“Entendi que sem esse acúmulo de tempo que chamamos de ‘idade’, ninguém acumula conhecimento suficiente para empreender”

Otávio Ribeiro Valle - 15 set 2023
Otávio Ribeiro Valle, sócio da Fanstore.
Otávio Ribeiro Valle - 15 set 2023
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No fim, é tudo uma questão de tempo…

Há 30 anos, não tinha internet, muito menos redes sociais. Não havia programa de trainee, só o programa Silvio Santos. Startup era coisa de quem queria ser astronauta. LinkedIn? CIEE (Centro de Integração Empresa Escola) quando muito.

Foi nesse tempo em que me tornei, um pouco por vocação, outro tanto por falta de oportunidades — e mais um pouco por circunstâncias — um empreendedor

Estava no fim da faculdade de Publicidade e Propaganda, três subempregos “na área” não me seguraram e a vontade de exercer a tal propaganda em grandes agências, ser um homem de marketing, permanecia.

Um ano de formado e a busca continuava. E mais, a questão incomodava: qual minha vocação, qual o caminho?

Tinha trabalhado como vendedor de shopping, recreador de colônia de férias, diretor de centro acadêmico… 

Tive uma indicação a uma entrevista em uma faculdade. Imaginava, sem certeza, que seria com um professor por quem não nutria simpatia. E, claro, a entrevista não rendeu.

A avaliação dele era de que alunos de nossa escola se formavam generalistas e, ali, ele queria um especialista, convicto de que a pesquisa de marketing seria sua carreira.

ACEITEI A PROPOSTA DE UM AMIGO E DECIDI EMPREENDER, JUNTO COM ELE, UMA AGÊNCIA

Empreender era coisa de gente abastada com estrutura para iniciar um projeto de desejo.

Naquela fase, eu era movido por “correr contra o tempo”. Amigos se colocando, descobrindo vocações — e eu sendo levado pelas circunstâncias.

Até que um grande amigo, formado em Arte, me propôs, durante uma conversa tomando cerveja: “Vamos abrir uma agência!”. Aquilo me animou. A reflexão devia ter sido: ainda não é tempo

Minha trajetória profissional, a partir disso, teve várias mudanças de rota, algumas planejadas; outras, em função das oportunidades ambientais. Algumas delas ocorridas antes do “tempo das coisas” custaram a dar frutos, outras tantas de insucesso recheado de aprendizagem e novas oportunidades.

Com persistência, consciência dos desafios, desapego, flexibilidade, abertura e atenção às mudanças de cenário, entendi que empreender é um processo contínuo de ‘autoinovação’ no decorrer do tempo

E isso serve para qualquer um em qualquer circunstância. Empreender a própria carreira, uma empresa, um casamento, a vida.

E a atenção ou o aprendizado diante da dissonância temporal (grandes ideias fora de lugar ou principalmente antes do cenário estar pronto) é essencial.

DE SÓCIO DE AGÊNCIA DE BRANDING, FUI TRILHANDO MEU CAMINHO COMO PRODUTOR, PROFESSOR E ESPECIALISTA NO MERCADO CERVEJEIRO

Depois da primeira agência de branding, que poucos sabiam o que era ou era coisa pra empresas muito grandes, também um pouco por acaso, me tornei, aos 20 anos, produtor cultural de vários grandes nomes da cena cultural brasileira — num cenário em que o ramo ainda estava se construindo como é hoje, sem o digital para contribuir.

Fui também produtor do primeiro filme de cinema digital do país, consultor de investimento privado em cultura de grandes empresas e precursor do marketing cultural. 

Por esse certo pioneirismo, aos 26, fui convidado para levar a experiência de marketing cultural para a sala de aula da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de onde havia sido aluno e na qual fui professor por 15 anos

Promotor, em sala de aula, de temas inovadores à época como os nichos de mercado, entre outros assuntos, me tornei também pesquisador da subsegmentação do mercado cervejeiro brasileiro (num momento em que a dupla Brahma e Antarctica ainda ditavam as regras e as artesanais não existiam) e especialista em marketing no ramo cervejeiro.

Um bom tempo depois fui estudar produção de bebidas aqui e no exterior.

ENTENDI QUE SÓ PODERIA OTIMIZAR MEU TEMPO COM FOCO. POR ISSO, DEIXEI DE LADO A CARREIRA DE PROFESSOR

Nesse período, entre o papel de professor e de empreendedor, a regra era otimizar o tempo. Conselho de amigo: poucas vezes isso funciona! 

A falta de foco é um veneno que mata o espírito empreendedor. Afinal, o que é o foco senão dar o devido tempo ao que se mira, fazer uma coisa de cada vez e não várias simultaneamente, prestar plena atenção naquilo que se faz, no aqui e no agora?

Então, para focar, em 2012, decidi parar de dar aulas. Então, me tornei sócio de uma agência boutique de posicionamento de marcas e assumi ainda os novos negócios e o reposicionamento de empresa da família, responsável por receptivo de visitantes em empresas-clientes como Natura, Embraer e Volkswagen.

Pela empresa familiar, viajamos o mundo observando experiências internacionais do tipo entre 2012 e 2016. Nessa posição, mais uma vez a oportunidade encontrou a experiência no exato tempo: a empresa de receptivo de visitantes foi chamada pela Ambev, a mesma que, quando professor de marketing do mercado cervejeiro, nunca respondeu aos meus apelos por informação.

O marketing, o negócio de família e o conhecimento cervejeiro, ao mesmo tempo, numa mesma empreita. O tempo é mesmo “compositor de destinos”, como diz o compositor baiano.

Recebendo visitantes nas cervejarias da empresa-cliente, havia a necessidade — e oportunidade — de implantar lojas de souvenirs ao final das visitas, e disso, surgiu um novo negócio, num movimento de intraempreendedorismo: a Fanstore, empresa de branded gifts as a service.

Trata-se de uma inovação em um ramo de atividade outrora arcaico: a oportunidade está em como você observa o ambiente. Ou: brindes, não: branded gifts!

SABER APROVEITAR AS OPORTUNIDADES DE NETWORKING FEZ DIFERENÇA NA CONSTRUÇÃO DA MINHA JORNADA EMPREENDEDORA

Entre 2017 e 2021, abraçamos todas as oportunidades que a maior companhia de bebidas do mundo nos apresentou. Das lojas nas cervejarias e suas camisetas, bonés, baldes, copos, chaveiros, passamos a levar a experiência de consumo aos eventos das marcas de cerveja.

Dos eventos, surgiram oportunidades de vendas B2B, depois e-commerce dedicado (acelerado pela pandemia) e, desde 2022, a empresa estava pronta para atender a outros grandes clientes como Itaú, Suzano, BMW, Raízen, Natura, Zé Delivery, com modelo de negócio completo e integrado que resolve dores antigas do marketing dos clientes na aquisição do que, num tempo longínquo, eram apenas brindes. 

Por isso, outro aprendizado importante e recorrente nesta minha jornada foi o networking. Tenha certo que, ao se empreender em setores distintos e novos ambientes, é necessário construir novos relacionamentos

E networking vai, networking vem, um cenógrafo de teatro de um velho produtor cultural volta a ser stakeholder de um novo criador de experiências imersivas. Um designer de branding pode ser o melhor criador de branded gifts. Um amigo de escola sempre pode ser um parceiro de trabalho. Relacionar-se é o nome do jogo.

NADA DE ETARISMO. EXPERIÊNCIA SÓ SE ADQUIRE COM O ACÚMULO DO TEMPO

São 30 anos empreendendo minha própria carreira, num processo de aprendizados em sequência, às vezes com extrema rapidez, outras com incômoda lentidão, no que se convencionou chamar de experiência, no sentido de acúmulo de conhecimento no decorrer de um período de tempo.

É necessária a postura persistente e generalista para enfrentar as nuances da vida empreendedora e investir no conhecimento técnico aprofundado: marketing, negócios, inovação e os ramos de atividade e nichos de mercado que se tenha a oportunidade de observar e atuar.

Por falar em experiência, vale também passar pelo etarismo. Sem o acúmulo de tempo, a que nomeamos idade, não se acumula conhecimento (não, não somos feitos de IA) e hoje em dia empreender parece privilégio das novas gerações. Será?

Claro que quem não se adapta ao ambiente em constante mudança tende a morrer velho e triste. Não se pode ter repulsa ao novo, pelo contrário: o novo é o hoje, o ontem envelheceu.

Mas vivemos num tempo em que se confunde modismos com tendências. Tudo é novidade e tudo passa muito rápido. E embarcar num fenômeno temporário e de pouca amplitude pode não ser um bom caminho para empreender. (O velho caso das paletas mexicanas é um bom exemplo).

E obviamente não se deve esquecer nem abrir mão da linha do tempo de seus empreendimentos, nem que seja em timelapse.

Quero ainda ter muito tempo pra empreender a mim mesmo e mudar de direção a favor do tempo, sempre que isso parecer indicado

“Tempo, tempo, mano velho…Vai, vai, vai!”

 

Otávio Ribeiro Valle é sócio da Fanstore, empresa de branded gifts as a service e da consultoria Craft Marketing.

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