De blogueira a empreendedora: com o Moda pé no chão, ela busca desenvolver o autoconhecimento feminino

Maisa Infante - 26 dez 2018
Ana Soares começou um blog por diversão e, depois de dez anos, o que era brincadeira virou o negócio Moda pé no chão.
Maisa Infante - 26 dez 2018
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Foi em um dia de ociosidade no trabalho que a designer Ana Soares, 39, começou a vida de blogueira de moda. Isso em 2008, quando os blogs estavam em plena ascensão. Para se divertir, uma colega de trabalho criou o Hoje eu vou assim off, uma brincadeira com o Hoje eu vou assim, da publicitária Cris Guerra, que mostrava looks do dia com marcas famosas. Na versão off, a ideia era mostrar os modelitos de quem não tinha grana pra comprar aquelas roupas. Ana se empolgou tanto com a ideia da colega que, quando todo mundo cansou da brincadeira, ela continuou sozinha e, hoje, dez anos depois, o Hoje Vou Assim OFF virou o Moda pé no chão, site, consultoria e workshops sobre o tema.

O que começou como blog com dicas de compras baratas se transformou em um negócio que ajuda mulheres a renovarem a autoestima, se conhecerem melhor e se sentirem empoderadas para viver a vida que desejam. Esse foi, também, o caminho que Ana trilhou ao longo dessa última década, desde que a colega (que hoje é cerimonialista) criou o primeiro blog. “Esse trabalho me transformou como mulher e mostrou a minha capacidade de me reinventar o tempo inteiro e ver que posso fazer as coisas do jeito que eu quiser”, diz ela.

Os workshops são importantes para levar o conteúdo que Ana cria do online para o offline.

A história do Moda pé no chão se mistura muito com a descoberta de Ana do que ela queria fazer da vida. Graduada em Desenho Industrial, ela trabalhou por 15 anos em escritórios e agências do Rio de Janeiro. Quando o Hoje Vou Assim OFF surgiu, ela começou a dividir o tempo de trabalho com o blog.

Até então, era uma diversão e uma forma de compartilhar as experiências de moda e consumo com outras pessoas. Com o crescimento do acesso, ela percebeu que estava falando sobre um tema que despertava interesse. “As pessoas estavam querendo uma referência de moda acessível. E era isso que eu fazia.”

QUANDO MUDAR DE CARREIRA É UM AMADURECIMENTO NATURAL

Ana seguia fotografando os looks montados com peças de brechós e lojas populares e dividindo as próprias experiências de compra e criatividade quando um amigo alertou: “Você sabe que é uma consultora de estilo nata”. Ela conta que foi olhar o que já tinha feito e se deu conta de que seu trabalho não se tratava apenas de postagens de look do dia, mas de reflexões sobre consumo, moda, estilo e o valor das coisas a partir das suas próprias referências — muito diferente do que se via em blogs de moda.

Ela fala mais a respeito: “Minha família morou durante 13 anos em uma casa emprestada em uma subida de favela na Zona Norte do Rio. Nunca tive mesada e minhas roupas eram sempre doações de alguém da família que tinha enjoado. Estudei com bolsa de estudos. Então, eu olhava as referências de um mundo muito diferente do meu, mas me virava com os bazares e brechós”. E continua: “O blog mostrava a possibilidade de não depender de marcas nem precisar comprar roupas toda semana em uma época das blogueiras falando para comprar desenfreadamente”.

A vida de blogueira já tinha quatro anos quando o amigo a fez refletir sobre a carreira. “Ele não falou isso apenas porque eu gostava de roupa, sabia me vestir e fazia combinações inusitadas, mas porque eu tinha esse olhar diferente sobre o consumo e as escolhas. Foi quando eu pensei: quero ajudar as pessoas nisso”, lembra Ana. Além da vontade de ajudar outras mulheres, ela tinha um desejo interno de mudar e percebeu que sentia mais prazer em escrever para o blog do que trabalhar como designer.

Começou, então, o que considera um período de transição entre as duas carreiras, que durou quatro anos — de 2012 a 2016 — e incluiu deixar as agências para atuar de forma independente, mas ainda como designer. Aos poucos, ela foi ficando com menos clientes até se desligar do último:

“Fiquei quase dez anos amadurecendo a ideia de que meu rumo profissional envolvia mostrar que a moda não é uma coisa só para quem tem estilo e dinheiro”

Ela tinha tanta convicção no que fazia que, quando atendeu a primeira cliente como consultora de estilo, não houve o nervosismo da primeira vez, mas segurança. “Nunca me senti tão confiante na vida profissional como naquele dia. Foi mais uma ficha que caiu”, afirma.

E como confiança gera confiança, o blog se tornou um canal de troca muito rico e importante para dar seguimento à nova carreira. Sem dinheiro para fazer uma especialização, ela seguiu a ideia de uma das leitoras de criar workshops sobre os temas abordados no blog.

Foi um sucesso e, com a grana de cinco workshops que aconteceram no Rio de Janeiro e em Niterói, ela pagou o seu segundo curso de formação. E seguiu assim, trabalhando, se capacitando, compartilhando e oferecendo um olhar mais empático para as mulheres.

COMO CRIAR UM MODELO PARA SER INDEPENDENTE DAS MARCAS

Ana não fez nenhum investimento para dar início ao próprio negócio. Começou apenas com trabalho e, hoje, o faturamento está na casa dos 25 mil reais mensais. No começo, como era comum nos blogs, ela trabalhava com anúncios de marcas e fez grandes parcerias. Hoje, esse não é mais o foco. Ela quer se desvincular do viés de blogueira para não depender mais de publicidade e decidiu focar os serviços em cursos e workshops, uma forma de levar o conteúdo do online para o offline.

A análise cromática, uma expertise de Ana, é usada como ferramenta para dar mais confiança às mulheres com as consultorias do Moda pé no chão.

O “Conheça suas Cores”, por exemplo, é um desdobramento da consultoria individual e um jeito de oferecer esse trabalho para mais pessoas. Tem duração de quatro horas e custa 500 reais (no Rio de Janeiro) e 550 reais (nas outras cidades do país). Em um ano e meio, ela atendeu 600 mulheres no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Brasília, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Campinas, Belo Horizonte e Goiânia. A versão online custa 380 reais.

O curso de formação para consultoras que está desenvolvendo será mais longo, com 50 horas de duração, dez vagas disponíveis e preço ainda não definido. A ideia é levar, para a consultoria de estilo, um olhar mais empático e não focado apenas na roupa.

Ela também oferece uma formação em análise cromática para consultoras (1.500 reais, com 16 horas de aula). Além desses cursos, Ana desenvolve todo o conteúdo do site, que é gratuito e mudou apenas recentemente o nome de Hoje Vou Assim OFF para Moda pé no chão.

“O blog era uma brincadeira a partir de outro blog e começou a não fazer mais sentido. Já o nome atual traz a missão que eu tenho, que é a partir da moda para falar de outros assuntos, como autoconhecimento, empreendedorismo, consumo consciente”, conta.

O processo para apresentar ao mercado o novo nome foi feito devagar, incorporando a hashtag #modapenochao nas redes sociais, lançando um podcast com esse nome e o colocando em evidência no blog e no site. “Sinto como se o ciclo tivesse finalmente fechado.”

COM A CONTA NO NEGATIVO, ELA USOU A CRIATIVIDADE

Sem meias palavras, Ana não tem vergonha de dizer que se considera uma pessoa bem sucedida:

“Tenho o privilégio de poder viver do que amo e acredito, pagar minhas contas com isso, fazer coisas que eu não imaginava e ainda fazer a diferença na vida de muita gente”

Ela questiona o fato das pessoas terem medo de se colocarem como bons profissionais, achando que é falta de humildade, principalmente quando se trata de mulheres. “Não tem nada a ver com falta de humildade. Tem, sim, a ver com colocarem mulheres em uma caixinha de que elas não podem bater no peito e falar eu me garanto, não dependo de ninguém e sou boa no que eu faço. Gosto de me colocar assim, sou muito boa no que eu faço, então, eu vou arriscar”, afirma.

Esta segurança toda não quer dizer que o caminho para empreender foi tranquilo. Houve, sim, momentos de desespero, principalmente quando não havia dinheiro. “Quando vi a a minha conta bancária zerada, achei que não ia dar certo. Meu pai e minha avó tinham morrido e todo o meu dinheiro usei para pagar o enterro deles. Foi desesperador.” A ferramenta que ela tinha para seguir em frente era o trabalho e a criatividade. Foi quando começou a criar cursos, palestras, workshops e a se arriscar a quebrar as fronteiras cariocas e ir para outras cidades, como conta:

“Fui vendo que eu teria que me jogar para ter as coisas, porque ninguém ia fazer nada por mim. Não ia ter para quem pedir dinheiro”

Para 2019, a meta é consolidar os cursos e workshops e manter o conteúdo do site “sincero”, independente e gratuito. Ela acredita muito que é essa conexão e aproximação com as pessoas que faz o Moda pé no chão ser um negócio possível e de sucesso. Bem sonhado mas com os pés firmes no chão.

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