Como os fundadores do Farofa.la mudaram a rota da empresa, mais de uma vez, até encontrarem o sucesso

Daniela Paiva - 13 jan 2015
André Melman e Mikael Linder com os snacks do Farofa.la.
Daniela Paiva - 13 jan 2015
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Às vezes, quando bate aquela ideia para um negócio, a primeira impressão é de se ter encontrado a receita perfeita. Coisa de gênio mesmo. “Sim, eu sou o máximo, e a minha ideia é incrível. Como ninguém pensou nisso antes?”, acredita o novo rei do pedaço. O empreendedor mais atento, porém, sabe que será preciso testar, ajeitar, corrigir e remodelar até chegar à fórmula do sucesso. Talvez esta seja a maior lição do Farofa.la, hoje uma empresa que desenvolve snacks sob a seguinte filosofia: todos os produtos estão livres de conservantes, corantes, adoçante e aromas artificiais. Açúcar refinado e gordura hidrogenada também são vetados.

Eles entregam petiscos e salgados próprios para o café da manhã ou o lanche da tarde, mas que também funcionam muito bem como belisquetes para uma reunião com os amigos. No cardápio estão os Top Nachos, feitos apenas de milho orgânico; os Palitinhos Crunchy & Salty, que são grissinis de trigo (também orgânico) temperados com azeitona e cúrcuma, e o sugestivo Mix Digestivo Detox, de chips de abacaxi, mamão e cranberries.

Tudo assim, meio zen, meio natureba, mas bem gostoso. Agradável para quem não dispensa sabor. Os produtos são vendidos em caixas chamadas “snackbox”, entregues em casa, no escritório, em qualquer lugar do país. Pelo site, você tem a opção de adquiri-los de duas formas: caixas avulsas, com valores que variam de 64 a 249 reais, ou via uma assinatura mensal de 59,90 reais.

Snackbox do Farofa.la, com produtos sem corantes nem conservantes, como os Palitinhos Crunchy & Salty.

Snackbox do Farofa.la, que pode ser entregue na casa do cliente todos os meses, com o pagamento de uma assinatura.

Este, aliás, é um dos segredos do bom desempenho da empresa. Menos de seis meses após o lançamento do modelo de pagamento mensal, o Farofa.la conquistou cerca de 400 assinantes. Os clientes recebem, todo mês, uma caixa com cinco snacks de sua preferência. A meta, segundo André Melman, 40, idealizador do Farofa.la, é chegar a 10 mil caixas de snacks entregues mensalmente em dezembro deste ano. Uma novidade recente é a entrada dos produtos no varejo, em lojas do Rio (Mundo Verde) e de São Paulo (Biopadaria Wheat, Café Velo Vert, YogaFlow). E há planos de expansão para pontos de venda em outros estados para breve.

Atualmente, o site acumula cerca de oito mil visitas por mês. Até a conclusão desta reportagem, as contas de 2014 ainda não estavam fechadas, mas a previsão de faturamento para 2015 é de 2 milhões de reais.

SEM PUDOR DE REVER O MODELO DE NEGÓCIO

Em maio de 2013, quando o Farofa.la entrou no ar, o foco era bem diferente. O site foi inicialmente bolado com o objetivo de se tornar um hub para oficinas e diversas atividades ligadas à produção e consumo de alimentos naturais e artesanais.

Pelo endereço eletrônico seria possível, por exemplo, participar de uma oficina de pizzas orgânicas ou passar um dia em um eco-sítio colhendo hortaliças e preparando um churrasco de peixe como se estivesse em uma autêntica piracaia amazonense. Cada atividade era selecionada e teria como princípio fabricação caseira, cultura orgânica e excelência em qualidade.

Em resumo, chefs, produtores e usuários conectados em um espaço de luxo virtual. A ideia era boa, coerente com o boom da gastronomia no Brasil e no mundo. Tinha, até mesmo, tudo a ver com a “gourmetização” do ato de comer. Porém, em cinco meses de operação os resultados não chegaram. Era preciso abandonar a receita e criar uma nova, algo que André estava mais do que acostumado a fazer na vida pessoal. Filho de engenheiro, ele seguiu os passos do pai na faculdade. Formou-se em engenharia civil pela USP em 1996.

“Eu não tinha clareza das minhas paixões, nem do meu futuro profissional”, conta. “A engenharia entrou como uma possibilidade de abrir trabalho em empresas e construtoras, e também como uma boa base para ser empreendedor mais à frente.”

Com o canudo de engenheiro, ele decidiu cursar pós-graduação em negócios e finanças na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Estados Unidos. “Queria entender melhor o mundo dos negócios, das decisões corporativas estratégicas. Saber como uma startup se tornava uma multinacional”, diz.

QUANDO O SEU CORPO TE FAZ MUDAR DE VIDA

A carreira no setor financeiro decolou um ano depois, quando André começou a trabalhar com fusões e aquisições em bancos. Com menos de 30 anos, ele alcançou o status de “associate” do então Credit Suisse First Boston Garantia. Alto escalão, terno, gravata. Essa fase duraria de 1997 a 2004. No entanto, no meio do caminho havia uma alergia.

Em 2000, André foi acometido por uma reação alérgica que se alastrou pelo corpo inteiro, formando bolhas e placas de pus dos pés à cabeça. Começou a saga de médicos, que não encontravam explicações ou maneiras eficazes de combater o mal. André sofreu até com o bullying dos coleguinhas engravatados, que lhe apelidaram de “alergia”. Ele conta:

“Era como se eu tivesse uma crosta, uma capa que não era a minha. Sabe quando cobra troca de pele? De certa forma, eu estava trocando de pele”

Depois de passar por vários tratamentos sem sucesso, André resolveu seguir as dicas de uma nutricionista. Mudou seus hábitos alimentares e buscou formas alternativas de cuidar do corpo e da alma. Fez terapia. Passou a cuidar seriamente da alimentação.

Nessa fase, descobriu uma espécie de cooperativa que entregava em casa cestas só com alimentos orgânicos. “Eu nem sabia o que era isso”, diverte-se. Um detalhe curioso começou a chamar a atenção: a cesta trazia historinhas. Se faltava milho, lá vinha a justificativa: o clima atrapalhou, veio uma praga na plantação, e por aí vai. “Aquilo começou a me fascinar”, diz.

Os sócios e parte da equipe Farofa.la em um evento no MIS.

Os sócios e parte da equipe Farofa.la em um evento no MIS, com degustação dos produtos orgânicos e sem conservantes da empresa.

A partir daí, tudo passou a fazer mais sentido. De família judaica acostumada a eventos semanais às sextas-feiras em volta da boa mesa, André passou a cozinhar para si e para os amigos e tornou-se leitor assíduo de rótulos dos produto, evitando o consumo de conservantes, corantes, etc — o que serviria de base para o Farofa.la.

Cada vez mais imerso no universo da alimentação saudável, em 2003 André passou três semanas na Ecovila da Fundação Findhorn, um centro holístico no norte da Escócia conhecido mundialmente pela linha de pensamento e desenvolvimento autossustentável. “Trabalhei na marcenaria e pintei casas, participei de encontros diários em grupo para desenvolvimento de formas de expressão e percepções das relações e do mundo à minha volta. Foram semanas intensas”, conta.

Não tardou muito para ele refazer a rota de sua vida. Largou os bancos e decidiu estudar Psicologia. Depois de um ano, foi seduzido por um amigo e acabou retornando ao mundo do terno e da gravata para trabalhar em uma empresa de transição de carreira de executivos, a multinacional DBM.

Claro, a estrada por ali não duraria muito. Dois anos depois, em 2005, ele juntaria as economias para embarcar em uma viagem para a Índia — sem passagem de volta. Por lá, vivenciou o dia a dia dos ashrams, depois seguiu para Israel, onde trabalhou em uma fazenda orgânica, e também se juntou à equipe de uma escola de yoga na Grécia.

“Eu estava com 30 anos e não tinha mais nenhuma vontade de trabalhar em uma grande empresa e ganhar dinheiro como quando era mais novo. Viajei para me conectar com o meu propósito nessa nova fase da vida, daqui até os 70 anos, e entender o que queria compartilhar, ensinar, oferecer”

Em 2007, André retornou ao Brasil com uma certeza: abriria um negócio ligado à alimentação. Começou a escrever o projeto que seria o embrião do Farofa.la. Ele enviou suas ideias para a Artemisia, e teve início uma relação intensa com a organização e os empreendedores que visavam a criação de negócios em prol da sociedade. “Encontrei minha tribo”, diz ele, que chegou a ser consultor da organização.

No ano seguinte, em 2008, fez um curso de empreendedorismo na Schumacher College, na Inglaterra, que está na vanguarda do debate entre ecologia, sustentabilidade e economia. A partir daí, começou a atuar como consultor independente, época em que foi para o Egito visitar a Sekem, referência mundial em cultura sustentável e na qual co-produziu o documentário “Eu Maior” (2013), sobre autoconhecimento. Encerraria a carreira em 2013.

“O chamado para empreender foi muito forte. Queria aprender fazendo, sentir na pele tudo isso”

Era hora de transformar tudo em uma nutritiva farofa, com o perdão do trocadilho. A primeira fase da empresa teve investimento zero, já que o site foi lançado com a ajuda de um desenvolvedor amigo e André era o único funcionário do que, à época, era um market place de oficinas e experiências ligadas à gastronomia.

Quando ele já notava a necessidade de corrigir a rota do negócio, devido à baixa adesão de compradores das tais experiências, André esbarrou no catarinense Mikael Linder, 35, na festa de aniversário de um amigo em comum. Conversaram quatro horas sem parar.

ENCONTRAR O PARCEIRO, AJUSTAR O RUMO MAIS UMA VEZ

Mika (como é conhecido) tinha uma relação um pouco diferente com comida, mas não menos intensa. Neto de um produtor rural do interior de Santa Catarina e dono de armazém, cresceu entre queijos, temperos, gado e mato. O avô fazia questão de lhe contar detalhes sobre a origem dos produtos.

Mika, o sócio que entrou no business e completou o cardápio para fazer a empresa deslanchar (foto: arquivo pessoal).

Mika, o sócio que entrou no business e completou o cardápio para fazer a empresa deslanchar (foto: arquivo pessoal).

Mika cursou direito, como seu pai, e fez pós-graduação em administração e direito ambiental. Em 2006 foi para a Itália fazer um MBA em desenvolvimento local, com o objetivo de trabalhar nas Nações Unidas com agricultura sustentável. “Queria entender porque os alimentos eram produzidos de uma certa maneira em alguns lugares, e como isso se tornava uma cultura”, conta.

De volta em 2008, começou a atuar como consultor em desenvolvimento local e sustentabilidade. Quando conheceu André no aniversário daquele amigo em comum, estava tocando sozinho o GastronomicaDOC, um projeto que já tinha consumido um carro, mas que patinava para decolar. Uma das ideias dele (comercializar produtos artesanais) seria transportada para a segunda fase do Farofa.la – agora que Mika tornara-se sócio de André. Para esta etapa, a dupla convenceu cinco empresários a investirem 100 mil reais no novo negócio, valor usado como capital de giro.

Então, o ritmo acelerou. A dupla viajou o Brasil em busca de produtos que, segundo eles, tivessem, acima de tudo, “paixão e alma”. Relataram as histórias em um blog no site, como a do casal que teve a ideia de montar uma cervejaria artesanal no interior de Minas depois de ouvir um programa de rádio.

O Farofa.la já dava um gostinho de bom retorno ao sócios. A nova etapa estreitou as relações dos empreendedores com parceiros e fornecedores. Tanto que, em junho de 2014, eles convenceram uma nova leva de amigos-investidores a fazerem uma nova injeção financeira — dessa vez, no valor de 500 mil reais — para que a empresa afinasse ainda mais sua vocação e rumo.

Foi assim que surgiram os Top Nachos, Palitinhos Crunchy & Salty, o Mix Digestivo Detox, entre outros produtos desenvolvidos em parcerias e com a transparência como item a mais dentre aqueles da receita – sem conservante, sem corante, etc. Tudo isso está nas embalagens translúcida e no rótulo, que esmiúça origem, história e ideia de cada produto.

A farofa está bem nutrida, e os sócios se preparam para um novo aporte entre março e abril, visando atingir o break-even da operação em 2016. E a alergia de André? Sarou de vez? Ele diz que sempre que precisa daquele alerta de revisão na trajetória, a maldita (bendita?) ataca novamente. Por enquanto, porém, a direção parece mais do que acertada.

draft card FAROFALA

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