“Os problemas do setor financeiro no Brasil estão muito longe de acabar. Há bastante espaço para vários tipos de fintechs”

Bruno Leuzinger - 5 maio 2020
Ingrid Barth, cofundadora do Linker e diretora da ABFintechs
Bruno Leuzinger - 5 maio 2020
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Na quinta, 12 de março, fim da tarde, a empreendedora Ingrid Barth, cofundadora e COO do Linker, estava em Belo Horizonte esperando o voo de volta para São Paulo quando soube que o Cubo — o centro de empreendedorismo na Vila Olímpia onde sua fintech estava baseada — entraria em lockdown após a confirmação de um caso de Covid-19. Todo mundo teria de evacuar o prédio em minutos.

“Voltei para São Paulo sem escritório”, diz. “No dia seguinte, eu e meu sócio sentamos para organizar o trabalho remoto.”

Desde aquele dia, as 23 pessoas do time da fintech estão em home office. Para Ingrid, uma economista e engenheira que antes de empreender trabalhou muitos anos em bancos de investimento, a experiência é nova. “Eu nunca tinha feito home office na minha vida. Falar nisso era até um ‘crime’ dentro do mercado financeiro.”

Foi ao deixar o setor financeiro tradicional e topar um emprego numa primeira fintech, a Neon (que já foi pauta aqui no Draft), com a missão de estruturar uma área de clientes PJ, que Ingrid despertou para o problema da bancarização dos pequenos empreendedores. Depois, e a convite do sócio David Mourão, ela cofundou o Linker, residente no Cubo desde janeiro de 2019.

A seguir, Ingrid, que é também diretora da ABFintechs, fala sobre sua trajetória profissional, a atuação de sua empresa, a expansão do mercado de startups de setor financeiro e os desafios e oportunidades trazidos pela Covid-19.

 

Como foi sua jornada profissional, antes do Linker?
Eu vim de mercado financeiro tradicional. Fiquei três anos no Santander, na parte de Tesouraria, Investimento, depois fui para o JP Morgan, fiquei quase dez anos lá. Aí, fiz um MBA em empreendedorismo e inovação, e tive contato com as novas formas de empreendedorismo digital, startups, Vale do Silício, como era esse modelo de negócio, de investimento… 

No MBA, você tinha que montar um projeto de startup. O projeto que eu montei era o que hoje a gente chama de fintech, na época o termo ainda não era tão divulgado. Era uma fintech de arte como investimento — obras de arte mesmo, para diversificar o portfólio. E esse projeto recebeu o primeiro lugar no Fórum de Empreendedorismo da FEA, isso me deixou super empolgada. 

Eu estava já há bastante tempo no JP… Estava onde eu queria, mas não via mais propósito no que estava fazendo. Não tinha certeza absoluta do que queria fazer — mas tinha certeza absoluta do que eu NÃO queria fazer: continuar no mercado financeiro como eu o conhecia, muito tradicional

E aí fiz um mini sabático, viajando quatro meses pela Ásia, sozinha. Brinco que não encontrei a “paz interior”, é tudo mentira (risos). Mas foi bom, foi um tempo que eu tive para mim mesma, para conhecer lugares, dar uma desintoxicada. Quando você está [sempre] no mesmo ambiente, dificilmente consegue pensar coisas diferentes. 

E depois desse sabático? Como você retomou a carreira?
No meio do caminho, me acessaram através do LinkedIn para montar a área de pessoa jurídica da Neon. Era uma fintech pequenininha ainda, tinha 40 pessoas quando entrei, cresceu superrápido. E eles estavam identificando uma oportunidade em PJ, mas precisavam de alguém com a minha expertise de corporate para montar, estruturar — e validar se de fato havia essa demanda.

E aí a minha bolha estourou. Eu estava acostumada a lidar com clientes corporativos, porém na área de corporate, gigante: clientes super bem tratados e superdisputados por todos os bancos. E aí conheci um lado muito triste do mercado financeiro, a questão dos desbancarizados, dos mal bancarizados, que têm muita dificuldade de acesso a serviços financeiros — e quando têm acesso é muito caro 

O empreendedor tem muita dificuldade de abrir uma conta, quando abre é muito caro, o relacionamento [com o banco] não é bom, a experiência que ele tem desde o momento em que abre a conta é ruim, os serviços ainda são muito offline, então muita coisa você só consegue resolver indo na agência… Empreendedor não tem tempo de ir na agência! E esse negócio de funcionar só em horário comercial — aliás, nem isso, fecha às quatro da tarde — também não ajuda.

Então, quando estava construindo esse produto [na Neon], percebi essa demanda absurda de contas PJ. E me apaixonei por esse problema. 

E como essa descoberta e essa trajetória enfim desembocaram na fundação do Linker?
Recebi uma proposta para ir para uma nova fintech e saí do Neon depois de um ano e dois meses, muito porque não via tanto futuro nesse projeto de pessoa jurídica lá dentro, a vertente PF era muito forte, e aquilo me deixava angustiada.

Fiquei pouco tempo [no novo emprego], porque na sequência conheci o David [Mourão], meu sócio no Linker. Ele fez MBA nos Estados Unidos, trabalhou lá no mercado financeiro. E quando voltou ao Brasil, já veio com a cabeça de empreender em fintech, tinha acabado de ser lançada a Brex, fintech de cartão de crédito corporativo [fundada nos EUA pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi]. 

Ajudando um amigo com um projeto, o David sentiu uma superdificuldade de abrir uma conta. E aí ele veio muito com esse questionamento: “poxa, já tem algumas boas opções de contas digitais PF… Por que não tem de PJ?” E esse amigo em comum sabia que eu tinha construído a área de PJ do Neon e nos apresentou. 

Eu super incentivei, disse que tinha demanda pra caramba, que o mercado estava carente de boas soluções, que quem fizesse direitinho ia “nadar de braçada”… Mas completamente na inocência, porque eu estava com outros planos

Um mês depois, o David me chamou para conversar e me convidou para ir para a luta com ele. E desde então estamos aí, firmes e fortes nessa aventura que é empreender. 

É muito bom, sou muito feliz com o que faço, porque sentia que se precisava de uma solução dedicada a PJ — e não uma fintech PF que depois vira uma conta PJ. Não. Um banco digital focado no empreendedor, que entende suas dores e sabe do que ele vai precisar no dia a dia.

Além desse olhar dedicado para PJ, que outros diferenciais você vê no Linker?
É uma conta digital completamente sem custo, sem taxa de abertura, de encerramento, que te dá uma liberdade muito grande… Somos um aplicativo e [plataforma] web, o que é um diferencial: um empreendedor não necessariamente quer que a pessoa responsável pelo financeiro fique andando com o aplicativo da conta no celular dela… Vimos que isso era uma dificuldade e já nascemos polivalentes nesse sentido.

Além disso, o atendimento é um dos nossos orgulhos, nosso time de atendimento é próprio, nunca contratamos nem vamos contratar call center… Não, são pessoas superdedicadas, formadas, cada uma sua especialidade, não temos um script para falar com o cliente, não acreditamos nesse modelo de script. E é um atendimento super leve, para resolver o problema, isso promove muito a experiência do cliente.

Houve um choque cultural ao migrar para o mundo das fintechs depois de tanto tempo trabalhando em instituições mais tradicionais? Ou os bancos já vinham antenados com isso, e esse choque talvez não tenha sido tão grande?
Foi bastante chocante (risos). Não gosto muito dessa palavra, mas é uma completa mudança de mindset. Porque a startup de maneira geral tem outro ritmo. 

Eu estava acostumada com mercado financeiro, o ritmo sempre foi muito pesado, sempre trabalhei muitas horas, longas jornadas, durante muito tempo. Mas o ponto é que dentro de uma instituição financeira você tudo ali, tem uma área de RH específica, tem todo um cuidado com o trabalhador, até por legislação bancária… Tem processos muito bem estabelecidos, de longuíssima data, e de conhecimento de todos, então é muito, muito mais organizado.

Quando você vai para uma startup, seja uma fintech ou qualquer outra, por maior que ela seja, as coisas são vistas de maneira diferentes. Home office, por exemplo, eu nunca tinha feito na minha vida, falar nisso era até um “crime” dentro do mercado financeiro… Agora, em startup é supernormal, principalmente em áreas de tecnologia. Tem também todas essas metodologia ágeis de trabalho… Aprender tudo isso tinha que ser de “golão” mesmo, é muita coisa para absorver. 

É aquele negócio do “caos criativo”. Não tem uma área de RH em que você vai para saber do seu benefício, no máximo uma ou outra pessoa que às vezes ajuda, mas até você estruturar uma área de RH, um departamento financeiro, demora um pouco… Lidar com essas diferenças no dia a dia foi muito chocante. “Ah, para quem eu falo?” Para ninguém! Você vai lá e faz

E a proximidade [em startups] entre os fundadores e os líderes, diretores, é muito bacana… As coisas tendem a ser muito rápidas. E você também precisa ser rápida para pegar esse dinamismo e não “burocratizar” processos que não são e não precisam ser burocráticos. Então é bem bacana quando você faz essa migração.

A restrição ao home office no setor financeiro tradicional se deveria sobretudo à questão da segurança de dados?
Tem isso também. Mas você precisava ser visto trabalhando, sabe? As pessoas trabalhavam muuuito, mas [além disso] precisavam mostrar que trabalhavam muito, porque senão gera até um problema com o colega: pôxa, como é que eu estou trabalhando desse jeito e a outra pessoa está trabalhando de casa…? Na minha época, quase ninguém fazia home office lá. Você não podia nem sugerir, porque talvez não fosse bem visto. Agora [com a pandemia] não sei como estão fazendo…

Você também é diretora da ABFintechs. Como avalia a evolução do mercado de fintechs no país, sobretudo nesse ano e meio desde a fundação do Linker? Há uma saturação?
Hoje, são aproximadamente 400 associadas [na ABFintechs], e a gente estima que no mercado deva ter por volta de 800 a mil… Muita fintech nem sabe que é fintech. Apesar de estarmos falando muito mais agora [nesse tema], ainda é um termo muito novo.

Os problemas estruturais de setor financeiro no Brasil estão muito longe de acabar. As fintechs estão se estruturando mais, tem mais gente interessada em ser empreendedor em fintech, mas ainda há bastante problema para resolver, então não vejo uma saturação.

Pelo contrário: acho que ainda há bastante espaço para vários tipos de fintechs. Por exemplo, de câmbio, seguros… Ainda precisamos de um avanço da legislação para permitir que mais fintechs dessas verticais apareçam

Hoje a maior parte das fintechs é de pagamentos, porque a primeira legislação que andou no sentido da inovação e que permitiu que houvesse mais fintechs [foi a legislação ligada a meios] de pagamentos. São todas essas contas digitais que a gente vê, o mercado de adquirência, de maquininhas… 

A segunda vertical com mais fintechs é empréstimos. Mas ainda temos quase metade da população brasileira desbancarizada, e por consequência disso 70%, 80% da população ainda sem acesso a crédito… Então tem muita coisa para ser disruptada ainda.

De que forma a pandemia da Covid-19 vem afetando o cenário de fintechs no Brasil e no mundo? Em termos de oportunidades e desafios?
As fintechs são pequenas e médias empresas, então seria bastante ingênuo achar que elas não estão sendo afetadas [negativamente]. Mas, na contramão disso, agora [todos] temos que ser digitais. 

Os processos já vinham caminhando em relação a banco digital, a convencer as pessoas de que o digital é seguro, às vezes até mais seguro que o presencial, a mostrar para as pessoas que elas não precisam mais ir fisicamente na agência… Tudo isso está sendo acelerado agora. Essas bandeiras da bancarização, da educação financeira, foram aceleradas com a Covid. 

Se tem uma coisa boa em tudo isso é corroborar que o digital definitivamente é o novo ambiente — isso para tudo, mas especialmente para o setor financeiro através de aplicativos. E que o atendimento pode ser bom da maneira virtua. Então, isso gera muita oportunidade.  

Especialmente as fintechs de crédito estão sendo superacessadas neste momento… Os bancos tradicionais fecharam a torneira. Numa crise séria, é normal ficar receoso, um pouco mais arredio até. Então, está sendo uma excelente oportunidade para as fintechs de crédito, elas estão sendo demandadas para essas linhas

Um ponto para o qual precisamos encontrar uma solução, que é uma reinvindicação das próprias fintechs de crédito, é tentar subsídios do governo através das fintechs. De que maneira? Com dinheiro de BNDES, dinheiro de coronavoucher passando por fintechs também. Dia sim, outro também, estou falando com o Banco Central para ver de que forma conseguimos usar as fintechs como meio. 

A própria Caixa, com o coronavoucher, não está dando conta, e não por “maldade” ou porque não está preparada, é um banco que está há anos aí. Só que a demanda é tão grande que sobrecarrega esses sistemas, aí muita gente vai para a agência, faz fila, então não está cumprindo isolamento social… Por que não já utilizar a tecnologia e os produtos das fintechs para ajudar no momento de pandemia?

A crise deve acirrar uma disputa com os bancos tradicionais? Ou, ao contrário, é um momento propício para estimular a colaboração?
O que queremos é a colaboração. Nunca pleiteamos “derrubar” um grande banco. E mesmo na parceria, enxergamos que tem muito mercado. Há bastante problema “buscando” boas soluções, então o convívio amigável entre fintechs e bancos é essencial. 

Costumo dizer que “ninguém é bom o tempo todo para todo mundo”. As fintechs são muito nichadas, acabam atingindo determinados nichos que não são bem atendidos pelas instituições financeiras tradicionais, então mesmo que tenha muita fintech, há muito mercado para ser desenvolvido. 

Brinco que banco quer ser fintech e fintech quer ser banco, mas é sempre nesse sentido de permitir a inovação através das fintechs, corroborar, fazer parcerias, porque muitas vezes é mais fácil para um banco atingir determinados públicos através de uma fintech que já tenha tecnologia do que desenvolver essa tecnologia. 

E esperamos muitos M&As [do inglês “Mergers and Acquisitions”, Fusões e Aquisições], possivelmente vai ter uma consolidação nesse sentido. Tanto fintechs grandes comprando menores que são estratégicas, quanto bancos investindo em fintechs para desenvolver setores que eles não conseguem desenvolver tão bem.

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