Como é ganhar menos, mas só fazer o que gosta? Neide Rigo, apaixonada por PANCs, escolheu essa vida

Maisa Infante - 8 ago 2018
Para ter tempo e qualidade de vida, Neide Rigo escolheu trabalhar somente com coisas que ama, mesmo que isso signifique uma renda menor (foto: Tiago Queiroz).
Maisa Infante - 8 ago 2018
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Neide Rigo, 56, mora com o marido Marcos Nogueira e a cachorra Dendê em uma casa com quintal verdejante e uma cozinha movimentada, onde transforma as plantas, principalmente as PANC (Plantas Alimentícias não Convencionais), em pratos diversos. A casa é também o escritório da autora do blog Come-se, criado em 2006 para organizar e compartilhar suas pesquisas e descobertas sobre plantas e comida. Neide, que tem a vida pessoal e profissional totalmente misturadas, afirma que não tem rotina, mas adora o cotidiano (fora do padrão até para quem faz home office).

Ela diz ter feito essa opção para poder ter mais qualidade de vida, mais tempo e para viver fazendo apenas o que ama: cozinhar, plantar, colher e pesquisar.”Às vezes me programo para fazer algo e, no meio, lembro que preciso lavar a roupa. Aí, paro tudo. Ou então, resolvo testar uma receita, bagunço a cozinha e passo duas horas lavando louça”, diz. Aos poucos, o blog tornou-se uma referência e, assim, ela começou a ser convidada para eventos, palestras, oficinas e workshops. É daí que vem a sua renda. Hoje, Neide vive do conhecimento que adquiriu e que divide com as pessoas nas redes sociais (de graça) e em palestras, cursos, consultorias, eventos e na coluna Nhac!, do jornal O Estado de S.Paulo.

COMO É VIVER DE COMPARTILHAR EXPERIÊNCIAS NA COZINHA

A nutricionista também ministra duas oficinas na cozinha de sua casa: a PANC na City e a Pão na City (o nome é uma referência ao bairro paulistano onde as oficinas acontecem, a City Lapa). “Estava precisando ganhar um dinheiro a mais e tive essa ideia. Já costumava sair para fazer colheitas pela rua, compartilhava no Instagram e as pessoas comentavam, pediam para ir junto comigo. Aí pensei em transformar isso em um trabalho.” Já são mais de 30 edições. A primeira oficina dura seis horas, custa 185 reais e inclui passeio para reconhecer PANCs (como o peixinho e a ora-pro-nóbis e a capuchinha) e almoço com ingredientes colhidos no quintal. Já a segunda tem duração de três horas e os participantes aprendem a fazer um fermento natural e pães variados. Custa 200 reais por pessoa.

A PANC na City é uma oficina que Neide criou e se tornou referência para quem quer entender mais sobre esse universo, com direito a passeio e almoço depois da “colheita” (sim, colhe-se o que parece mato mas é na verdade comestível).

Para Neide, não tem essa de ficar guardando conhecimento. O tempo todo, no seu Instagram, ela posta as experiências realizadas em casa, as colheitas, a rotina no sítio da família, os trabalho na horta comunitária do bairro, os encontros, as refeições.

Por isso, justamente, trabalho e vida pessoal se misturam. Seu escritório é sua casa e seu horário de trabalho é o dia todo. Mesmo quando está na cozinha, fazendo almoço só para ela mesma, Neide está criando pratos e testando ingredientes, experiências que interessam a ela, a seus seguidores e serão úteis nas palestras, oficinas e cursos. Se no meio desse processo vier uma ideia, ela logo coloca em prática:

“Sou péssima para planejar, então, quando penso em algo, vou lá e faço”

A nutricionista não cobra valores fixos pelas oficinas, palestras, eventos e workshops que ministra. Diz que não tem muito controle de quanto trabalho teve em um mês ou ao longo de um ano, mas garante que está realizada com o que faz e com o que ganha. “Dá para pagar as contas. Estou completamente realizada desse jeito”, afirma.

O GOSTO POR ESTUDAR PLANTAS VEM DA INFÂNCIA (E DA REVISTA CARAS)

A paixão pelas plantas e pela culinária começou na infância, na região da Brasilândia, periferia de São Paulo, onde Neide morava e teve contato com vizinhos vindos de diversas cidades e regiões do país, como Piauí, Ceará, Paraná, Goiás e Minas Gerais. Entre uma brincadeira e outra, ela gostava de entrar na cozinha da casa dos amigos para ver o que havia dentro das panelas e o que vinha na mala quando eles chegavam da terra natal. O que era diferente e exótico interessava ainda mais.

Uma vez por ano, o contato era com a terra do sítio dos avós. “Me lembro de chegar e ir direto fazer o reconhecimento do terreno, ver o que estava plantado, quais as frutas da época. O mato, a roça e a cozinha eram o que me interessava”, conta.

Neide ministra palestras e participa de eventos que falem sobre PANC. Acima, o “Comer é PANC”, realizado este ano no Sesc Pompeia e do qual ela foi curadora.

A mão boa da mãe para a cozinha e a curiosidade e sabedoria do pai para reconhecer plantas completam esse pequeno caldeirão de influências que fazem Neide sair por aí caçando e identificando plantas pelas praças, calçadas e canteiros da cidade. Algumas ervas se transformam em refeições na cozinha de sua casa, outras vão para a terra do quintal ou do sítio da família e viram novas mudas.

Mas toda essa bagagem social e familiar veio à tona quando Neide começou a escrever na revista Caras uma coluna sobre ingredientes. Ela já havia se formado nutricionista pela USP (depois de ter começado os cursos de Jornalismo e Artes Plásticas) e estava trabalhando no departamento de nutrição da universidade quando a demanda da publicação chegou. A editora precisava de alguém para fazer revisão, tradução e adaptação da sessão de ingredientes, que já existia na edição argentina da revista. “Já tinha trabalhado em editora e aceitei fazer. Era para ser só uma tradução, mas resolveram produzir conteúdo exclusivo”, conta. E continua:

“Foram 20 anos escrevendo sobre ingredientes: da edição zero até a edição mil da Caras. Isso me deu muita base, pois uma vez por semana tinha que estudar algo novo”

Neste período, ela também trabalhou no Hospital das Clínicas, em cozinha experimental e em consultório de nutrição. Em 2006, criou o Come-se para dar vazão ao conhecimento que não conseguia imprimir nas páginas da revista. “O blog me trouxe visibilidade e trabalhos. A Caras, não. Era uma sessão que ficava um pouco perdida naquele universo. Mas eu não era frustrada por causa disso. Fazia por mim e fui construindo um repertório que me ajuda muito hoje em dia”, diz.

OS “FÃS” FAMOSOS AJUDAM A DIVULGAR A CAUSA DAS PANCS

Neide conta que nomes importantes do cenário gastronômico brasileiro, como Paola Carosella, Helena Rizzo, Bela Gil e Ana Luiza Trajano acompanham seu trabalho e têm nela uma fonte segura de conhecimento. Neide participou de um episódio do programa de Bela Gil, no canal GNT. Já Helena a levou, em 2017, ao programa Encontro, da TV Globo, para falar ao vivo sobre PANCs. Paola, por sua vez, convidou os funcionários de seu restaurante para fazerem a oficina Panc na City. Por fim, Ana Luiza participou de duas oficinas e fala sobre a admiração pela nutricionista: “A Neide é a pessoa que quero ser quando crescer. Ela faz o que acredita, compartilha com todo mundo esse conhecimento e ainda mantém a simplicidade. Queria ser vizinha dela só para conviver mais”.

Diversas espécies de PANC colhidas por Neide em seus passeios.

Neide fala sobre os “fãs famosos”: “Meu contato com essas pessoas foi acontecendo naturalmente. Mas não cultivo essa vaidade. Fico contente quando sai alguma coisa na televisão ou nas revistas porque quero divulgar uma causa”. Ela diz mais:

“Hoje, 90% do que a gente come vem de apenas 20 espécies, sendo que existem 30 mil espécies comestíveis. Precisamos conhecê-las! E se eu posso ajudar nisso, fico contente”

Além de tornar as PANCs mais conhecidas, o objetivo de Neide é simples: ganhar o suficiente para pagar as contas e viver bem fazendo o que gosta. “Até já tive outras propostas de trabalho, mas adoro ficar em casa e não troco isso por nada. Prefiro gastar menos a trabalhar como louca e não ter tempo para nada”, diz. Ter prazer no que faz, e não fazer nada em excesso, é a receita de sucesso, não exatamente convencional, que ela oferece ao mundo. Experimente.

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