Como o Burger King vem usando inteligência artificial para controlar o estoque, reduzir o desperdício e elevar a satisfação dos clientes

Marília Marasciulo - 29 jun 2023
Igor Freitas, vice-presidente de tecnologia da ZAMP, máster-franqueada Burger King e Popeyes no Brasil.
Marília Marasciulo - 29 jun 2023
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Um dos maiores desafios de restaurantes e empresas do setor alimentício é o controle de estoque. O equilíbrio para ter os ingredientes suficientes para que não falte nem sobre nenhum produto é uma sintonia fina que, em geral, envolve tempo, dedicação e dezenas de planilhas. 

Na era da inteligência artificial, isso tudo pode ficar no passado: desde o início deste ano, todas as quase mil lojas do Burger King no Brasil passaram a ter um sistema que automatiza o gerenciamento de estoque.

“O curioso de uma empresa de comida que trabalha com tecnologia é transformá-la de uma forma que seja humana mas também digital”, afirma Igor Freitas, vice-presidente de tecnologia da ZAMP, máster-franqueada Burger King e Popeyes no Brasil.

“Nós queremos que nossos clientes possam consumir nossos sanduíches no momento que tenham fome. Para isso, temos que conseguir embarcar o cliente e conquistá-lo para além de ofertas e preços adequados, mas fidelizando. E gerar esse ecossistema hoje não é possível sem o digital”

Batizada Sentinella, a IA do Burger King nasceu no contexto de transformação digital da marca, que vem se posicionando como uma foodtech. 

A partir principalmente de 2020, em parte buscando novas formas de encantar o consumidor e se recuperar da queda de 13,3% na receita operacional causada pela pandemia de Covid-19, a empresa investiu pesado em tecnologia: lançou um app para a marca Popeyes, passou a permitir pedidos através de um delivery próprio do BK e, em 2021, lançou um clube direcionado aos heavy users que, além de receberem descontos especiais, utiliza os dados coletados para hiper-personalizar ainda mais o relacionamento da empresa com os consumidores (contamos esta história aqui). 

O Sentinella, por sua vez, foi desenvolvido ao longo de 2022. “Por que a criação do Sentinella foi possível em apenas um ano? Porque já tínhamos informações de vendas, tudo digitalizado dentro do data lake [repositório de dados brutos]”, explica Igor. 

“No final de 2021 e 2022, uma das frentes de trabalho foi identificar o cliente, começar a reconhecê-lo para saber o comportamento e poder gerar personalização na comunicação e no programa de fidelidade. O data lake surgiu para personalização e fidelização. Então o primeiro grande passo foi ter essas informações de venda e do cliente dentro do lake.”

CONVENCER GERENTES A CONFIAREM NA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL FOI UM DOS DESAFIOS DO PROJETO

Com os dados sobre as vendas nas mãos, a empresa contratou uma terceirizada para o desenvolvimento de um modelo que identificasse os padrões e as variáveis usando machine learning.

“Nós usamos todo o contexto de vendas e CRM e damos dicas para o nosso gerente. Identificamos o número ótimo tanto para não ter ruptura [quando falta ingrediente] quanto para não ter obsolescência [quando sobra]”, diz Igor. “É uma maneira proativa de, através da inteligência artificial, indicar para o gerente de negócios o que ele vai pedir. Ela tem um nível de assertividade bacana, próximo do ideal do que deve pedir para a semana, e traz um pouco mais de tranquilidade para o gerente.”

No início, porém, foi preciso encarar dois desafios, ambos relacionados aos humanos. O primeiro foi garantir a capacitação dos 16 mil funcionários das lojas para usar o data lake, sem o qual a IA não funcionaria. O segundo, lidar com a aceitação dos gerentes. Igor explica:

“As pessoas se acostumam a determinadas logísticas. Na cabeça do gerente, ele também tem uma inteligência, e se pergunta se pode confiar na IA. Mas nós precisávamos testar o modelo e torná-lo real, para que ele pudesse ser retroalimentado pela visão do gerente”

Para o primeiro problema, a solução encontrada foi uma trilha de treinamento chamada “unboxing lake”, disponibilizada para todos os funcionários. Já o segundo foi superado assim que o Sentinella começou a ser usado, segundo Igor:

“Ao contrário de ele se assustar e ter medo da IA, a recepção foi positiva, porque é menos uma atividade para executar no dia. Sobra mais tempo para participar da dinâmica da loja”, pontua, destacando que há dezenas de itens de cada loja que requerem controle de estoque, dos produtos de limpeza ao alface. 

A OTIMIZAÇÃO DO CONTROLE DE ESTOQUE ESTÁ ALINHADA, SEGUNDO A COMPANHIA, COM SEUS COMPROMISSOS DE ESG

Desde a implantação, houve uma evolução de 40% na adesão dos gerentes às sugestões da IA, segundo dados do Burger King. Mais de 30 mil pedidos já foram feitos usando o Sentinella, reduzindo em 20% a indisponibilidade de produtos nos restaurantes e melhorando em 53% a experiência do usuário. 

O desperdício, por sua vez, foi reduzido em 20%. Segundo Igor:

“Como o sistema é baseado em machine learning, a engine se aperfeiçoou consideravelmente desde sua implementação. Atualmente, é possível dizer que 60% das sugestões apresentadas já tiveram aperfeiçoamento pela IA desenvolvida, o que significa que a taxa de desperdício tende a ser cada vez menor com tendência de alcançar a meta de zero waste em pouco tempo”

Além de impactar na rotina das lojas, o Sentinella auxilia o controle de estoque nos centros de distribuição e se alinha a um dos compromissos de ESG da empresa de remover conservantes artificiais dos produtos — hoje, quase 90% dos produtos não possuem corantes nem conservantes. 

Para isso, a logística nos quatro centros de distribuição também requer atenção. Um pão de hambúrguer, por exemplo, que antes das mudanças durava dez dias, agora tem validade de apenas três. 

“O Sentinella ajuda não só na visão da loja, mas também sobre o quanto precisamos ter em cada centro de distribuição, trazendo mais informações para quem está neles”

Para o futuro, segundo Igor, a rede planeja seguir investindo em tecnologia — entre os projetos, estão a ampliação do clube de fidelidade, aumentar as parcerias com outras marcas, evoluir no uso de inteligência artificial de voz e apostar cada vez mais no processamento em nuvem para viabilizar a escalabilidade dos padrões tecnológicos. 

 “Do ponto de vista de tecnologia, tem várias coisas que podemos fazer para manter a marca atualizada. O digital para a gente está no todo: nos colaboradores, no cliente interno e externo.”

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