Como a tecnologia pode nos ajudar a votar melhor. Conheça algumas das principais iniciativas

Isabela Mena - 14 set 2018
A poucos dias das Eleições 2018, veja maneiras de facilitar a sua vida tanto na hora de votar como, também, na hora de acompanhar o trabalho de quem você elegeu para te representar.
Isabela Mena - 14 set 2018
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Quando o mundo todo ficou sabendo do impacto que robôs tiveram na eleição presidencial americana de 2016, ajudando a disseminar fake news, ficou claro que a tecnologia tinha entrado de vez para a política. Tanto aquela produzida por profissionais de TI altamente especializados quanto a do “usuário comum”, das redes sociais, de quem é amador mas também entende de programação. Se, por um lado, há um temor quanto aos efeitos negativos da tecnologia na vida pública, é bom saber que ela também pode gerar efeitos positivos.

É o que mostram iniciativas como Mudamos, Operação Serenata de Amor, O Iceberg, Voto Legal e Mandato Abertoestas duas últimas do AppCívico. Sem ser financiadas por partidos políticos nem ter “lado”, elas têm  funcionalidades, objetivos e tecnologias diferentes, mas com um ponto em comum: facilitam o exercício da democracia.

Para Marina Barros, coordenadora de projetos no CTS (Centro de Tecnologia e Sociedade) da FGV Rio, think tank para a sociedade da informação e do conhecimento, as iniciativas têm como pano de fundo aproximar a política da sociedade civil, seja pressionando a prestação de contas, seja convidando à participação. “Há um gap na democracia brasileira entre representados e representantes, ou seja, a população não se sente representada pelas pessoas que estão no poder. E alguns desses projetos procuram promover e melhorar esse diálogo por meio da tecnologia.” Marina acredita que é preciso testar ainda mais modelos, ousando nesse campo das iniciativas tecnológicas, mas faz uma ressalva:

“Não se pode prescindir dos mecanismos tradicionais de fiscalização social como conferências e conselhos comunitários. Nem todos têm acesso à tecnologia e é preciso prestar atenção a isso” 

No Brasil já há dezenas de projetos (entre plataformas, apps, ferramentas etc.) que cruzam tecnologia e política. O Draft conversou com representantes de cinco delas para saber como funcionam e como podem ser úteis à população antes, durante e depois das eleições. Faltam 23 dias para o primeiro turno, mas política se faz o ano todo. Ainda mais agora que é só usar o celular. 

Mudamos

É um aplicativo focado em projetos de lei de iniciativa popular, que pode ser baixado gratuitamente e permite ao usuário enviar seu próprio projeto ou assinar os que já estão lá. Iniciativa da área de Democracia e Tecnologia do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), think tank sem fins lucrativos (assim como o app), o embrião do Mudamos surgiu em 2014 — na época, era uma plataforma de discussão de questões de interesse público cujo conteúdo gerava relatórios levados depois ao poder público — e se transformou após o ITS ganhar um desafio de impacto social da Google, pelo qual recebeu 1,5 milhão de reais.

O app foi lançado em março de 2017 e teve 10 mil downloads logo de cara. Segundo Débora Albu, pesquisadora do ITS Rio, foi uma onda viral. “Para nós, foi interessante ver, por meio da tecnologia, o desejo das pessoas de participarem da política e, ao mesmo tempo, um alerta da demanda.”

Hoje, o Mudamos tem 650 mil downloads e está presente em todos os municípios com mais de 100 mil habitantes do país o que, segundo Débora, mostra sua capilaridade. “Isso acontece em função da crise de confiança na política convencional, da necessidade de hackearmos alguns caminhos da democracia.”

Operação Serenata de Amor

É um projeto de fiscalização de gastos públicos que compartilha informações a esse respeito em linguagem acessível. Para tanto, usa inteligência artificial e criatividade: a Rosie é uma bot que analisa os gastos de deputados federais e senadores reembolsados pela Cota para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), identificando itens suspeitos e incentivando a população a questioná-los. Ela tem uma conta própria no Twitter. Já o Jarbas é um site que “traduz” as informações levantadas pela Rosie.

A Operação Serenata de Amor começou em setembro de 2016 por meio de um grupo de amigos brasilienses da área de tecnologia, dentre os quais Pedro Vilanova, que queria participar politicamente do Brasil e gerar impacto. Eles fizeram um crowdfunding para se manter por três meses e desenvolveram a inteligência artificial. Pedro fala:

“Quando o projeto  começou a funcionar, encontrou oito mil reembolsos suspeitos nas bases da Câmara”

E continua: “Fizemos várias denúncias e nos chamaram para explicar como tínhamos feito aquilo. Saímos na TV e até veículos internacionais. Vimos que o trabalho tinha sentido e que daria para continuar fazendo”. Hoje há três pessoas no grupo (que variou em tamanho ao longo do tempo) remuneradas pelos projeto. O dinheiro vem de um financiamento coletivo recorrente no Apoia-se e da Open Knowledge, organização sem fins lucrativos que promove o conhecimento livre. “Nosso interesse não é o lucro mas, sim, que o projeto consiga se sustentar e impactar a maior quantidade de pessoas. Uma das coisas mais legais do Serenata é o fato de ser open source, ou seja, todo mundo pode mexer”, diz Pedro.

O nome Operação Serenata de Amor é inspirado no Caso Toblerone, na Suécia: uma ministra foi flagrada fazendo gastos pessoais no cartão corporativo, inclusive comprando o chocolate. “Nós queríamos dar esse nível de detalhe para a fiscalização das contas públicas. Só abrasileiramos o chocolate.”

O Iceberg

É um site de notícias criado há pouco menos de um mês por um grupo de servidores de carreira (Especialista em Políticas Públicas) no governo do Estado de São Paulo para organizar e fomentar o debate sobre problemas na gestão, que eles acompanham de dentro. Segundo Leandro Salvador, editor de O Iceberg, a ideia é também que jornalistas possam ter ali uma fonte para fazer suas próprias investigações. “Não tem vazamento de dados, não é WikiLeaks. É uma construção crítica sobre gestão pública”. Tanto a parte de conteúdo quanto a tecnológica é feita pelo grupo (que inclui amigos e colegas), dependendo do que cada um saiba ou queira fazer. O site não tem fins lucrativos. “Trabalhamos com isso durante o fim de semana, à noite, varamos a madrugada”, conta Leandro.

O Iceberg tem, ainda, duas funcionalidades: a Calculadora de Afinidade Eleitoral 2018, e o Partidômetro das Eleições pra Deputado, este último lançado há cerca de uma semana. A primeira tem 23 perguntas separadas em áreas como educação, segurança, proteção social, energia e economia para as quais o interessado pode responder “sim”, “não” e “depende”. As respostas são comparadas a posições políticas dos nove principais presidenciáveis e o resultado mostra as porcentagens de afinidade de quem fez o teste com o que pensam os candidatos.  

A Calculadora de Afinidade Eleitoral foi lançada junto com o site, de maneira informal e, em duas horas, o servidor caiu — foram 16 mil acessos. O servidor precisou ter sua capacidade aumentada duas vezes depois disso. “Viralizou de um jeito impressionante, muito acima das nossas expectativas mais altas. Hoje temos milhões de acessos por dia”, diz o editor. Com o sucesso, o grupo vem atualizando as versões da primeira calculadora e incluindo mais informações que possam ser úteis aos eleitores. Lançaram, também, a versão que checa posições políticas do usuário com as de todos os deputados federais nas votações mais polêmicas da atual legislatura. São 16 questões sobre democracia, economia, seguridade social, energia, segurança, educação e transgênicos.

Há outras iniciativas com propostas semelhantes são: Match Eleitoral (da Folha de S.Paulo), Bússola Eleitoral, Tem Meu Voto, Me Representa, Voz Ativa, Appoie e Vota SP.

AppCívico

É uma startup de tecnologia que visa tanto o lucro quanto causar impacto positivo na sociedade. Dessa forma, pode ser considerada um negócio social. O fundador Thiago Rondon diz que a empresa faz projetos de “tecnologia cívica”. “De maneira geral, são tecnologias que empoderam os cidadãos ou tornam governos mais eficazes.”

Seu modelo de negócio é consultoria, atuando em quatro nichos de mercado: terceiro setor, universidades, empresas e governos (neste último apenas como parceria, sem contrato ou receita). Em três anos e meio de vida e com 25 pessoas na equipe, o AppCívico já formulou mais de 35 projetos, entre eles o Mandato Aberto e o Voto Legal — dos quais falaremos logo abaixo. “A inovação está na sociedade civil organizada porque governos são muito cobrados para não errar. Por outro lado, são eles que têm escala, então acreditamos que podemos desenvolver tecnologias cívicas, digitalizando-os”, diz Thiago.

Mandato Aberto é um chatbot, ou seja, um assistente digital que auxilia a comunicação do político com seus seguidores, seja durante campanhas eleitorais (é usado para divulgar campanhas de crowdfunding, compartilhar decisões, mandar mensagens etc) seja depois de eleito (convocar para participação política, compartilhar notícias de sua gestão etc.). Resumindo, o Mandato Aberto é um bot que usa a inteligência artificial para tirar possíveis dúvidas que os eleitores tenham. Pode ser por mensagem de texto ou voz — o robô já interpreta áudio. Está sendo usado por cerca de dez candidatos. “Nosso foco é expandi-lo depois da eleição”, diz Thiago. Durante a campanha eleitoral, paga-se um valor único de 999 reais. Após as eleições, o preço vai ser outro e pago mensalmente.

O Voto Legal, por sua vez, é uma plataforma de crowdfunding para campanhas políticas que, para garantir transparência ao processo, usa a tecnologia blockchain. Ou seja, cada transação é digitalmente assinada e tudo fica registrado no blocos sem possibilidade de adulteração. Foi desenvolvido (e rodou) em 2016, ano da primeira eleição em que empresas foram proibidas de fazer doações para campanhas políticas. No ano seguinte, a lei que permitiu a modalidade fosse incluída na reforma eleitoral. “Em 2017, participamos do debate no TSE e na Câmara e fizemos propostas com relação à digitalização do financiamento”, diz Thiago. E complementa:

“Poder acompanhar praticamente em tempo real as doações aumenta muito o controle social”

Utilizam o Voto Legal os candidatos à presidência Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Marina Silva. Além deles, seis candidatos a governador, sete candidatos ao senado, 47 candidatos a deputado federal, 36 candidatos a deputado estadual e quatro candidatos a deputado distrital (dos mais variados partidos) também. E ainda pode ocorrer a adesão de mais candidatos. Para participar, o candidato paga 297 reais e as taxas administrativas por doação (7,4% se for cartão de crédito 4% com acréscimo de 4 reais se for boleto bancário). O Voto Legal está entre os 20 sites de financiamento coletivo para campanhas eleitorais aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral.

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