“Cresci forte, blindado, porque entendi que ser negro era um privilégio e ser pobre era uma condição que eu poderia mudar”

Marina Audi - 17 fev 2022
Geraldo Rufino, fundador da JR Diesel.
Marina Audi - 17 fev 2022
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Houve um tempo em que assumir a falência ou um tropeço grande nos negócios era vergonhoso. Foi antes do Vale do Silício apresentar o conceito de fail fast – falhe rápido, corrija logo, volte aos trilhos.

Esse tabu nunca rondou a cabeça de Geraldo Rufino, 63, possivelmente porque, para ele, pessoas estão acima de empresas e por acreditar que esse valor tem de ser compartilhado mundo afora. 

Mineiro de Campos Altos, casado com Marlene, pai de Arthur, Guilherme e Gabriela Rufino, Geraldo fala aberta e desembaraçadamente – em palestras, lives e livros (O catador de sonhos e O poder da positividade) – das seis vezes em que quebrou e como se levantou em cada uma delas.

Detalhe: a primeira vez, ele tinha 11 anos e empreendia catando latinhas de alumínio na favela do Sapé, em São Paulo; a mais recente, em 2017, quando entrou em recuperação judicial, da qual já saiu fortalecido, como ele faz questão de dizer. 

O tombo mais impressionante foi o terceiro, em 1985, quando já tinha uma empresa de transportes com o irmão José Rufino. Por conta de um acidente com os três caminhões da frota, como não tinham seguro nem dinheiro, eles tiveram que desmontar os veículos e vender as peças para pagar o financiamento. 

Foi o início da JR Diesel, maior desmontadora de veículos da América Latina, empresa de reciclagem de peças de caminhões, da qual Geraldo é hoje presidente do Conselho. Atualmente, a empresa cresce 30% ao ano e gera cerca de 180 empregos diretos. (Esta história ganha vida na voz do próprio empreendedor, no vídeo de abertura de seu canal do YouTube

Em paralelo à vida de empreendedor, Geraldo entrou, aos 14 anos, como office boy na empresa que viria a se tornar o Playcenter. De lá saiu aos 29 anos, quando ocupava o cargo de diretor de operações, para se concentrar na própria empresa.

Desde 2002, quando permitiu a ascensão do primogênito ao comando da empresa, a principal atividade de Geraldo é também seu hobby: atender pessoas, orientar empreendedores, palestrar. 

Sua filosofia baseia-se em valores humanistas (ética, acreditar em si mesmo, não julgar o outro, conviver com os diferentes, solidariedade e gratidão), além de uma autoestima absoluta.

Leia a seguir a conversa de Geraldo Rufino com o Draft:


Sua família se mu
dou para São Paulo quando você tinha 4 anos, depois de perder uma lavoura de café e vender as terras em Minas Gerais para manter o nome limpo… Pela sua história, parece que empreender foi praticamente sinônimo de sobreviver… ou de viver. Especialmente, porque você diz que “empreender é cuidar de pessoas”. Concorda?
É exatamente esse o meu ponto de vista. Nasci copiando o comportamento da minha mãe, que era “o próprio empreendedorismo”. A minha mentora, a minha coach, foi ela. Então, o que eu vivi até os 7 anos e meio [quando a mãe faleceu] é o que eu tenho de raiz de empreendedorismo.

Todos nós [irmãos] recebemos mentoria da mesma mestra. Uma coisa que para mamãe era condição é o que eu costumo chamar de “democracia cubana” – o direito de concordar (risos). 

Mamãe conseguiu passar pra gente aquilo que ela realmente acreditava: amor, carinho, relacionamento e o que significa ser irmão… é muito mais que uma relação sanguínea. Nós aprendemos isso na base, não tínhamos nem a opção de tentar brigar. Éramos unidos 

O que fortaleceu isso é uma coisa que está muito em moda, que as pessoas falam muito e praticam pouco. Chama-se amor… amor raiz, compartilhado de mãe para filho e de filho para neto. Aí nós constituímos essa força gigante que temos em família

A empresa que você fundou, a JR Diesel foi comandada por você por 15 anos, de 1987 a 2002. Seu primogênito, Arthur, foi CEO entre 2002 e 2020. É quase uma anedota dizer que os fundadores de empresas têm dificuldade de delegar. No seu caso foi diferente?
Sim. Essa dificuldade de delegar é uma cultura que vem de uma falsa crença: acreditar que ninguém vai fazer como você. Eu, a vida toda, entendi que nós somos semelhantes e se um pode, o outro também pode. Quando você compartilha e se solta, você tem a possibilidade do seu sucessor, ou seja, alguém que você preparou, fazer melhor que você. 

Na realidade, essa coisa do delegar eu faço desde pequenininho. Sempre entendi que por uma questão de mobilidade, a possibilidade de ir para próxima fase exigia que alguém ocupasse aquele lugar que eu estava. Senão, eu precisaria voltar! 

Aliás, isso deveria fazer parte das relações humanas. Estão falando muito em inovar o sistema, a máquina. Precisamos inovar a nós mesmos. Como se faz isso? Passando o seu conhecimento, a sua vivência, buscando novos conhecimentos e delegando aquilo que você já fez, para que outros não precisem cair no mesmo buraco que você já caiu 

Então, essa coisa da sucessão, para mim, foi mais suave do que você imagina. Um dia, fui tomar café da manhã com os meus filhos e o Arthur estava sentado no meu lugar habitual à mesa. Aí fui sentar no lugar dele e perguntei: “Por que você sentou no meu lugar?”. Ele respondeu: “Tava na hora da gente mudar de cadeira”. O meu filho do meio, o Guilherme, que é mais comerciante e solto, falou: “Pai, por que você não troca de lugar com ele [na empresa]?” 

Eu perguntei qual era a proposta e o Guilherme disse que o Arthur assumiria e eu ficaria só na retaguarda. Eles me convenceram em meia dúzia de minutos e demoraram meia dúzia de semanas para convencer a mãe (risos)! [Marlene está na empresa há 30 anos] Assim foi possível fazer a sucessão familiar, que é a melhor que tem porque preserva os valores. 

E como é que eu vou saber se o meu filho vai ser um empresário e vai dar continuidade na empresa ou não, depois que eu morrer? Não dá para saber! Tem que ser enquanto eu estou por aqui. Até para permitir que ele quebre, que foi o que aconteceu. Eles se apertaram e eu tive que vir ajudar. Estar aqui foi um privilégio. 

Você falou da Marlene, a sua esposa. Há quantos anos vocês são casados?
Somos casados há 42 anos. A gente trabalhava junto no Playcenter – ela tinha 14 e eu, 21. Começamos a ficar, fomos ficando, fomos morar juntos. Depois de 10 anos, já tínhamos três filhos e para facilitar viagens para fora do país, nos casamos para não ter burocracia. Mas quando fomos morar juntos, pra mim já estava casado. 

Olha, lá no Playcenter, eu fazia uma coisa meio “fora de ponto”… Mas eu fazia, porque eu gosto de dar oportunidade e valorizar o trabalho, a boa vontade das pessoas. 

Quem trabalhava comigo era a irmã dela, que de vez em quando surtava e ia viajar e tal… Elas eram de uma família muito humilde e a irmã não podia perder o emprego… Como elas são muito parecidas, eu deixava que a Marlene substituísse a irmã; aí, na hora que ela teve idade para ser registrada, eu trouxe ela para a empresa (risos)!

Vamos voltar a falar de sucessão. Agora, quem comanda a empresa é o Guilherme, porque Arthur saiu em janeiro de 2021, para empreender a OCTA. Como foi a transição entre os filhos CEOs? Você também acompanhou de perto? Teve outros desafios?
A mesma coisa, só que de uma forma sensacional. Primeiro o Guilherme pôs o Arthur na cadeira e, depois, o Arthur colocou o Guilherme. Eu só assisti de camarote e continuei preservando o relacionamento e os valores. 

Mas, na realidade, o profissionalismo deles começou muito cedo, porque eles vieram para cá [para a empresa], um tinha 7 e o outro 9 anos. Vieram a ter a mesma experiência empreendedora que eu tive quando era pequenininho. 

Eles nunca chegaram a ter curiosidade para saber como é que faz – porque eu matei a curiosidade deles deixando eles virem trabalhar. Isso permitiu que eles conhecessem a empresa desde sempre e pudessem entrar e sair quando quisessem… bastava que estivessem fazendo alguma coisa [de trabalho]. Então, eles conheceram os dois mercados, lá fora e aqui dentro. 

Quando o Arthur escolheu ter o próprio negócio, porque entendeu que já tinha uma parceria para abrir a startup dele, a primeira coisa que fez foi devolver para o irmão aquilo que o irmão tinha dado a ele: o espaço na empresa. Eles são parceiros até hoje porque os negócios têm sinergia 

Meus filhos continuam com a mesma base de valores. Eles podem errar, mas não podem mudar a referência de valores – e têm a grandeza de ouvir quem viveu mais e que quer o melhor para eles. As pessoas acham que uma pessoa está ultrapassada, mas a vivência nunca fica ultrapassada! 

Mesmo com toda experiência acumulada, os seus filhos também passaram por um momento difícil, em 2017 recuperação judicial…
Mais de uma vez. Foram vários momentos difíceis… e como é importante passar por isso em família, todo mundo junto… um passando conhecimento, vivência e apoiando emocionalmente o outro. 

O grande problema do ser humano é o emocional. Se estiver emocionalmente forte, o resto fica fácil, porque técnica todo mundo tem ou aprende. Nós passamos por essa fase e quando chegou a pandemia, que foi um problema para um monte de gente, estávamos emocionalmente fortes, família unida e com humildade para ouvir, reaprender e nunca achar que sabe. 

Isso permitiu que a gente crescesse 39% na pandemia e trouxesse o time junto. Quando você está emocionalmente fraco, acaba contagiando o time, que também baixa a imunidade… 

Na crise, o dinheiro não some, ninguém põe fogo. Ele muda de lugar. Por que algumas pessoas se apertam e outras não? É o ponto de vista. Para onde é que você está olhando? E como é que faz para você olhar para cima se o emocional estiver para baixo? 

Você já disse que começou a palestrar por hobby, para ajudar as pessoas ao transmitir as suas vivências. Hoje, a produção de conteúdo digital canal do YouTube (com 62,6 mil inscritos), Instagram (1,2 milhão de seguidores) e LinkedIn (95 mil seguidores; é LinkedIn Top Voice 2019), o curso/mentoria Superando Crises, newsletter e a comunidade online Clube dos Felizes – os livros e as palestras são um forte braço de negócio tão ou mais importante que a receita de reciclagem de peças automotivas. Você esperava por isso?
Não, não esperava. Nunca criei expectativa: aprendi a não ter expectativa quando a minha mãe faleceu. A enfermeira queria me tirar do necrotério e disse que a minha mãe ia “voltar a ficar quentinha” e voltar para casa. Eu acreditei… 

A enfermeira não fez por mal… E aquilo me deu uma energia para levar a vida suave. Eu não crio expectativa, então, por consequência, não tenho decepção. 

Meus filhos arrumaram isso como um pretexto para me tirar da linha de frente e poderem tocar o negócio do jeito que queriam. Era para eu ter o que fazer, já que eu gostava de pessoas e vivia atendendo gente. Disseram: “Vai escrever um livro!” 

Pra mim, sempre foi um hobby cuidar de pessoas, compartilhar, levar conhecimento, vivências, experiência, aprendizado. Isso é carinho. Sempre gostei desse tipo de empreender 

Aí a coisa foi tomando forma, e eu tinha de pensar que se fosse ficar o tempo todo disponível para isso, ia deixar de ganhar “x” e precisaria, pelo menos, repor alguma coisa. Então, se criou uma situação com cara de negócio – mas nunca deixou de ser hobby, um prazer de servir, atender, compartilhar, somar na vida de outras pessoas… Pensar no país e na sociedade como um todo. 

Entendo que pelo que eu vivi, pelos benefícios que já tive e tenho na vida, eu não faço mais que a minha obrigação. 

Você engaja a audiência – seja em palestras ou redes sociais – com conceitos sobre gratidão, positividade e mindfulness, inclusive em seus livros. A neurociência já comprova que a meditação e as crenças moldam o cérebro tanto para o bem quanto para o mal. Você chegou a estudar esses temas? De onde surge esta sabedoria, que você aplica em sua vida há tanto tempo e transmite a tanta gente?
Em primeiro lugar, eu sempre encarei a minha mãe – que não sabia ler, nem escrever – como mentora. Aprendi a ouvir pessoas que têm sabedoria, o que é uma grande oportunidade de aprender e de se fortalecer. Acreditava muito na minha mãe e ela dizia que eu podia o que eu quisesse. Bastava copiar o que funcionava e melhorar aquilo. 

Ela falava para mim com uma firmeza tão grande do privilégio que eu tinha de ser negro… É impressionante que, morando na favela, eu me olhava no espelho e me achava lindo! Nunca tive problema na vida com isso porque, lá atrás, aprendi a acreditar nisso 

Depois aprendi a ouvir os professores: eles ganham uma merreca para te passar o que tem de melhor, que é o conhecimento – e as pessoas ficam tirando onda, não ouvem. E, depois, aprendi a ouvir o chefe, ao invés de criticar. Eu copiava – e continuei copiando – o líder, o supervisor, o patrão, do mesmo jeito que, na favela, copiava os meninos que davam certo… eu pegava referências. 

Quando tinha 15 anos, ganhei do meu líder um livro chamado 1001 maneiras de enriquecer. Naquele livro descobri que o enriquecimento começa de dentro para fora. Meu líder quis me dizer como eu poderia enriquecer a mente. E, com a mente preparada, você transforma qualquer coisa material no que quiser. 

E quanto à força da gratidão e o poder da humildade versus as consequências da arrogância, prepotência e da intolerância… é aí que aparecem as outras fraquezas: a discriminação e o preconceito. Na realidade, é quando você se acha com poder de julgar. Então, [é praticar] o não-julgar, colocar humildade no lugar da arrogância e da prepotência… é você valorizar o ser humano.

Aprendi muito cedo a conviver com os diferentes, com o outro, admirar e cuidar das pessoas, e não esperar que cuidem de você. É o que, hoje, se ensina na imersão, na meditação, na neurolinguística. Vivo isso desde os 15, porque percebi que funcionava

E tudo que eu testo e funciona, eu vou buscar mais informação para me aprimorar. Aí comecei a perceber o poder que um ser humano tem de transformar e conquistar o que ele quiser. 

Você dá aulas na pós-graduação na PUCRS e na Fael-SP… É sobre gestão, técnicas ou outros temas?
Hoje é muito comum as universidades terem curso de Empreendedorismo. Já perceberam que é uma necessidade para a evolução dos negócios, da produtividade. Então, eu dou aula de empreendedorismo para quem já tem negócio. Falo de vivências e valores. E costumo dizer que nessa fase do novo normal a profissão do futuro é ser um ser humano melhor. 

A oportunidade que temos com a pandemia é olhar para dentro e perceber que a gente estava na direção errada. É hora de perceber que a máquina, por mais que tenha evolução, foi feita para te servir, não o contrário. É uma oportunidade de recomeçarmos um ciclo, procurando ser mais solidários, atender o outro 

Eu não chamo de aula, chamo de bate-papo. Mas é um bate-papo tão profundo, que passa para as pessoas muito mais que técnicas de gestão. Passa experiência e vivência real, com gestão na prática. Tipo assim: dá para colocar em prática as técnicas, mas sem perder a humanização. Dou exemplos de como consigo conviver com técnicas, evolução, inovação, produtividade e ganhar dinheiro, sem perder as pessoas. 

Para mim o básico é o quanto eu consigo fazer as pessoas perceberem que, se fortalecerem o ser humano, o ser humano faz o resto. Você quer fortalecer a sua empresa? Fortaleça as pessoas. A sua empresa é feita de pessoas. 

Nos últimos anos, o mercado passou a falar muito de ESG. Sua empresa flerta com essas práticas desde 1985, porque o core é a reciclagem; mais recentemente, vocês começaram a fazer gestão de resíduos, o que virou uma fonte de renda extra. Você já pensou em apresentar um projeto a um gestor público, pensando no potencial de geração de renda desse setor e na sua vivência de quase 40 anos trabalhando com reciclagem?
Quando você pensa em apresentar um projeto que vai melhorar a vida das pessoas, precisaria ser para um gestor público com mentalidade pública mesmo, e não uma pessoa voltada para os seus próprios interesses. Mas as pessoas do poder público têm buscado melhorar a própria vida, cuidando dos próprios interesses… 

Eu seria, com certeza, voluntário a ajudar [um gestor interessado]. Para mim, ESG tem que existir desde sempre. Que bom que agora existe um braço forte da sociedade exigindo isso para melhorar a sustentabilidade e porque já perceberam que se você não fortalecer o ser, o CNPJ não resolve. 

Faço isso a minha vida inteira, mesmo antes de ter uma microempresa. Quando o negócio era informal, eu já tinha a mentalidade ESG. Agora, quando você já tem um CNPJ e tem um monte de gente nele, não é embaixo do CNPJ. É em cima – porque primeiro vêm as pessoas 

Para mim, ESG é uma prática do dia a dia, até por uma questão de responsabilidade, mas acima de tudo, de humanização. 

Este ano a gente vai ter oportunidade de voltar a escolher governantes. Você acredita que a crise sanitária, a pandemia e tudo que a gente viveu deixou algum aprendizado para que superemos o ódio e a polarização?
É um erro as pessoas não quererem saber de política. Você não vive sem política, política é o jeito de se relacionar com áreas diferentes, pessoas diferentes. E a democracia em que todo mundo participa é o melhor modelo que existe no mundo hoje. Então você precisa participar. 

Agora, não tenho dúvida de que estamos recebendo uma aula de vivência para melhorarmos como pessoas e sociedade. O problema é como, daqui para frente, virão as propostas e até onde você pode confiar que os candidatos vão usar o que aprendemos 

Na hora que você fizer a escolha [de candidato], preste atenção se, dentro da proposta, você sente firmeza de que é alguém que vai usar o aprendizado na prática, para cuidar das pessoas e estar preparado para as adversidades do dia a dia… Porque as crises vão continuar, [novas] pandemias vão chegar.

Não falo de nome, rótulo ou partido. Falo de humanização, de gente. O que podemos fazer para melhorar aquilo em que estamos de acordo? Não “lave as mãos”: quando você foge do problema, ele cresce e engole você. Temos um problema para resolver. Participe, faça boas escolhas. 

Você já disse que a “discriminação é uma insanidade, uma fraqueza humana. Pare de se preocupar com isso. Só não deixe que ninguém ponha isso na sua cabeça.” Você se blindou pessoalmente contra o preconceito, mas essa atitude é o bastante para combater o racismo?
Racismo, preconceito, discriminação, intolerância são fraquezas emocionais humanas que vêm com falsas crenças de lá de trás… Uma criança não nasce assim, ela vai sendo impregnada com essa doença. 

Eu nasci forte, blindado, porque entendi que era um privilégio ser negro, que ser pobre não era um problema e aquela condição eu podia mudar. 

Como dizer que ser menina é um erro? As pessoas precisam olhar no retrovisor e entender que a mulher é superior em tudo que faz. Essa coisa de mulher ser frágil é outra falsa crença. Estão tentando enfraquecer a mulher quando, na realidade, quem manda no mundo é a mulher

Essa situação só muda se [a pessoa] tiver esse emocional forte, se vier de dentro para fora, de atitude própria. Não dá para você ficar esperando uma lei, ou que tenha um movimento, que o salvador da pátria venha acabar com isso. 

Podemos fazer isso, individualmente, nos blindando, acreditando em nós, tendo autoestima – entendendo que a fraqueza é do outro, não é nossa. Eu não dou a ninguém o poder de me incomodar. O outro é que falou, o outro é que pensou… Problema do outro. 

Tem gente da comunidade negra que acha que eu sou contra cotas. Não é isso! São coisas distintas que podem e devem caminhar juntas. As formalidades não só existem, como precisam ser reforçadas, para aquelas pessoas que só entendem a formalidade, a lei e a punição. 

Hoje, [até] por uma questão de inteligência, é preciso aprender a conviver com a população negra e as minorias. Se essas pessoas não tiverem poder, espaço e não consumirem, a economia vai ter um colapso… Porque a maioria da população está ficando sem poder de consumo – e isso é um perigo para a humanidade 

E não adianta ter um barril de dinheiro se você não tem o que comprar, se não tem o que comer… De vez em quando acham que eu sou contra isso [cotas] e, como sou rico, para mim é fácil. Não, não, não! Tudo que está sendo criado são direitos conquistados por conta de algo errado desde lá de trás. Então isso deve ser preservado, fortalecido. Mas ficar esperando por isso, pode ser que o seu tempo acabe e não chegue para você. 

Então, cara, olha para dentro e começa a fazer a sua parte. Qual é a sua parte? Acreditar em você. Aí você começa a transformar de dentro para fora.

Você conta que sempre trabalhou mais de 12 horas por dia. Por outro lado, soube que gosta de música, em especial de dançar samba-rock… Com o meu pai e minha mãe eu não aprendi só valores, responsabilidade, seriedade, família. Eu aprendi a ser feliz. Eles dançavam, tocavam, eram componentes de Folia de Reis [festa católica que comemora a visita dos três Reis Magos], que sai de porta em porta. Meu pai é tocador de sanfona, meu irmão toca violão. 

Quer dizer, nós éramos felizes. E uma das maneiras de você extravasar felicidade é dançando e cantando. Eu aprendi a dançar muito cedo. Fui passista de escola de samba, fui três vezes campeão de samba-rock, adoro tango. 

A música mexe com o corpo, com a alma, mexe com a sua espiritualidade, te resgata alegria e felicidade, te faz sorrir. Isso para mim é um hobby para vida inteira. De vez em quando me pego dançando no banheiro, não tem tempo ruim 

Eu mudei de endereço, mas não mudei a essência dos meus valores. A base deles e do meu propósito é a felicidade. E a felicidade é uma coisa muito simples, porque ela caminha com você o tempo todo.

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