caminho para errar rápido”, diz. Era hora de abrir as portas da companhia tradicional para as startups. A dúvida era como fazer isso.

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“Não tínhamos ideia do que funcionaria. Pensamos em criar um fundo de venture capital, montar um coworking, estruturar uma aceleradora interna”, diz. Ainda sem decidir o melhor formato para trabalhar a inovação aberta, o time entendeu que seria necessário encontrar parceiros para construir a ponte entre o a companhia e o ecossistema de startups. “Fizemos mais de 100 reuniões e não conseguíamos avançar.”

A insistência, afinal, levou a CPFL a algum lugar: em um evento, Danilo conheceu a Endeavor, organização focada no empreendedorismo de alto impacto. Quando falou do desafio que tinha em mãos, o horizonte clareou rápido. Marcaram uma reunião na e, algumas horas de discussão depois, saíram de lá com o programa desenhado.

“A cooperação com a Endeavor deu muito certo. Entendemos que o melhor formato para nós era o de uma parceria capaz de aproveitar as nossas estruturas e competências para desenvolver o negócio das startups, sem ambição inicial de comprar participações acionárias nos negócios. Foi uma proposta de valor muito melhor.” Com este espírito, em outubro do ano passado, a companhia abriu as inscrições para o CPFL Inova.

Em uma tacada só, a iniciativa pretende promover o relacionamento da companhia com o ecossistema de inovação, mapear tendências em áreas relevantes para o negócio, trabalhar a imagem da marca, gerar novos negócios e ainda fomentar internamente a cultura de inovação. Danilo conta que os benefícios potenciais não são só para a empresa. As startups recebem mentorias de executivos da companhia e de empreendedores da Endeavor, desenvolvendo seus negócios.

A empresa também oferece às selecionadas acesso a um fundo de investimento de 10 milhões de reais para projetos de pesquisa e desenvolvimento. Com sorte e (principalmente) suor, no fim do programa, as startups poderão escalar soluções com a base de clientes da CPFL. A companhia analisou quase 500 empresas e escolheu 12 finalistas, que começaram o programa em março e seguirão nele até setembro. Danilo fala sobre os selecionados:

“Fico muito feliz de olhar para os empreendedores que temos hoje conosco. Todos têm um brilho nos olhos, a vontade de mudar o mundo”

Por ser um projeto que visa o desenvolvimento de negócios, o CPFL Inova buscava soluções que se conectassem de cara com as demandas da companhia, resolvendo problemas reais e com potencial relevante de mercado. “Não queríamos empresas em estágio tão inicial. Precisava ter algo já validado, em fase de ganho de tração e que tivesse como desafio as dores do crescimento, não a dificuldade de chegar a um produto”, diz. A busca também não se fechou no setor de energia. Eram cinco frentes: eficiência operacional (soluções que podem ser aplicadas internamente para reduzir desperdícios ou elevar a produtividade), relacionamento com o cliente, big data e analytics, inteligência artificial e, enfim, eficiência energética.

O balanço final é diverso, diz Danilo. Há, por exemplo, uma startup com solução para que clientes industriais economizem energia internamente, outra que realiza a gestão da energia solar e ainda uma startup de Internet das Coisas que propõe uma forma de tornar a conta de luz mais detalhada, mostrando ao cliente o quanto ele gastou com cada eletrodoméstico.

AOS POUCOS, A MUDANÇA CULTURAL ACONTECE

O programa de aceleração ainda está no começo, mas Danilo diz que os primeiros efeitos já são visíveis. “Fizemos um trabalho forte de comunicação interna e vemos a companhia inteira engajada. Há 15 diretores e gerentes que são hoje mentores e avaliadores do CPFL Inova.” Com isso, ele acredita que a mudança cultural ganha força internamente e brinca que, no lugar de a companhia acelerar as startups, são as startups que estão acelerando a CPFL. “O programa nasceu pequeno e hoje já é uma das iniciativas mais relevantes de inovação que temos.”

As startups que participam do programa de aceleração passam por sessões de mentoria com a CPFL e com a Endeavor.

Os executivos envolvidos no projeto têm a missão de trabalhar como embaixadores das startups dentro da companhia, buscando oportunidades para “dar match” entre as soluções propostas por estas empresas e as necessidades internas. A produtividade nesse sentido está, inclusive, atrelada ao bônus que estes profissionais podem receber no fim do ano.

Ainda é cedo para a empresa definir o futuro do programa, mas a perspectiva é boa. “Vamos fechar este primeiro ciclo e fazer o balanço dos resultados. Por enquanto a ideia é pensar em uma segunda edição”, diz Danilo. Segundo ele, a meta é fazer da CPFL uma plataforma para levar novas empresas e soluções para o mercado de energia que, por ser tão regulado, tem barreiras importantes à entrada de novos players. A compra de participação acionária nas startups que entraram no programa, que não era a ideia inicial, já é algo que passou a ser considerado pela companhia. “Estamos estudando esta possibilidade.”

Danilo conta que, nos dois anos de trabalho para arejar a CPFL, percebeu sim certa resistência à inovação em alguns pontos, mas acredita que isso se diluiu com o engajamento da liderança, que contagia os times. “Quem tem a missão de inovar precisa ser resiliente porque a transformação nunca é simples”, diz. No fim das contas, acredita que o desconforto vale a pena. “Já vejo a inovação ganhar muita força aqui dentro. A meta é que este espírito seja tão forte que, no futuro, não precise de uma pessoa ou área”, conta, afirmando que trabalhar para perder o emprego não é uma ideia tão maluca.

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