Era um app, virou projeto, virou empresa: hoje a Favelar faz reformas sustentáveis nas comunidades do Rio

Maria Clara Machado - 31 out 2016Fábio e Millena, os fundadores da Favelar: a empresa nasceu como projeto de aplicativo, evoluiu, inspirou-se em iniciativas de sucesso e está finalmente operando e começando a crescer.
Fábio e Millena, os fundadores da Favelar: a empresa nasceu como projeto de aplicativo, evoluiu, inspirou-se em iniciativas de sucesso e está finalmente operando e começando a crescer.
Maria Clara Machado - 31 out 2016
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Aos 24 anos, o empreendedor e estudante de engenharia civil Fábio Moraes tem muita história de trabalho para contar: já foi office-boy, assistente de maquinaria (“o famoso ‘peão de cinema’”, segundo ele), estagiário do IBGE, garçom. Mas o que ele queria mesmo era ser engenheiro civil. E justamente ao entrar na faculdade que sonhava, ele, trabalhador desde os 16 anos, se viu sem emprego: “Sou empreendedor por necessidade”, diz, sem rodeios. “Fiquei dois anos desempregado e não via muita oportunidade. Ao mesmo tempo, sempre tive o sonho de ter um negócio próprio.”

Hoje, ele comanda, ao lado da arquiteta Millena Miranda, a Favelar – empresa que desenvolve projetos de arquitetura e reformas de baixa complexidade com soluções criativas e sustentáveis. A empresa atua em comunidades – regiões em que são comuns imóveis úmidos, escuros e pouco funcionais. Fábio conta como a Favelar quer mudar esta realidade:

“Nossa proposta é levar dignidade e reduzir a insalubridade dos imóveis de comunidade. A popularização da construção sustentável é consequência”

Millena prepara os projetos, que são executados por uma equipe de colaboradores (pintores, eletricistas, pedreiros, encanadores etc), todos da própria comunidade das obras. A turma põe a mão na massa sob a supervisão de Fábio, que também toma as rédeas da gerência do negócio.

Além da mão de obra local, a Favelar privilegia o uso de materiais ecológicos (cuja procedência é investigada em pesquisas na internet, entrevistas com os fabricantes e estudo das especificações técnicas) e busca uma destinação ambientalmente responsável aos resíduos da construção. Nem sempre isso é fácil ou possível.

ENTRE O DESEJÁVEL E O POSSÍVEL, FAZER BEM FEITO TEM UM PREÇO

Há entraves como a dificuldade de encontrar materiais ecológicos, o custo, a logística para fazê-los chegar aos morros. Por isso, o carro-chefe da Favelar não é a sustentabilidade em si, mas as soluções criativas e sustentáveis nas construções – como racionalização na geração de entulho, destinação correta dos resíduos, melhor aproveitamento de recursos naturais como iluminação e ventilação.

São conceitos muitas vezes já aplicados em obras no “asfalto”, mas que passam longe de construções em comunidades. “Na favela, os entulhos geralmente são jogados nas encostas. Isso acaba provocando mais problemas para aquele ambiente e para os moradores”, conta Fábio. Ele também comenta que, nas obras feitas pelos “faz-tudo”, sem assessora técnica, muitas vezes os problemas dos imóveis vão se sobrepondo até virar uma bola de neve.

Legendas: O objetivo da Favelar é tornar as moradias de comunidades mais salubres e agradáveis com conceitos da arquitetura sustentável. Aqui, um telhado de amianto (material cancerígeno e já proibido no Brasil para telhas) foi substituído.

A Favelar visa tornar as moradias mais salubres com conceitos da arquitetura sustentável, por exemplo, substituindo um telhado de amianto.

O grande desafio da Favelar é mudar a lógica de construção em comunidades: onde o normal é fazer obras sem planejamento, a empresa quer mostrar o valor da construção com embasamento técnico (que evita dores de cabeça no futuro) e as vantagens da arquitetura sustentável (que, além do caráter ambiental, oferece benefícios práticos como melhor conforto térmico e iluminação nos imóveis).

Naturalmente, isso tem um preço, e construir com a Favelar é ligeiramente mais caro do que as obras com os “faz-tudo”. Projeto e mão de obra para uma reforma de banheiro, por exemplo, saem em torno de 1 500 reais com a Favelar, contra estimados 1 000 cobrados normalmente na favela. Para vencer esta barreira, Fábio e Millena aplicam algumas estratégias. A primeira delas é fazer uma análise do imóvel e das condições de cada cliente. “Nosso preço é baseado na tabela Sinduscon, mas também fazemos o estudo do cliente para ver o quanto ele pode pagar”, diz ele.

Os sócios prezam pela transparência desde o primeiro contato, explicando que o custo geralmente é maior, mas que há um benefício a ser recuperado no longo prazo. Além disso, geralmente apresentam três propostas de projeto: uma mais simples (e mais barata), outra intermediária e a completa. Mesmo assim, a percepção do valor ainda é uma das maiores frustrações da Favelar. Fábio fala a respeito:

“Tem gente que nos procura e acha que o projeto vai custar 100 reais. Há muita coisa por trás do serviço e muitas vezes é difícil a pessoa ver esse valor”

Outra estratégia para fechar negócio é flexibilizar as formas de pagamento – mas, por enquanto, eles só conseguem parcelar os próprios honorários, já que a mão-de-obra precisa receber integralmente durante a prestação do serviço. Para oferecer melhores condições, os sócios estão buscando parcerias com lojas de construção.

A grande aposta dos dois está, de fato, em bancos de microcrédito que possam financiar toda a obra. Há conversas em andamento, ainda em estágio inicial. E há, também, bons exemplos que inspiram a dupla: Fábio menciona o Programa Vivenda, que atua em São Paulo e é uma referência em reformas populares, com financiamento do Banco Pérola. Na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, a organização Soluções Urbanas foi além e criou uma moeda local, adquirida por reciclagem de lixo (esta iniciativa é patrocinada por uma rede de materiais de construção, que troca a moeda local por mercadorias das lojas). Oferecer crédito aos clientes Favelar é um dos objetivos da empresa para o próximo ano.

EDUCAÇÃO, PARCERIA E EXEMPLO: É ASSIM QUE SE MUDAR UMA CULTURA

Preço e condições de pagamento são questões importantes, mas Fábio quer que os moradores de comunidade entendam o valor da arquitetura sustentável. Para isso, eles promovem um trabalho educacional, de formiguinha mesmo: “A gente desenvolveu cartilhas de construção sustentável a partir de orientações do Ministério das Cidades. E também fazemos parcerias com agentes locais: associação de moradores, ONGs, empresas que já atuam nessas áreas”. Estes parceiros têm a confiança da comunidade e ajudam a disseminar os conceitos da Favelar.

E, como nada melhor do que a prática para provar uma teoria, eles fazem de seus trabalhos vitrines dos benefícios de uma obra bem-pensada. No Morro do Vidigal, por exemplo, na reforma de uma residência em que foi preciso quebrar uma parede, o problema do entulho deu lugar a uma solução criativa: “Havia um barranco atrás da casa. Tivemos a ideia de preenchê-lo com o entulho e fechar com cimento”, conta Fábio. Assim, o que era barranco se transformou em um quintal seguro – e sem o risco de descer resíduos morro abaixo.

A estratégia combinada de educação, parceria com agentes locais e portfolio caprichado vem dando certo. Fábio conta, com alegria, que já recebe os primeiros contatos de pessoas que compreendem o valor da reforma sustentável e com embasamento técnico.

O primeiro cliente da empresa, ainda em 2014, foi conquistado por Millena, que conhecia moradores da comunidade Rio das Pedras. Outros descobriram a Favelar por meio da página da empresa no Facebook e pelo boca-a-boca das comunidades. Hoje, eles já fizeram 12 reformas e projetos nas comunidades cariocas de Rio das Pedras, Vidigal e Santa Marta. Até o fim do ano, serão seis novas obras concluídas. Houve, também, um projeto pro bono em uma creche da comunidade Jardim Analândia, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

EM PENSAR QUE TUDO COMEÇOU COM UMA IDEIA DE APLICATIVO

Fábio conta que sempre quis empreender. Como estudante de engenharia civil, percebia nas comunidades um imenso mercado para sua atividade. Pesquisando, encontrou uma pesquisa do Data Favela, apontando que 81% dos moradores gostam da comunidade em que vivem e que 66% deles não estão dispostos a abandoná-las. Estava, então, definido seu nicho.

Em uma aula de programação de aplicativos, teve a ideia de um app de assessoria técnica digital para pequenas reformas, levando em conta a arquitetura sustentável. Parecia uma boa proposta: seria barata para o público, com possibilidade de escala e inovadora no mercado. Apesar de esbarrar em dificuldades práticas, pois não encontrava desenvolvedor para o app, inscreveu sua ideia na Maratona de Negócios Sociais do Sebrae, em 2014. Para a Maratona, convidou a amiga Millena como arquiteta responsável – sabia que, além da amizade e afinidade profissional, tinham em comum o interesse por construções sustentáveis.

Fábio e Henrique, do Insolar: a parceria veio de terem projetos com objetivos parecidos, ambos gestados no programa Shell Iniciativa jovem.

Fábio e Henrique Drummond, do Insolar, num telhado da favela Santa Marta: a parceria veio de terem projetos com objetivos parecidos, ambos gestados no programa Shell Iniciativa jovem.

No evento, ao fazer o benchmarking eles encontraram o Programa Vivenda e a ONG Soluções Urbanas. “Estudamos o Vivenda e vimos que, além da assessoria técnica, eles ofereciam reformas. Então atrelamos a assessoria técnica à reforma sustentável”, conta Fábio. Abandonaram a ideia do app, pivotaram o projeto e ficaram em quinto lugar na Maratona.

A esta altura a nascente empresa tinha outro nome, e ainda não estava operando: era chamada CoList (apareceu na seção Acelerados, aqui no Draft, em fevereiro de 2015). Também em 2015, Fábio inscreveu o projeto no programa Shell Iniciativa Jovem. Além das mentorias de gestão, a futura Favelar faturou um prêmio de 4 mil reais – investidos no site da empresa, materiais gráficos e legalização. E ainda fechou parceria com a Insolar, também do Iniciativa Jovem, para reforçar as estruturas dos imóveis que receberam placas de energia solar na comunidade Santa Marta, no Rio.

DRIBLANDO GAMBIARRAS E A INEXPERIÊNCIA

Como tropeços do caminho, Fábio conta que perdeu um bom dinheiro em uma das primeiras reformas da empresa, pois não inspecionou profundamente o imóvel e as intervenções da Favelar acabaram trazendo à tona gambiarras antigas da construção.

Outro deslize foi por falta de astúcia comercial mesmo. Só depois de reformar uma residência no Vidigal, adaptada para receber hóspedes durante os Jogos Olímpicos, é que Fábio e Millena perceberam a oportunidade de oferecer o serviço em mais comunidades com potencial turístico…

Como desafios futuros, além da mudança de cultura do público-alvo e da parceria com instituições de microcrédito, Fábio cita a violência do Rio de Janeiro como entrave:

“Com o fim das Olimpíadas, a situação está ficando um pouco caótica. Isso é perigoso para o nosso negócio, pois atuamos em favelas”

Ele diz que tenta contornar isso com a fórmula que já se mostrou eficaz: fazer parceria com instituições locais e contratar pessoas da própria comunidade.

Millena toca um escritório de arquitetura em paralelo à Favelar. Fábio trabalha com o negócio desde 2014, mas teve um estágio de um ano entre 2015 e 2016. Ele afirma ter adquirido uma experiência interessante para o negócio, pois trabalhou na obra da Vila dos Atletas, considerada a maior construção sustentável do país. Com o fim do estágio, desde abril ele se dedica exclusivamente à Favelar e está focado em acelerar o crescimento do negócio. Tijolo por tijolo, a Favelar vai subindo.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Favelar
  • O que faz: Projetos e reformas de baixa complexidade com soluções sustentáveis
  • Sócio(s): Fábio Moraes e Millena Miranda
  • Funcionários: 2 (os sócios)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 4.000 (prêmio recebido)
  • Faturamento: R$ 13.000 (em 2015)
  • Contato: [email protected]
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