A EcoUniversidade surgiu a partir de uma constatação incômoda: o ensino superior continua formando profissionais para sustentar os mesmos sistemas que criaram os problemas socioambientais do planeta.
“Estamos formando a nossa juventude para manter os problemas sistêmicos”, afirma Thais Mantovani, 31, sócia-fundadora do negócio. O objetivo da EcoUniversidade é justamente ajudar a virar esse jogo:
“Até entendo que precisamos dessas formações para continuar a economia como ela existe hoje. Mas também precisamos de espaços para trazer um pensamento crítico e questionamentos à luz de problemas socioambientais como mudança climática e perda de biodiversidade”
Thais fundou a EcoUniversidade em 2020, ao lado de Carla Zorzanelli, hoje mais atuante como conselheira. As duas se conheceram durante uma formação em Ciências Holísticas na Schumacher College, na Inglaterra.
Até então, Thais trabalhava em uma consultoria de branding, onde atendia clientes como Nespresso e Universal Studios. Deixou o emprego pensando em redirecionar sua carreira e investir em uma formação relacionada à sustentabilidade:
“Fiz essa transição para a Schumacher por conta de um chamado interno de propósito… Eu amava pesquisar, entender os problemas e o que as pessoas estão pensando, mas sentia que estava fazendo pelo caminho errado, para vender mais aquilo que não estava fazendo bem para as pessoas e para o mundo”
Ao voltar ao Brasil, ela percebeu que o conceito de regeneração já fazia parte dos saberes de povos indígenas, quilombolas e comunidades que atuam na linha de frente da sustentabilidade e da restauração. Foi desse entendimento que nasceu a EcoUniversidade, após mais de um ano de pesquisa, escuta e conexões.
A metodologia, segundo Thais, se inspira nos processos da natureza e no poder da colaboração para construir pontes e levar formação a pessoas, comunidades, empresas e governos dispostos a enfrentar os desafios socioambientais de forma sistêmica e regenerativa.
Apesar de ter “universidade” no nome – uma escolha proposital para deixar claro que se trata de um trabalho voltado a jovens adultos –, a EcoUniversidade não é uma instituição formal, com registro no MEC e uma grade de cursos regulares. É, sim, um laboratório de experiências, um lugar de uma educação que busca o impacto positivo como resultado.
O número de pessoas impactadas, segundo Thais, está crescendo. No primeiro semestre de 2025, que está chegando ao fim, foram 1 870 pessoas – contra 593 ao longo de todo o ano de 2024. Esse impacto se dá, principalmente, em três frentes: atuação com empresas, comunidades e pessoas físicas.
O trabalho com empresas é, hoje, o principal pilar da geração de receita – e uma frente em que elas percebem um potencial real de transformação. A atuação se dá por meio de consultorias e projetos formativos personalizados, sempre desenhados a partir das necessidades de cada parceiro.
Em abril, por exemplo, a EcoUniversidade levou uma palestra para a fábrica da GE relacionada ao Dia da Terra. O encontro abriu espaço para um segundo movimento: levar um grupo de funcionários para conhecer uma CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura).
“Eles foram a campo, colheram mandioca, conversaram sobre consumo, resíduo, alimentação. A partir dali, outro impacto que a gente buscou foi que esse grupo começasse a se alimentar através daquele CSA.”
Outro exemplo de trabalho corporativo foi feito com a Faber-Castell. A EcoUniversidade montou uma formação em ecodesign para os departamentos de marketing e desenvolvimento de produtos; o projeto incluiu desde a curadoria dos professores até a facilitação gráfica e dinâmicas participativas.
“Hoje, colocamos nossas maiores energias nas consultorias com empresas, que é onde dá mais dinheiro. Mas também entendemos que é um espaço de transformação muito importante – e muitas portas estão se abrindo”
Thais reconhece, no entanto, que o mercado corporativo ainda não tem maturidade plena para esse tipo de trabalho.
“Sinto que é quase como um lugar de educar o mercado, abrir portas, porque, hoje, os departamentos de sustentabilidade ainda não têm grana para investir. Então a gente vai fazendo eventos gratuitos, cursos que às vezes apenas se pagam, mas que geram impacto, mantêm a nossa comunidade viva e criam caminhos para estarmos dentro das empresas.”
O trabalho da EcoUniversidade com comunidades tradicionais, povos indígenas e territórios periféricos é outra frente central dentro do modelo de atuação da escola.
Diferentemente do que acontece com as empresas, que contratam as consultorias, aqui os projetos são viabilizados, na maioria das vezes, por meio de editais ou parcerias institucionais. A lógica, no entanto, é a mesma: gerar impacto real a partir das necessidades de quem está no território.
“Não vamos para o território sem sermos chamados”, diz Thais. Foi, por exemplo, a partir da indicação de Aline Kayapó, que ministrou o curso Saberes Indígenas na EcoUniversidade, que a organização tomou conhecimento da necessidade de fortalecer o empreendedorismo em aldeias do Oiapoque, no Amapá.
Essas comunidades, que tinham na produção de farinha de mandioca sua principal fonte de renda, foram severamente impactadas por uma praga que, em 2020, devastou as plantações locais. As mulheres, então, passaram a olhar para o artesanato como uma possibilidade de geração de renda. Porém, era preciso estruturar essa atividade.
Depois de serem aprovadas em um edital da OIT (Organização Internacional do Trabalho), a equipe da EcoUniversidade conviveu com as comunidades por 20 dias, mergulhou nos modos de vida locais e cocriou uma jornada de formação que incluiu oficinas de público-alvo, comunicação, locais de venda, precificação e estruturação de negócio. Tudo foi desenhado de forma colaborativa, respeitando o formato de aprendizagem daquela cultura. Thais afirma:
“A gente entendeu o que elas precisavam, o que não queriam e qual era o formato de aprendizagem daquela etnia. E desenhamos tudo junto com elas. Isso é importante porque traz um resultado mais tangível”
Ao todo, 300 mulheres foram impactadas por essa formação, que também ajudou na criação da loja online Xime Lavi, que permite às artesãs venderem diretamente seus produtos, sem intermediários, garantindo que 100% da renda vá para as comunidades.
A EcoUniversidade também oferece cursos voltados para pessoas físicas. É uma frente que funciona sem uma grade fixa, com formações que surgem de acordo com as demandas do mercado.
O mais recente, por exemplo, é o curso de Facilitação Regenerativa. São dez encontros online, ao custo de 1 290 reais, que trabalham práticas de mediação, escuta, facilitação de processos e construção coletiva.
Ao mesmo tempo, a EcoUniversidade começa a construir uma atuação junto ao poder público.
“Hoje, já estamos trabalhando para pensar formação sobre política climática dentro das prefeituras e das escolas. E vamos abrindo aos poucos essas portas, que não necessariamente já estão abertas”
Atualmente, dois projetos estão em andamento no interior de São Paulo: um com a prefeitura de Águas de Lindóia e outro com a prefeitura de Valinhos, ambos voltados ao desenvolvimento dos planos municipais de educação ambiental.
Em Valinhos, inclusive, surgiu uma nova proposta: realizar oficinas e workshops com alunos da rede pública, preparando uma espécie de “pré-COP”, com simulações e discussões sobre os temas que estarão na pauta da COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em novembro, em Belém). A ideia é que os alunos entendam o que vai ser discutido no evento e possam se apropriar desses temas.
Com esse movimento, a EcoUniversidade amplia sua atuação para englobar a educação básica, levando temas como clima, regeneração e colaboração para dentro das escolas — e, assim, ajudando a formar uma nova geração mais preparada para lidar com os desafios que já estão postos.
Mais do que oferecer cursos e consultorias, a EcoUniversidade se define como um espaço de cuidado com quem está no território, nas empresas, nas escolas e, especialmente, com quem escolhe trilhar esse caminho de transformação, muitas vezes marcado por indignação, impotência, ansiedade e solidão.
Sair da bolha, do ar-condicionado da Faria Lima — como Thais costuma dizer –, para colocar o pé no território não é só uma prática pedagógica. É a base da metodologia, da filosofia e do compromisso da EcoUniversidade: formar pessoas e organizações capazes de enfrentar os desafios socioambientais de forma coletiva e transformadora.
Mesmo diante do pessimismo que o cenário global impõe, o trabalho em campo, nas empresas, nas escolas e nas comunidades mantém viva uma chama de otimismo:
“Eu sou mais otimista do que pessimista. Acredito no nosso poder de regeneração como espécie. Estamos numa fase adolescente, testando limites, mas vamos amadurecer e entender nosso lugar no mundo”
Para ela, o trabalho precisa acontecer em rede, colaborativamente, unindo mercado, poder público, territórios e pessoas.
“Nosso sonho é que um dia nem precisemos mais dividir ‘mercado’, ‘poder público’, ‘escola’. A meta é juntar todo mundo falando e construindo junto. Esse é o nosso lugar. E é para isso que estamos aqui.”
A farmacêutica Vivian Yujin Chun se reinventou ao criar sabonetes, trabalhar como agricultora e viver junto à natureza. À frente da MOMA, ela desenvolve cosméticos com ativos amazônicos e que trazem impacto real para quem vive da floresta.
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