Não apenas ser uma marca de seda e acessórios para fumo, mas sim uma voz de ativismo a favor da cannabis no Brasil. Essa é a proposta da Bem Bolado, uma das empresas mais consolidadas desse mercado por aqui.
(Seda, claro, é o papel usado para enrolar tabaco ou outras ervas, à escolha do freguês.)
Fruto de um interesse em comum entre o ex-publicitário Fabricio Penafiel e o quiromante — sim, um profissional que lê mãos para prever o futuro — Marcello de Meneses, a empresa nasceu como ideia em 2010. O primeiro produto chegou ao mercado dois anos depois.
De um negócio que funcionava num quartinho na casa de Fabricio, a Bem Bolado (baseada na Lapa, Zona Oeste de São Paulo) distribui suas linhas de produtos para todo o Brasil e para o exterior. Em 2020, o faturamento cresceu 100%; a previsão para 2021 é ampliar esse número em mais 70%.
Como o uso recreativo da maconha continua sendo ilegal no Brasil, o negócio por aqui é voltado oficialmente para o tabaco. A empresa inclusive vende a linha Original Tabaco, de produtos 100% orgânicos. Fabricio, 46, que além de fundador é o diretor de marketing da Bem Bolado, explica:
“É um mercado em ascensão, vendemos mais de 2 milhões de pacotinhos de seda por mês. O tabaco é uma das coisas que legalizam nosso produto, porque ainda é proibido fumar maconha no Brasil. Nossa corrida é justamente para quebrar esse tabu”
Hoje, a marca vem investindo em campanhas regionais, que já foram disparadas nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Recentemente, lançou uma parceria com o rapper Marcelo D2 (um dos fundadores do grupo Planet Hemp, nos anos 1990, e conhecido defensor da liberação da maconha). A linha Bem Bolado D2 inclui seda nas versões King Size Slim, King Size 1 ¼ — “e ainda a Piteira Super Large, com livreto de redução de danos”, segundo a empresa.
Neste ano, a Bem Bolado vem direcionando seu marketing para a redução de danos na hora de fumar. Uma das apostas foi a chegada por aqui em março do Jilter, filtro desenvolvido na Suíça que promete reduzir danos e gerar uma experiência de fumo mais segura. A Bem Bolado fez uma parceria com a empresa e lançou o filtro Jilter no Brasil.
COM UMA IDEIA NA CABEÇA, QUATRO MALUCOS DERAM INÍCIO À BEM BOLADO
Foi em 2010 que um veterano do mercado publicitário e um especialista em quiromancia decidiram navegar por um segmento ainda praticamente inexplorado no Brasil.
Na época, quem dominava (praticamente sozinha) o mercado da seda era a empresa internacional Smoking, conta Fabricio. Quando resolveram investir na área, ele e o colega Marcello de Meneses já eram usuários de cannabis havia tempo.
Filho de pais perseguidos pelo regime militar que se tornaram hippies nos anos 80, Fabricio começou a atuar numa agência de publicidade do Rio aos 14 anos, por influência do pai, que era amigo do dono da empresa.
“Vim para São Paulo trabalhar numa agência grande e assumi meu lado maluco, maconheiro. Foi super boa para mim a cultura canábica, porque as pessoas no escritório eram muito ‘coxinhas’ e eu servia como uma espécie de escape”
Em 2001, fundou a agência de endomarketing Gota Comunicação. Em alguns anos, porém, percebeu que aquele trabalho não era para ele. “Minha vida virou um inferno, ia acabar tendo um ataque cardíaco. Aí entendi que não tinha como continuar trabalhando no setor de serviços.”
Depois que Marcello trouxe sedas e piteiras de uma viagem à Espanha, a dupla decidiu investir na área. Os dois já eram amigos há uns 15 anos. O ex-publicitário e hoje CEO Thiago Almeida (que na época tinha uma produtora de vídeo) e o atual diretor comercial Renato Lucato — que trabalhava como representante comercial de marcas de surfwear — também entraram como sócios no negócio.
O nome e o logo da empresa — um homem de óculos que aparenta estar tendo uma bela sacada — surgiram em sessões de brainstorming, assim como a ideia de investir na brasilidade como conceito da marca. “Viajo o mundo desde pequeno e sei que o mundo inteiro ama o Brasil”, diz Fabricio.
Trabalhar com produto, explica, também dá muito trabalho.
“É que nem gestação, depois de nove meses o bebê nasce cheio de feridas, chorando. Você precisa limpar a bunda, pagar faculdade, mas, assim como o filho, chega uma hora em que ele ganha vida própria. A Bem Bolado está com quase dez anos. Se eu morrer hoje, nada vai mudar para a empresa.”
SEM DINHEIRO, OS SÓCIOS TIVERAM DE RECORRER AO “PAITROCÍNIO”
Logo de cara, pintou um obstáculo dos grandes. E o dinheiro?
Para abrir as portas, os sócios pretendiam produzir a leva inicial de sedas e piteiras na China, uma das principais fabricantes desses produtos no mundo. Só que, para trazer isso num contêiner, eles precisariam de uns 70 mil reais.
A solução veio através do paitrocínio: Thiago e Renato conseguiram levantar a grana com os pais. “Eram pessoas super caretas, que tiveram que acreditar nessa história maluca de quatro maconheiros”, brinca Fabricio.
Durante os quatro primeiros meses, as caixas ficaram paradas na casa de Fabricio, até a empresa conseguir uma brecha para entrar no mercado. Uma vantagem, diz o diretor de marketing, era a falta de concorrência e o fato de a Smoking praticamente não investir em comunicação.
“A Bem Bolado não é uma empresa de seda. A gente vende lifestyle, constrói branding. Queríamos fazer um selo focado no desenvolvimento de ideias e entendemos que a grande brecha era esse mercado, um mar azul”
Logo de início, os sócios fecharam um acordo: não tirariam dinheiro da empresa durante os primeiros três anos. Para isso, manteriam seus empregos. E, nesse tempo, todo o lucro seria reinvestido no negócio.
“Chegou o terceiro ano, vimos que tinha um dinheirinho e decidimos nos desfazer dos nossos negócios para focar 100% na Bem Bolado. Aí começou a brincadeira. Montamos escritório próprio, contratamos funcionário e viramos uma empresa de verdade.”
ATIVISMO E “MENTALIDADE DE MULTINACIONAL” AJUDARAM A EMPRESA A CRESCER
Em 2017, Marcello deixou a Bem Bolado. Em seu lugar, entrou Fernando Costa, que tinha experiência como gerente nacional de vendas em empresas como Panasonic e Comexport.
Segundo Fabricio, o novo sócio e diretor comercial da marca ajudou a instituir uma “mentalidade de multinacional”. Assim, a empresa estabeleceu 57 distribuidoras exclusivas por todo o Brasil. Hoje, a Bem Bolado não vende os produtos diretamente para pontos de venda, mas para grandes atacados, que, por sua vez, fazem essa distribuição.
Como não existe mercado oficial da cannabis por aqui, o diretor de marketing conta que havia uma incerteza generalizada sobre como abordar o assunto.
“Era uma grande dúvida, se podia ou não podia, se ia ser preso… Sempre andando à beira do precipício.”
Finalmente, em 2016, em meio à ascensão do Instagram e com a marca Bem Bolado consolidada, os sócios tomaram uma decisão: a vocação da empresa era o ativismo.
“Hoje, sem dúvida nenhuma, somos a empresa mais ativista de cannabis no Brasil. Temos muito a perder, mas botamos a cara à tapa, sempre de maneira informativa. Inclusive com advogados para revisar tudo que a gente faz e diz”
Segundo Fabricio, é um ativismo sempre de caráter informativo, levando conhecimentos sobre as propriedades da maconha, o que já é feito lá fora, os possíveis caminhos para a legalização aqui no Brasil… Para isso, a empresa realiza entrevistas com especialistas, ativismo através da história do porta-voz Marcelo D2, posts de conscientização sobre a questão ambiental etc.
A partir dessa decisão, conta, a marca explodiu de vez, passando a crescer uma média de 100% ao ano. Para fazer jus à aposta na brasilidade, a empresa produz tudo que é possível em solo nacional, ainda que gastando mais para isso.
Hoje, são 67 produtos, entre sedas, piteiras, acessórios como isqueiros e dichavadores e até uma linha de roupas. Só sedas e filtros ainda são produzidos na China e na Europa, segundo o sócio, pela falta de maquinário adequado no Brasil; os demais itens são fabricados por aqui, de forma terceirizada.
A empresa, afirma Fabricio, vem investindo na profissionalização, por meio da oferta de cursos e do desenvolvimento de planos de carreira. Atualmente, são 25 colaboradores — todos em home office desde o início da pandemia.
A EMPRESA VEM INVESTINDO EM ROUPAS DA MARCA E NUMA LINHA DE SEDA PREMIUM
Pensando em expandir para o exterior, a Bem Bolado começou a bater ponto, há alguns anos, em feiras internacionais. Em 2019, passou a vender seus produtos para países como Estados Unidos, Argentina, Canadá, Chile e Uruguai.
Hoje, a empresa é licenciada no Brasil por marcas internacionais como a Zippo, de isqueiros, a Lost e a Vibe, ambas de roupas, que fabricam produtos com a logomarca da Bem Bolado e pagam royalties por isso.
Mais recentemente, fechou a parceria com D2, um dos maiores nomes ligados à maconha no Brasil, de forma a levantar ainda mais a bandeira pela legalização; outros projetos ligados ao rapper ainda devem ser lançados, diz Fabricio, que por enquanto afirma não poder dar mais detalhes.
Segundo o fundador da Bem Bolado, o ativismo vem aumentando a identificação do público. “Mais de 20 pessoas já tatuaram nosso logo na pele, o máximo a que uma marca pode chegar.”
Em breve, a Bem Bolado pretende lançar uma linha de sedas premium — feita na cidade de Alcoi, na Espanha, na mesma fábrica que produz marcas internacionais como RAW e Elements, incluídas entre as melhores do mundo, segundo a empresa. “É uma fábrica que existe desde 1753, considerada a mais antiga do mundo. Eles produzem com energia eólica, não usam química em toda a produção. Ela é premium porque todo o processo de produção da seda é sustentável.”
Outra aposta deve ser intensificar o lançamento de roupas e produtos sem ligação direta com o fumo:
“Nosso futuro é esse: ter chinelo, capa de caderno…, tudo com a marca Bem Bolado. O futuro é extrapolar a bolha canábica”
Falando em futuro, Fabricio vislumbra um dia montar uma loja-conceito na Vila Madalena. Hoje, porém, falar de maconha (mesmo na internet) continua sendo arriscado. Não à toa, os perfis da marca são constantemente derrubados nas redes sociais.
Apesar de estarmos atrás na discussão da liberação comparados a nossos vizinhos, o diretor de marketing espera que os avanços na cannabis medicinal ajudem o tema a entrar em pauta na sociedade. Para isso, ele diz que não se pode mais ficar de braços cruzados.
“Se você não tem coragem de dizer que fuma para sua mãe, a pessoa que mais ama, como vai mudar alguma coisa? Acredito que nosso ativismo mune essa molecada de informações. Se cada um deles for capaz de mudar os pais e irmãos, vamos quebrar esses paradigmas.”
A informação é o melhor antídoto contra o tabu. Filipe Vilicic e Anita Krepp comandam a Breeza, uma revista online sobre cannabis e psicodélicos que entrevista artistas como Gilberto Gil e Ney Matogrosso e vem pautando a mídia mainstream.
Usada no tratamento de doenças crônicas, a cannabis medicinal pode ser uma aliada contra problemas mais cotidianos. Saiba como a Humora quer multiplicar o potencial do canabidiol e ganhar o mercado brasileiro com uma solução de bem-estar.
Alguns anos atrás, Andrea Janér resolveu compartilhar suas sacadas durante o festival de inovação SXSW. Dessa experiência nasceu a Oxygen, dedicada à curadoria de conteúdos para consolidar o pensamento crítico estratégico.