Dirijo um Tesla há meio ano. E vou lhe contar como é

Adriano Silva - 25 jun 2021
Interior do Tesla Model 3.
Adriano Silva - 25 jun 2021
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O plano era usar carro, mas não ter carro.

Lançando mão também do bom sistema de transporte público de Toronto. O TTC oferece metrô, ônibus, bondes e trens.

Mas a família votou a favor de um carro próprio, depois de um ano tendo que pegar neve e frio (o simples ato de respirar ao ar livre quando está abaixo de -20ºC não é recomendável), ou chuva, ou então sol a pino (o verão aqui tem dias escaldantes), nos deslocamentos até a parada de ônibus, ou até a escola, ou até o supermercado.

Argumentei que continuaríamos fazendo uso de carro sempre que quiséssemos, sem a necessidade de sermos donos de um automóvel. E que tínhamos vários modelos à disposição, e que todos vinham com motorista, bastando chamá-los pelo aplicativo. Mas fui voto vencido. 

Em São Paulo tínhamos dois carros na garagem. E dificilmente caminhávamos pelas ruas da cidade. Em parte, o projeto dessa mudança de ares era chacoalhar alguns hábitos e atitudes de classe média alta paulistana, como esse, que nos incomodavam

Com a pandemia, no entanto, minha argumentação a favor dos recursos compartilhados, privilegiando o uso das coisas, e não necessariamente a sua posse, ficou enfraquecida.

O fato de que meus filhos tirarão a carteira de motorista no fim deste ano, ampliando o uso do carro na família, resolveu em definitivo a questão.

Assim, decidimos, em dezembro do ano passado, colocar um carro na driveway à frente de casa – como uma espécie de presente de Natal.

***

Consideramos algumas possibilidades.

Comprar ou fazer um leasing? Optamos pelo leasing. Basicamente, nesse modelo, você paga mensalmente uma taxa pelo uso, calculada em cima da depreciação do veículo ao longo do tempo do contrato. 

Ao final de 36 ou 48 meses, você tem a opção de comprar o carro, pelo valor de mercado que ele terá lá na frente, ou então de devolvê-lo e pegar outro modelo novo. É um sistema bastante comum na América do Norte que, sei lá por que, não existe no Brasil. 

O Tesla nos parecia inacessível. Fomos comparar e vimos que não era. Pegamos um Model 3. O Fusca da Tesla. O carro de entrada da companhia

Branco, porque trocar de cor implicaria 2 mil dólares. E sem o software de carro autônomo, que custa 10 mil dólares extras. 

Nada que tenha atrapalhado meu filho, um adolescente geek, fã de máquinas e de tecnologia, de realizar o sonho de dirigir um Tesla.

Mesmo sem o software de carro autônomo, o piloto automático permite que você dirija sem as mãos.

 

Nosso Teslinha não é autônomo, mas tem um piloto automático bem bacana. Ele se dirige sozinho dentro da mesma faixa. (Preferencialmente na estrada, não dentro da cidade.)

Ele não ultrapassa nem troca de faixa. De resto, dirige melhor do que eu, aumentando e diminuindo a velocidade de acordo com as marcações da estrada. 

(Na versão autônoma, o carro viria sozinho até nós quando o chamássemos, estacionaria sozinho na vaga, realizaria conversões… Enfim, faria de tudo para que não precisássemos dirigi-lo.)

No Brasil, eu tinha um carro em que acionar o piloto automático significava definir a velocidade desejada e então tirar o pé do acelerador. Agora, tenho um carro cujo piloto automático me permite tirar as mãos do volante 

(De vez em quando ele pede para que você encoste no volante. Para garantir que você não dormiu, nem pulou para dar uma namoradinha no banco de trás ou foi esquecido na última parada para esticar as pernas.)

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O Tesla, a rigor, é mais um smartphone do que um carro.

O painel é uma tela de computador de 15 polegadas, com UX de sistema operacional ou de browser. (Você não está operando um palmtop, nem um desktop – mas você está operando, digamos, um wheeltop com funcionalidades muito parecidas.)

O Tesla tem sensores que reconhecem (quase) tudo ao redor – carros, pedestres, cones, bicicletas, semáforos e sinais de trânsito. E você vai vendo essa navegação estilizada na tela do painel, à medida que anda. A sensação é de que você está dentro de um videogame. Tudo é avatar – inclusive você próprio 

A experiência toda é muito lúdica.  

Ainda no test drive, descobrimos que o Tesla peida.

Pois é. O carro de Elon Musk vem com vários timbres de traques para você escolher. Curtos, longos, intermitentes, barítonos, desafinados etc.

Meus filhos já vieram com essa informação de casa, é claro. É uma bobagem. Mas que rende uma boa risada. E que acaba seduzindo, pelo coração, o candidato a comprador. Especialmente se você estiver com um adolescente – na família ou dentro de você.

Você comanda o Tesla pelo celular. De modo remoto, é possível abrir e fechar portas, janelas e tampas, colocar para carregar, climatizar, buzinar, ligar o carro.

Quando você se aproxima do Tesla, ele reconhece seu celular, destrava as portas automaticamente e já começa a arrumar o volante e o banco de acordo com o seu perfil, assim como a temperatura do ar-condicionado e dos assentos (no nosso caso, só dos dianteiros). Cada motorista tem um perfil de usuário cadastrado no carro, com suas preferências. 

Como bom carro elétrico, o Tesla não faz barulho. Mas o mais bacana é o charme de você abastecer o carro em casa, espetando-o na tomada. Trata-se de um plugue comum, com três pinos. Eu moro em uma casa e conecto o Tesla na mesma tomada que uso para plugar o cortador de grama

Nosso carro, nesses tempos de isolamento social, tem ficado mais parado do que andando. E eu achei que o sistema elétrico seria uma desvantagem nesse cenário: o combustível não evapora no tanque de um carro estacionado, enquanto uma bateria elétrica descarrega, mesmo com o carro desligado.

No entanto, não notei nenhuma mudança significativa em minha conta de luz, apesar de o carro ficar o tempo todo plugado na parede. Vai ver que a manutenção de uma bateria cheia consome pouca energia. Penso que estaria gastando mais se tivesse que ir ao posto abastecer com gasolina.

Há também uns pontos de abastecimento espalhados pela cidade – incluindo alguns de carregamento super rápido, os superchargers –, mas nunca precisei usar nenhum deles.

Ah, sim. Como o Tesla não tem motor à combustão, nem tanque de combustível, sobra espaço para você ter dois porta-malas – um na frente, como os Fuscas, e o de trás. 

O Tesla também não tem estepe. Nem macaco. Aliás, você não pode trocar o pneu. Para não danificar a bateria, que fica embaixo do carro. (Você precisará ter cuidados adicionais com lombadas e rampas para não raspar o carro no chão.) Todo o serviço da Tesla é realizado pela própria empresa e dependerá de um contato seu, pelo telefone ou pelo aplicativo, para que venham lhe socorrer.

E o Tesla tem bom torque. Você pisa e ele responde. Embora, no Canadá, se faça pouco uso disso. Na maioria das ruas, excetuando as grandes avenidas, você precisa parar o carro praticamente em toda esquina.

Isso mesmo: é obrigatório frear, com parada total do carro, a cada quarteirão. Uma experiência de direção inimaginável para quem pilota bólidos no Brasil.   

O Tesla usa esse mesmo padrão de segurança que soa exagerado a um motorista brasileiro para avisar o motorista de situações potencialmente perigosas – tem um bipe para quando um objeto estiver muito próximo (meio metro!) das suas laterais, uma sirene com som de trombeta do juízo final para quando você se aproximar do carro à sua frente sem reduzir suficientemente a velocidade

Ele também não sai do lugar se o motorista não estiver com o cinto de segurança. E diz-se que o carro parará automaticamente antes de colidir com alguma coisa. Mas não pretendemos pôr essa regra à prova.

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Por fim, o Tesla parece um pouco frágil. Especialmente nos seus tendões e ligamentos de plástico e borracha. Ele é um carro bonito, funcional, elegante – mas não é exatamente um primor de acabamento. Tivemos um recall com dois meses de uso. E aproveitamos para pedir que trocassem justamente alguns itens de vedação externa que tinham envergado – obra do inverno canadense?

Nada que atrapalhe minha filha de às vezes ir para dentro do carro, com snacks e bebidinhas, assistir a uma série do Netflix no painel ou ouvir playlists no Spotify com as amigas, num ambiente tecnológico, refrigerado e divertido – algo que servia apenas para que as pessoas se locomovessem melhor, mas que agora começa a se transformar numa outra coisa. 

Uma central de infotainment, um ambiente social, lúdico, de convivência, como um drive-in que estivesse dentro do carro e não fora dele, ou como um simulacro de nave de Star Wars, que interage com você, para a sua conveniência. Algo assim.

 

Adriano Silva é fundador da The Factory e Publisher do Projeto Draft e do Future Health. É autor de nove livros, entre eles a série O Executivo SinceroTreze Meses Dentro da TV A República dos Editores.

 

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