Ele faliu ao tomar um calote milionário. Para se reerguer, criou um app que multiplica o alcance de causas sociais usando vídeo

Leonardo Neiva - 14 set 2020
Rodrigo Brandão, fundador e CEO do MultiplierApp.
Leonardo Neiva - 14 set 2020
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Entre outras mudanças culturais, a Covid-19 trouxe um boom de lives, com uma enxurrada de shows ao vivo via redes sociais.

Mesmo antes da pandemia, porém, o empreendedor carioca Rodrigo Brandão já vislumbrava uma forma de multiplicar o alcance das transmissões de vídeo na internet — e com foco em gerar impacto social.

Rodrigo, 50, é CEO e cofundador do MultiplierApp. O aplicativo permite transmitir simultaneamente vídeos, ao vivo ou pré-gravados, em diferentes redes sociais e por meio do cadastro de parceiros (ou “embaixadores digitais”) que dão o OK para que a transmissão ocorra também por meio de seus perfis.

Assim, um cliente que cadastre outros 20 perfis, cada um com mil seguidores, ganha o potencial de atingir até 20 mil pessoas nas redes por transmissão.

Uma triagem dos interessados restringe o uso do app a iniciativas com cunho social. “Buscamos parceiros que tenham causas relevantes, desde indivíduos a organizações internacionais”, diz.

Lançado em 2018, o aplicativo tem 3 mil contas de clientes ativos, entre pessoas físicas e jurídicas.

A MÃE, ATRIZ, VIROU MISSIONÁRIA; O PAI, POLICIAL, ENVEREDOU PELO CRIME

Rodrigo é filho da atriz Darlene Glória, famosa nas décadas de 1960 e 1970 por papéis em filmes importantes do cinema nacional, como São Paulo, Sociedade Anônima (1965), de Luiz Sergio Person, e Toda Nudez Será Castigada (1973), de Arnaldo Jabor.

O pai dele, o policial Mariel Mariscot, se tornou célebre por um motivo bem diferente: foi integrante do Esquadrão da Morte, organização paramilitar que cometeu diversos assassinatos no Rio.

“Fui criado no meio dessa ‘bifurcação’ entre os dois. Enquanto meu pai foi preso e condenado, minha mãe largou a carreira de atriz e virou evangélica”

Rodrigo tinha 3 anos quando a mãe virou missionária; mais tarde, ela se casou com um pastor e teve outros filhos.

Com receio de represálias devido à atuação do pai de Rodrigo no Esquadrão da Morte, parte da infância foi vivida na estrada: a família nunca permanecia mais de seis meses num mesmo lugar.

Foi só após a morte de Mariscot, em 1981, que eles puderam se restabelecer no Rio.

ELE SEGUIA CARREIRA NA MÚSICA — ATÉ LEVAR UM CALOTE MILIONÁRIO

Desde os 8 anos, quando começou a tocar teclado e guitarra na igreja, o sonho de Rodrigo era seguir carreira na música. 

Aos 19, largou um emprego de bancário e foi tentar a vida nos Estados Unidos. Foram dois anos trabalhando em navios de cruzeiro, na rota entre Miami e o Caribe, fazendo a direção musical dos espetáculos de bordo. 

De volta ao Brasil, aos 21, montou uma dupla com o músico Allyrio Mello. Rodrigo tocava violão, guitarra e teclado, e Allyrio, banjo, gaita e violino. Juntos, rodaram o país por três anos e chegaram a se apresentar nos programas de Jô Soares e Fausto Silva.

Cansado de não ter endereço fixo, o músico resolveu fixar residência no Rio de Janeiro e montar um negócio: uma produtora que fazia trilhas sonoras para rádio, cinema, TV, teatro, além de jingles para campanhas políticas e publicitárias. 

A produtora ia bem, diz Rodrigo. Até que, em 2010, ele tomou um calote de 1,5 milhão de reais…

“Quebrei. Trabalhava numa casa de 700 metros quadrados na Urca [bairro nobre na Zona Sul do Rio], com 50 funcionários e seis carros de produção. De repente, acordei aos 40 anos numa salinha de 30 m², só eu e uma assistente”

Naquele momento, o desafio era se reinventar num mundo em que “a molecada já começava a vida high-tech”. 

COM APOIO DE AMIGOS, ELE BOLOU UM SISTEMA DE TRANSMISSÃO ONLINE

Ainda meio perdido, avaliando suas possibilidades, Rodrigo foi atrás de velhos amigos feras em tecnologia, alguns trabalhando em países como Rússia, Índia e Paquistão.

Em conversa com eles, surgiu a ideia de um sistema que permitisse transmitir online vídeos ao vivo. Assim, trabalhando com colegas de fora do país, onde a infraestrutura tecnológica era melhor e mais barata, ele criou um sistema de transmissão online.

“Desenvolvemos uma arquitetura mais econômica e eficiente, sem pagar royalties, permitindo que a gente avançasse muito rápido nesse mercado

Coincidiu que, já naquela época, bem antes da pandemia, as lives em redes sociais começavam a fazer sucesso, tomando a internet aos poucos de assalto. 

Rodrigo, então, bolou uma ideia nova: desenvolver um sistema que conectasse vídeos e perfis em diferentes redes sociais, multiplicando o alcance das transmissões de forma simultânea — e dando ênfase a causas de impacto social.

PARA EMPREENDER, O CASAL VENDEU OS CARROS E FOI MORAR “DE FAVOR”

Vanessa, esposa de Rodrigo, e os amigos Karin Henske, Letícia Felício e César Cardoso entraram como sócios nessa novo projeto (Karin, mais tarde, deixou a sociedade). 

Criado o conceito, a equipe passou 2016 e 2017 trabalhando na tecnologia do novo software, com uma equipe de desenvolvedores divididos entre Brasil e Índia. 

O investimento inicial, de 1,5 milhão de reais, saiu do bolso dos sócios. Rodrigo conta:

“Foi um momento difícil. A gente não tinha uma boa condição financeira, mas precisava manter a programação do empreendimento. Chegamos a vender o carro duas vezes e até fomos morar de favor na casa da Letícia e do César”

Em 2018, eles lançavam o MultiplierApp no mercado. Pouco depois, diz Rodrigo já choviam interessados em comprar software. 

“Recebemos propostas no valor de milhões, vindas de partidos políticos, uma empresa de marketing multimídia e um grande líder religioso”, afirma, sem dar nomes.

HOJE O APLICATIVO É USADO (TAMBÉM) PARA “DISSEMINAÇÃO DIGITAL DA FÉ”

Os sócios resistiram a esse “assédio” e mantiveram-se firmes no propósito original: auxiliar empresas e organizações a promover causas sociais. 

Aqui, porém, cabe uma ressalva importante. Para Rodrigo, esse propósito não destoa, necessariamente, do uso do aplicativo para fins religiosos.

Evangélico, o empreendedor afirma considerar a fé como uma forma de motivação e de impacto social. E conta que o MultiplierApp vem sendo usado por diferentes correntes: 

“Igrejas evangélicas, católicas, espíritas e budistas têm usado o aplicativo como meio de disseminação digital da fé, transmissão de reuniões e cultos… E também como pílulas de motivação via auto live [agendamento de vídeos]. Nesse segmento, o MultiplierApp parece se encaixar perfeitamente. Você pode imaginar o Sermão da Montanha ao vivo em 5 mil perfis do Facebook?”

Segundo Rodrigo, as igrejas evangélicas compõem 70% das organizações religiosas que fazem uso da ferramenta (a seção de cases do site da empresa destaca, entre outras, Igreja Universal, Bola de Neve e Sara Nossa Terra).

UM PROJETO AJUDA A ENCONTRAR CRIANÇAS E ADOLESCENTES PERDIDOS

O mix de clientes — ou “parceiros” — do MultiplierApp é heterogêneo  

Nesse grupo, há desde organizações sociais (Unesco e Central Única das Favelas, a CUFA) e culturais (Orquestra Sinfônica Brasileira) até empresas da área de saúde, como Qualicorp e a Rede D’Or São Luiz — que usou a ferramenta em campanhas de prevenção ao câncer de mama e de próstata.

Rodrigo destaca o potencial do aplicativo como ferramenta para unir comunidades ao redor de causas sociais. Em uma ação de 2019, o MultiplierApp foi usado para veicular conteúdo sobre empreendedorismo para 1 200 jovens da comunidade de Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio.

Além disso, em parceria com o site de apostas britânico NetBet, a empresa ajudou a criar e divulgar por meio das redes sociais a Copa Vila Kennedy, um evento futebolístico de incentivo à prática de esporte voltado para atletas sub-15, com a distribuição de uniformes e materiais esportivos para a comunidade.

“Vila Kennedy tem 112 mil habitantes. Cada vez que entrava no ar um post nosso, atingia em média 1,5 milhão de pessoas. Então a ação se espalhou para a Baixada, para o Rio, para vários lugares. O aplicativo funciona para a ONU, para o Papa, e também pode ser usado para conectar as pessoas em comunidades mais pobres”

No projeto com a Unesco, o MultiplierApp multiplica o alcance de webinars semanais — sobre temas como educação, racismo e direitos humanos — com a participação de gente como o cantor Gilberto Gil, a jornalista Flávia Oliveira (da GloboNews) e o escritor e professor Daniel Munduruku.

Outra iniciativa é a Volta Pra Casa. Realizado em parceria com a HDI Seguros, o Grupo JCA e a Rede D’Or, o projeto promovido via MultiplierApp conecta milhares de mães e ONGs simultaneamente por meio do Facebook, criando uma rede de busca de crianças e adolescentes desaparecidos. 

Segundo Rodrigo, 137 crianças e adolescentes já foram encontrados graças à ação, desde novembro de 2019.

O APORTE DE UM DIRETOR DA REDE D’OR AJUDOU A ALAVANCAR O NEGÓCIO

No início de 2019, o MultiplierApp ficou entre oito startups finalistas da etapa brasileira do NTT DATA Open Innovation Challenge, desafio promovido pela japonesa NTT Data e a multinacional de consultoria Everis.

Ainda em 2019, um grande empurrão veio na forma de um aporte (de valor não divulgado, devido a um acordo de confidencialidade) do empresário Pedro Moll, diretor da Rede D’Or; sua família é dona da empresa de hospitais e clínicas oncológicas. 

“O Pedro virou investidor imediatamente. A ajuda veio não para fazer a empresa crescer de imediato, mas para ampliar, no longo prazo, a nossa base clientes na área de saúde — e aumentar o engajamento”

O crescimento, porém, vem acontecendo. No último ano, diz Rodrigo, o negócio cresceu em média 118% ao mês, com faturamento total de 1 milhão de reais no período. E, segundo o CEO, sem investir em divulgação — só no boca a boca.

DEPENDENDO DO ALCANCE, O PREÇO DO SERVIÇO É AVALIADO CASO A CASO

A maioria dos clientes é cobrada por conexões mensais, com um valor-base de 20 reais por perfil cadastrado/mês (independentemente da quantidade de seguidores). Assim, a mensalidade do plano que inclui dez perfis em redes sociais sai por 200 reais.

Uma opção “plus” oferece vantagens técnicas, como transmitir em qualidade 4K. Nos pacotes de até 20 perfis mensais, os consumidores podem aderir com desconto a planos trimestrais e semestrais.

Se a demanda ultrapassar 20 redes por mês, o MultiplierApp negocia caso a caso; algumas organizações cadastram milhares de perfis para transmissões simultâneas:

“Até 10 mil, 100 mil usuários [cadastrados], vemos como um Oceano Azul, então temos que criar modelos diferentes. Em muitas ações humanitárias, entramos como parceiro investidor, com um custo menor e buscando monetizá-la junto a outras marcas”

Se for uma ação com início, meio e fim definidos, a empresa negocia planos mensais personalizados ou pacotes promocionais. “Mas em alguns casos, a gente simplesmente diz ‘não’, o que acontece bastante.”

UMA ACELERAÇÃO RECENTE AJUDOU A EMPRESA A ABRIR NOVAS PORTAS

A pandemia, diz Rodrigo, ajudou a encorpar o crescimento, liberando uma demanda reprimida e ampliando o hábito de se produzir e assistir a lives em redes sociais. 

Nesse contexto, já em 2020, o MultiplierApp foi acelerada por quatro meses pela InovAtiva Brasil

“As parcerias e mentorias que fizemos durante o processo abriram várias portas para novos clientes, ideias e projetos, porque todos os participantes ali também estavam envolvidos em causas sociais”

O aplicativo começou operando no Rio, já ampliou seu raio de atuação para São Paulo, Santa Catarina e Pernambuco, e busca parceiros para atuar em outros estados.

Os resultados deixam o empreendedor orgulhoso — inclusive com sua própria reinvenção pessoal. “Mesmo depois dos 40, se a gente acredita em algo e realmente se dedica, não existem barreiras para o que somos capazes de fazer.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: MultiplierApp
  • O que faz: Multiplica o alcance de lives em redes sociais por meio de uma rede de perfis parceiros.
  • Sócio(s): Rodrigo Brandão, Vanessa Brandão, Letícia Felício, César Cardoso e Pedro Moll.
  • Funcionários: 25 (incluindo 16 freelancers na Índia)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 1,5 milhão
  • Contato: [email protected]
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