As vantagens do cultivo de verduras em fazendas verticais, dentro das grandes cidades, são eloquentes. Uso muito menor de defensivos agrícolas, de água – 95% menos em relação ao campo –, baixo desperdício, nenhuma necessidade de terra, claro, e, muito importante, redução dramática dos custos de transporte entre o produtor e o mercado consumidor.
Fala-se numa economia de custos de até 40 vezes em relação às fazendas convencionais e o dobro da capacidade de produção por metro quadrado cultivável. Apesar disso, a cena demora a deslanchar no Brasil.
Água e luz elétrica custam caro. Outros entraves são a falta de regulação e a dificuldade de acesso às linhas bilionárias de crédito que irrigam generosamente o agro brasileiro – que, apesar de se definir como “tech” e “pop”, parece, de modo geral, desconhecer as fazendas urbanas.
A Pink Farms é uma das pioneiras entre as fazendas verticais do país. Fundada em 2017, em Jundiaí (SP), a startup logo se mudou para a capital paulista, onde começou a produzir alface em 2019.
“No começo a empresa era quase apenas de desenvolvimento – demoramos dois anos para começar a plantar”, afirma o cofundador Rafael Delalibera, que junto com seu irmão gêmeo, Mateus, toca o negócio.
A Pink Farms apareceu pela primeira vez aqui no Draft naquele mesmo ano de 2019. Agora, seis anos depois, conversamos com Rafael para saber a quantas anda sua startup.
A Pink Farms, contou Rafael, vinha planejando retornar para Jundiaí, sua cidade natal, e escalar a sua produção. Porém, os irmãos fizeram as contas e resolveram dar um passo atrás, ou pelo menos recalcular a rota.
Mateus (à esq.) e Rafael Delalibera, irmãos gêmeos e fundadores da Pink Farms (crédito: acervo pessoal).
Como o galpão que ocupam na Zona Oeste de São Paulo, nos limites de Osasco, era utilizado apenas parcialmente e havia espaço disponível para novas áreas de cultivo, eles decidiram ficar onde estavam e reformar o imóvel. Com a conclusão da obra, prevista para as próximas semanas, o plano é expandir não apenas a quantidade, mas também a variedade de sua lavoura urbana:
“Queremos triplicar nossa produção mensal para 7,5 ou 8 toneladas. E, com isso, fazer o que sempre sonhamos, aumentar o portfólio de cultivos para uma gama completa de folhosas: rúcula, espinafre de salada, agrião, manjericão, salsinha, cebolinha, coentro, hortelã. O foco sempre foi a alface, mais relevante para atender nossa demanda”
A ampliação paulistana vem na esteira de outra decisão difícil, o fim do cultivo de cogumelos em Sorocaba. O processo de produção, e a expertise empregada nisso, segundo Rafael, são muito distintos daquilo que vale para alfaces e demais hortaliças de São Paulo. Entendeu-se que até faz sentido vender cogumelos, utilizando-se da rede de distribuição da empresa – mas não cultivá-los.
Outra novidade, mais simbólica, é a recombinação das lâmpadas de LED azuis e vermelhas responsáveis por emitir a luz rosa – o “pink” da “farms” – no ambiente de cultivo. Optou-se por acentuar o azul, mais confortável para os funcionários que acessam a área, ação possível sem prejuízo da geração de calor e energia fundamentais para o crescimento das plantas.
Por fim, houve uma mudança na liderança. Em outubro de 2024, Geraldo Maia deixou a empresa. Ele era oficialmente o CEO e a figura mais pública do trio de fundadores; entre frases bombásticas, talhadas para o clickbait, chegou a afirmar em uma entrevista que “o [alimento] orgânico é um produto que não deveria existir”.
Rafael, Mateus e Geraldo tinham trabalhado juntos lá atrás, na Mobly, antes de empreender sua fazenda vertical. Assim como o agora ex-sócio (formado em engenharia de produção), os gêmeos que seguem à frente da Pink Farms nunca tiveram grande intimidade com a agricultura.
Os dois irmãos são ambos engenheiros elétricos graduados pela USP com pós-graduação na Technische Universität de Darmstadt, na Alemanha. A formação acadêmica foi valiosa no desenvolvimento, por exemplo, do sistema de iluminação de LED utilizado na Pink Farms.
Essa fase inicial, aliás, explica por que a startup levou dois anos para começar a cultivar as verduras:
“No começo, queríamos fazer tudo, até porque as placas de iluminação para os sistemas que criamos, por exemplo, não existiam no Brasil. Com o tempo fomos passando alguns processos para parceiros. A fabricação das lâmpadas de LED, com nossas especificações, resultou em produtos melhor acabados, mais robustos”
Como em qualquer área, a capacidade de rapidamente escalar negócios é o que torna viável a aplicação e massificação de um novo domínio técnico. As fazendas verticais ainda não se tornaram relevantes no agronegócio muito por conta do custo da energia elétrica.
Há também o desdém governamental, inclusive na esfera municipal, por esse setor, o que se traduz na falta de incentivos fiscais e financeiros. Por fim, os gestores aparentemente não consideram ainda o custo de emissão de CO2 como uma variável crítica, fazendo vista grossa a essa cristalina vantagem competitiva da produção urbana.
O sistema de iluminação de LED foi desenvolvido pelos cofundadores (foto Dan Magatti).
Natural que o setor e a Pink Farms estejam mais próximos do ecossistema de startups do que propriamente dos modelos de financiamento clássicos do agro. Foi o venture capital que em grande medida irrigou seu crescimento, não o programa bilionário Plano Safra e outros subsídios oficiais. E mesmo o “VC” ficou restrito aos financiadores nacionais, diferentemente do que imaginavam os sócios no início.
Até que, finalmente, há cerca de dois anos e meio, uma rodada de captação colocou a bordo da Pink Farms uma empresa de DNA 100% agrícola: o conglomerado gaúcho SLC, ainda que por meio de sua incubada SLC Ventures.
E o venture capital internacional, que poderia ajudar a irrigar a “cena” brasileira, não chegou, entre outras razões, segundo Rafael, por conta do “receio dos investidores em relação às questões regulatórias e tributárias daqui”. Mas não só:
“Houve alguns percalços no caminho. Foram feitos investimentos gigantescos no exterior no intuito de automatizar completamente a produção, e, quando foram ver, a conta não fechou. Para nós não faz sentido automatizar tudo, não compensa substituir processos manuais como o plantio e a colheita”
Se Rafael não vê espaço para a entrada da IA nas fazendas verticais, acredita que há campo vasto para melhora tecnológica dos insumos. Como as sementes, que ele gostaria de ver mais adaptadas às condições de aceleração de crescimento próprias da iluminação artificial. Ou a própria energia, cujo custo Rafael sonha ver despencar um dia com a fusão nuclear, alternativa ainda distante.
Enquanto esse futuro com cara de ficção científica não chega, a startup se vira como pode. Quando, em novembro de 2023, mais um apagão deixou São Paulo sem luz, os gêmeos precisaram recorrer a uma solução ao mesmo tempo antiquada e adequada: compraram um gerador a diesel.
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