Do funk à Netflix, como KondZilla populariza a cultura do jovem de favela com uma estratégia multiplataforma

Luisa Migueres - 18 set 2019
KondZilla, durante palestra no FIRE Festival, em Belo Horizonte.
Luisa Migueres - 18 set 2019
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Foi assistindo a um comercial de Kolynos – pasta de dentes popular nos anos 1990 – que Konrad Dantas descobriu que o audiovisual seria sua carreira e paixão. Se você não ligou o nome à pessoa, talvez o conheça pelo nome artístico que batiza também a sua empresa.

KondZilla, 31, diretor e produtor musical, é “o cara” por trás da KondZilla, uma holding que inclui agência de artistas (são mais de 60), marca de acessórios, portal de conteúdo voltado ao público de favela (confira o vídeo-manifesto) e produtora de clipes e vídeos. Seu produto mais recente é Sintonia, coprodução que estreou em agosto na Netflix e retrata a vida de três amigos da periferia de São Paulo.

Crime, religião e funk compõem o tripé narrativo da série. Mais do que envelopar estações de metrô, a campanha de divulgação incluiu a montagem de uma barbearia gratuita no Centro paulistano (a cargo de Ariel Barbeiro, criador do “corte blindado”), a promoção de cartões pré-pagos da plataforma de streaming e veiculação do primeiro episódio no canal KondZilla — o maior canal de música do YouTube no planeta, com 52 milhões de inscritos.

“A Netflix tem o objetivo de realizar trinta produções no Brasil. Se eu soubesse disso antes, teria vendido três”, afirmou KondZilla, na semana passada, em palestra no FIRE Festival, organizado pela Hotmart em Belo Horizonte. O DRAFT esteve lá e bateu um papo com ele.

O PRIMEIRO VÍDEO BATEU 1 MILHÃO DE VIEWS EM 20 DIAS; O SEGUNDO, EM 15 DIAS

Nascido no Guarujá, litoral paulista, Kond (como gosta de ser chamado) contou em BH que tinha dúvidas, no início, sobre sua capacidade de um dia ganhar a vida fazendo vídeos e música.

“Eu achava que não tinha capacidade intelectual para estudar. Então comecei a cantar rap, só que eu era tímido”, afirmou, na palestra. Foi a timidez que o fez cogitar ser produtor, para permanecer nos bastidores. Isso até abraçar sua vocação como videomaker. “Perdi minha mãe aos 18. Ela era professora e me deixou um seguro de vida. Juntei as economias, comprei minha primeira câmera e fui estudar cinema 3D.”

Nessa época, conheceu o ainda embrionário funk ostentação — e o YouTube. “Quando decidi fazer vídeos de funks, meus amigos falavam: ‘Não faz isso, funk não é legal, não tem mensagem nem conteúdo’. Mas eu mostrava um vídeo do MC Lon filmado com um Motorola V3, que tinha 7 milhões de visualizações.”

Atraído para o universo de clipes de funk, produziu um primeiro vídeo com MC Boy do Charmes, que atingiu 1 milhão de views em 20 dias. Sorte de principiante? O vídeo seguinte, com MC Guimê, superou 1 milhão de visualizações em 15 dias.

Kond não tinha contatos na música fora do funk. Trabalhava com pós-produção, webdesign, explorava as possibilidades do seu equipamento filmando esportes radicais. Até que pintou um convite do Charlie Brown Jr. para dirigir um DVD e virar videomaker da banda. Ele topou, trocou o salário de R$ 913 por R$ 3 mil mensais, e outros artistas vieram atrás.

AS MULHERES GANHARAM REPRESENTATIVIDADE — E HOJE SÃO 54% DA AUDIÊNCIA

Escalar uma audiência gigantesca no YouTube exigiu suavizar os conteúdos. “Em 2016, tiramos os palavrões, as armas e as mulheres de calcinha dos clipes. Fui muito criticado, mas foi uma decisão importante”, contou. Em um ano, de 2016 para 2017, o canal decolou de 6 milhões para 22 milhões de inscritos (ainda menos da metade dos atuais 52 milhões).

O público feminino atualmente representa 54% de sua audiência. “Nós mudamos o discurso do funk tradicional. Hoje, o elenco de mulheres no funk é muito maior no nosso selo.”

Não foi a única vez que KondZilla repensou conceitos. “Antes, por arrogância e imaturidade, eu dizia que não queria aparecer no Multishow, na MTV. Mas entendi que tenho que ‘performar’ em todas as plataformas”, afirmou. “Ninguém está usando ninguém, é uma troca saudável.”

Essa abordagem multiplataforma traduz sua postura de negócio. “A galera gosta de criticar as plataformas, mas se não fosse o YouTube eu não estava aqui hoje. A gente fica ‘bitolado’ dizendo que é criativo, mas o que você precisa é montar o seu departamento comercial.”

As críticas por lançar artistas do funk ostentação — que celebra a ambição da juventude da periferia em relação a roupas, acessórios e artigos de luxo — teriam motivado Sintonia, a série da Netflix. “A mídia dizia que eu estava incentivando jovens a fazer coisas erradas para adquirir bens materiais. Queria canalizar essa energia contrária e usar ao meu favor.”

Confira a seguir o nosso papo com KondZilla no FIRE Festival:

Houve um momento em que você percebeu que suas produções começariam a atingir um novo patamar de público?
Na real, eu nunca senti isso, nunca me liguei nisso. Nunca foi o foco.

O foco era me tornar realizador, fazer o videoclipe mais bonito que eu conseguisse, com a produção mais redondinha que eu pudesse

Como você se preparou financeiramente para escalar suas produções?
Desde o começo, eu tinha “300 mil reais de câmera” e não tinha casa própria. Sempre investi os recursos que tinha nos meus equipamentos. Tem uma frase que diz: “se você tem grana, você aluga; se você não tem grana, você compra”. Então a gente sabia que o orçamento era baixo no começo, eu comprei tudo.

Hoje, qual é a sua relação com a parte financeira da KondZilla?
Eu descobri o que era DRE [Demonstração do Resultado do Exercício, relatório contábil que evidencia se as operações da empresa estão gerando lucro ou prejuízo num determinado período] faz uns quatro meses. Eu só pensei em arte. E a minha margem era boa. Nunca fiquei pensando em “quanto está pagando”… Nunca fiz balanço de nada. Hoje contratei uma galera para fazer isso, mas até hoje não sei [fazer].

Com Sintonia, vocês fizeram conteúdo do jeito “algorítmico”, oferecendo ao público o que ele quer ver. No portal KondZilla.com há vídeos com preocupação social, sobre assuntos como gravidez na adolescência. Você procura balancear esses temas?
A gente ainda não está balanceando, mas talvez este seja o projeto que a gente está mais procurando entender o porquê das coisas. Entender porque uma “performa” e outra não. Então começamos a montar uma equipe de BI para entender esses números, o que faz sentido continuar produzindo.

Existe, sim, um equilíbrio entre o que é importante mostrar, independente se vai trazer audiência ou não. Mas, no fim, é a audiência que paga as contas. Então vamos continuar falando sobre o último tênis do Kevinho, porque isso dá audiência

E se alguma marca quiser fazer uma campanha uma ação com um artista nosso, isso vai pagar conta. Aí vamos fazendo os conteúdos que a gente julga importantes.

Empreender com audiovisual é difícil, mas já foi muito mais. Como você estimula essa postura mais “fazedora” na sua equipe?
Primeiro eu sempre digo: “Faz com o que tem”. Segundo: “Na minha ausência, vão parar de fazer? Vão ficar desempregados se eu morrer?” Eles têm que operar sem mim, criar e executar novos produtos, sem eu ter que checar desde o papel higiênico até pagamentos. Quando a operação era menor eu controlava tudo, sim. Hoje não faz sentido. Estou focado na criação.

Que tipo de relação você queria construir com artistas? O que queria proporcionar que eles não poderiam ter em outras agências?
Eu sempre quis trabalhar com as pessoas que escolheram trabalhar comigo. O atendimento era muito orgânico. Todo mundo foi atrás de mim. Faz uns seis meses só que a gente começou a prospectar, em oito anos.

Como você identifica esses talentos na hora de prospectar? Qual é o critério?
O critério é que sejam artistas que a gente sabe que trazem audiência e ainda não escolheram trabalhar conosco nesses oito anos. Nada se cria, tudo se combina. É uma combinação de pesquisas, experiências, e assim você vai aumentando sua capacidade criativa.

De repente o autêntico é só algo que alguém ainda não realizou. Porque as ideias estão aí no ar, mas quem consegue realizar?

Se alguém viesse e me dissesse que pretendia “fazer o primeiro clipe de funk”, eu perguntaria: “Você fez?”. Porque eu fiz. Tem uma frase que digo todos os dias: ideia boa é ideia feita.

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A repórter Luisa Migueres viajou a Belo Horizonte para acompanhar o FIRE Festival 2019 a convite da Hotmart.

 

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