Você já provou “carne de caju”? Como uma música de Alceu Valença inspirou a criação da Amazonika Mundi, marca de proteína vegetal

Dani Rosolen - 11 mar 2024
Os irmãos Bruno (à esq.) e Thiago Rosolem, fundadores da Amazonika Mundi.
Dani Rosolen - 11 mar 2024
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Cantor, compositor e instrumentista (além de comandante de um megabloco de Carnaval em São Paulo), o pernambucano Alceu Valença agora pode desfrutar de mais um título: fonte de inspiração para o empreendedorismo plant-based.

“Tropicana”, sucesso de Alceu — com melodia de Vicente Barreto — lançado no disco Cavalo de Pau, de 1982, inspirou a criação da Amazonika Mundi, que usa a fibra do caju como matéria-prima de hambúrgueres e almôndegas.

Moradores de Niterói (RJ), os irmãos, Bruno, 44, e Thiago Rosolem, 40 (sem parentesco com a autora deste texto) estão à frente da empresa. Em 2018, eles já empreendiam no ramo com outra marca, Sotile, que vendia hambúrgueres e bolinhos de falafel e à base de quinoa, quibes de abóbora e berinjela. Mas estavam em busca de um insumo genuinamente brasileiro. A dúvida era: qual?

Bruno relembra o momento da epifania:

“A gente estava inicialmente pesquisando alternativas saudáveis como carne de jaca, mas não fazia sentido por não ser uma fruta nativa… Então, o Bruno ouviu a música do Alceu Valença e tivemos este estalo”

O estalo, no caso, veio graças àquele verso de “Tropicana”, que diz assim: “pele macia, ai carne de caju…”.

Com a fruta na cabeça, os irmãos mergulharam no assunto e descobriram que a Embrapa tinha uma pesquisa de 1987 sobre o bagaço de caju. Entraram em contato com a organização e firmaram um contrato de pesquisa.

UMA VIAGEM À AMAZÔNIA A CONVITE DA EMBRAPA EMBASOU O DESENVOLVIMENTO DA MARCA

Enquanto realizavam as pesquisas em parceria com a Embrapa do Rio de Janeiro, Bruno e Thiago foram convidados pela organização para visitar outras regiões do Brasil.

E em uma viagem à Amazônia, tiveram a certeza de que deveriam usar os ingredientes locais. “Decidimos substituir os temperos que a gente já usava nos nosso produtos e nos novos, à base de fibra de caju, por ingredientes da floresta para nacionalizar cada vez mais a nossa proposta”, explica.

Bruno prossegue:

“Então, se antes a gente comprava extrato de beterraba para dar aquela cor de sangue à carne, a ideia seria usar o extrato de açaí. E fazer outras substituições ou adições, usando pimentas indígenas, óleo de patauá, feijão-manteiguinha de Santarém etc.”

Foram dois anos de laboratório até chegar à fibra de caju ideal para produzir as proteínas da marca, que em 2020 foi relançada com o nome de Amazonika Mundi, uma referência aos temperos amazônicos que também entram na composição (já o caju tem sua origem no Nordeste; a fibra utilizada pela empresa vem do Ceará).

O Amazonika Burguer, feito com fibra de caju, pimenta assîsi e extrato de açaí.

Desde a fundação, Bruno calcula que ele e o irmão investiram mais de 10 milhões de reais no negócio. Logo no começo, conseguiram dos sócios-investidores, Cello Camolese (criador da Devassa) e George Braile (fundador da Greenpeople e da Juçaí). Em 2023, captaram um aporte com ex-executivos da XP e da Avenue, e tentarão uma nova rodada neste ano.

COMO A EMPRESA PROMOVE A SUSTENTABILIDADE E FORTALECE COMUNIDADES INDÍGENAS E RIBEIRINHAS

A fibra do caju atualmente é utilizada como uma espécie de ligante no hambúrguer da Amazonika Mundi, conferindo consistência ao disco e atuando ainda, segundo Bruno, como um regulador da flora intestinal.

Além da saúde e da brasilidade, outros pilares propagados pela Amazonika Mundi são a sustentabilidade e o estímulo à bioeconomia:

“Todo ano, no Brasil, 900 mil toneladas de caju são jogadas fora. Nosso projeto ajuda a evitar esses desperdício ao mesmo tempo em que promove a cajucultura no país, que já foi o primeiro produtor mundial — e hoje é o nono”

Segundo Bruno, o caju deveria estar sendo vendido, atualmente, a 60 centavos a unidade, mas costuma ser comercializado abaixo desse preço, a 40 centavos. A Amazonika Mundi, ainda de acordo com o empreendedor, optou por pagar 1 real pela fruta descartada.

A empresa ainda se propõe a fortalecer as comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia, comprando os ingredientes da floresta diretamente deles por meio do Selo Origens, rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação, com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promovendo o comércio ético.

A venda de pimenta indígena assîsî para a marca, por exemplo, impacta 87 famílias produtoras e ajuda na conservação de 3,97 milhões de hectares de área na Terra Indígena Trombetas/Mapuera. Já a do óleo de sacha-inchi, impacta 500 famílias em 750 hectares de área conservada e certificada orgânica.

A AMAZONIKA MUNDI SEGUE UMA PROPOSTA CLEAN LABEL, COM RÓTULOS “SEM SOPA DE LETRINHAS”

Hoje, três produtos da marca são feitos com fibra de caju: o hambúrguer e a almôndega (com pimenta assîsi e extrato de açaí) e o siriju (versão plant based do bolinho de siri, com óleo de sacha inchi e farinha d’água de Bragança). Enquanto nos dois primeiros o bagaço de caju serve como liga, no siriju ele é 75% de sua composição.

A marca, afirma Bruno, é clean label, ou seja, sem aquelas substâncias artificiais que o consumidor vê no rótulo e fica sem entender.

“Nós fabricamos aqui em Niterói 100% dos nosso produtos, com uma composição livre de sopa de letrinhas, de elementos da tabela periódica”

E quanto ao nível de proteínas que esses alimentos oferecem? Segundo Bruno, o hambúrguer da Amazonika Mundi, por exemplo, tem 24 gramas de proteína, enquanto um de fraldinha, ainda de acordo com ele, varia de 17 a 20 gramas.

Siriju, o bolinho de “siri” feito com fibra de caju

O portfólio tem ainda outros cinco produtos sem fibra de caju, mas que levam especiarias amazônicas. É o caso do falafel com óleo de patauá e do hambúrguer de quinoa (com tucupi preto).

O foco da Amazonika Mundi é o varejo, embora a empresa venda também para o food service e distribuidoras. Hoje, os produtos estão presentes em 15 estados e 3 mil pontos de venda, incluindo as rede Oba Hortifruti e Pão de Açúcar. Nas gôndolas, o preço da caixinha com dois hambúrgueres varia entre 15 e 22 reais.

EM PARCERIA COM A AMBEV, ELES ESTUDAM PRODUZIR PROTEÍNA VEGETAL COM MALTE DESCARTADO

Ainda neste ano, a marca pretende começar a comercializar a fibra de caju para usos culinários variados, e também uma versão “carne moída”.

Outro plano é lançar um leite vegetal de castanha de caju e uma tirinha de proteína vegetal com o ingrediente — uma espécie de nuggets que fará parte de uma linha infantil em homenagem ao folclore brasileiro.

A proposta da tirinha foi apresentada em 2023 no desafio “O Grande Redesenho de Alimentos”, da Fundação Ellen MacArthur, com o objetivo de mobilizar a indústria a criar alimentos que ajudem a natureza a prosperar.

“Esse produto já estava praticamente pronto e levava na composição cogumelo yanomami. Mas devido a tudo que está acontecendo com os indígenas, tivemos que parar a pesquisa para revisitar a receita — e não parecer que estávamos tentando explorar esse momento ruim”

A empresa está envolvida ainda em outras frentes de pesquisa: o desenvolvimento de uma proteína de ervilha vegetal, em parceria com a UFRJ; a criação de uma proteína vegetal com malte descartado (em parceria com a Ambev); e estudos de cultivo de carne em laboratório, numa parceria com a Embrapa em Concórdia (SC).

Por enquanto, não há pressa em internacionalizar a marca. “Estamos num ‘namoro’ com a Whole Foods, que nos procurou em março e novembro do ano passado”, diz Bruno. “Para a gente faz sentido estar lá, mas queremos entrar direito no mercado norte-americano, então estamos fazendo tudo devagar e com calma.”

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