Neste ano, a Lei 10.436, que estabelece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como idioma oficial do Brasil, completa 20 anos. Nessas duas décadas, a lei ajudou a dar visibilidade a uma comunidade de cerca de 10 milhões de surdos.
Há quase 7 anos, uma outra lei ampliou esse impacto. Além do estabelecimento de uma série de direitos, como ao atendimento prioritário e à inclusão escolar, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência determina que sites de órgãos públicos e de empresas sejam acessíveis a pessoas com deficiência.
No país, quase 24% da população declara ter algum tipo de deficiência, segundo dados do Censo 2010. Em uma reanálise feita em 2018, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indica que, daqueles 45 milhões, 12,4 milhões têm impossibilidade ou grande dificuldade de realizar tarefas por causa da deficiência.
A terceira edição da pesquisa de Acessibilidade da Web Brasileira, feita no ano passado, identificou uma melhora discreta na acessibilidade da internet brasileira, mas ainda assim o total de sites totalmente acessíveis não chega a 1 em cada 100 analisados: apenas 0,89% das plataformas tiveram sucesso em todos os testes aplicados. Em 2020, esse percentual havia sido de 0,74%. Aplicativos também foram testados.
A pesquisa foi conduzida pela BigDataCorp, em parceria com o Movimento Web para Todos, e analisa a experiência de uso de sites e aplicativos por pessoas portadoras de deficiência no país.
Os dados mostram o tamanho do desafio que o país –e todos nós—precisamos enfrentar. Quem tem colaborado para que empresas e órgãos públicos cumpram essa meta é a startup alagoana Hand Talk, maior plataforma de tradução automática para Línguas de Sinais do mundo.
No centro desta mudança está um publicitário eleito um dos 35 jovens mais inovadores do mundo pelo MIT, Ronaldo Tenório. Em fevereiro, ele também foi escolhido como Empreendedor do Ano pela consultoria EY, em mais um de diversos prêmios que ele e a Hand Talk acumulam –incluindo o de melhor app social do mundo pela ONU.
CINCO FACULDADES E A PAIXÃO POR UNIR COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA
“Na minha concepção, precisamos cavar mais fundo. Eu sempre tentei ir além do que a maioria faz”, diz Ronaldo Tenório, 36, CEO e fundador da Hand Talk. Ele passou por cinco faculdades, incluindo ciência da computação, até se formar em publicidade. Foi quando, então, conseguiu unir comunicação e tecnologia. Desde a adolescência, porém, ele sabia que se tornaria um empreendedor e que as questões sociais eram parte relevante dos seus interesses.
“Eu sempre pratiquei essa empatia de entender o mundo ao meu redor e pensar como eu poderia deixar um legado. Eu nasci e moro em Maceió e nunca me deixei acreditar que a barreira geográfica, por algum motivo, iria impedir que eu pudesse ganhar o mundo e colocar as ideias para além do lugar em que eu vivo.”
Apesar de gestava durante a faculdade, a ideia de um aplicativo que permitisse traduções digitais e automáticas em tempo real para Libras nasceu dentro de uma agência de comunicação que ele tinha criado ainda na graduação.
A ficha sobre a relevância do empreendimento caiu quando eles viajaram para Abu Dhabi, há 9 anos, para concorrer a um prêmio que era “o Oscar dos aplicativos”, concedido pela ONU, com mais de 15 mil inscritos de mais de 100 países. “Ganhamos como melhor app social. Ali eu percebi que estávamos na direção certa.”
Os prêmios fizeram Tenório perceber que o que estava construindo era relevante, contava com validação externa e exigia responsabilidades. Então ele vendeu sua participação na agência de comunicação para se dedicar exclusivamente à startup, ao lado de Carlos Wanderlan e Thadeu Luz. Um investimento-anjo deu suporte à empreitada.
ESG TRAZ CONSCIÊNCIA SOBRE O TEMA PARA AS EMPRESAS
O principal serviço da Hand Talk é um aplicativo gratuito que funciona como uma espécie de “Google Tradutor” para a língua de sinais. Basta digitar ou falar e o Hugo ou a Maya, que são os avatares de tradutores digitais, traduzem o conteúdo para Libras ou para ASL, a língua americana de sinais. O aplicativo já conta com mais de 5 milhões de downloads.
Já para as organizações que querem se tornar mais inclusivas, a Hand Talk oferece um plugin para que o site da empresa se torne mais acessível. Entre os clientes, estão grandes empresas como O Boticário, Unimed, Magalu, Chevrolet e Bradesco, entre outras.
“Eu já ouvi muito: ‘Ah, esse não é meu público’. Mas hoje é uma questão de posicionamento: a empresa ser vista como uma marca que se preocupa com as pessoas transcende ‘esse não é meu público’.”
Existem vários serviços de acessibilidade disponíveis, inclusive gratuitos, para as organizações que querem dar o primeiro passo. São recursos como ajuste de contraste e fonte ou mesmo a hashtag #paracegover.
Nos últimos três anos, navegar por esse universo tem ficado mais fácil. “Quando a gente estava começando, o vento soprava muito contra. As organizações não sabiam que eram inacessíveis, inclusive diziam que não tinham problemas de acessibilidade. O ESG, que chegou tarde, mas veio para institucionalizar práticas para um capitalismo mais consciente. Pela primeira vez, depois do início da agenda ESG, o vento começou a soprar à favor”, conta Tenório.
Durante esse período, a Hand Talk, que se tornou uma grande referência no debate sobre acessibilidade digital, dobra de tamanho a cada ano e planeja fechar 2022 com uma equipe de 100 funcionários.
“As marcas perceberam que ser acessível é uma oportunidade. Pela primeira vez em muitos anos começaram a unir ESG à lucratividade, que era o grande argumento que as organizações precisavam ter.”
Além da oferta dos serviços, a startup também ajuda a transformar o mundo na medida em que amplia a discussão sobre acessibilidade. Uma das questões mais recorrentes é: mas o surdo não enxerga, por que tornar um site acessível para ele? Boa parte dos surdos, explica Tenório a qualquer interlocutor, tem dificuldade de entender o idioma de seu país justamente por ter sido alfabetizado na língua de sinais como primeira língua. “Então muitos sites estão offline para os surdos, é como ter uma loja física e manter a porta trancada. Mas, de forma escalável, o Hugo e a Maya pode estar em milhares de sites ao mesmo tempo.”
Tendo como cliente a Prefeitura de São Paulo, Tenório também vê potencial de expandir a inclusão em sites de órgãos públicos. “Foi um marco para a gente ter todas as secretarias da Prefeitura de São Paulo acessíveis. Como empreendedor social, eu tenho que ser referência para os empreendedores que estão chegando. Passei por aceleradoras de impacto e agora ajudo outros. Assim como eu era carente de referências, tenho a missão de fazer outras pessoas seguirem nesse caminho. A Prefeitura de São Paulo também está fazendo isso.”
FUTURO ENVOLVE MECADO DOS EUA E NOVO RECURSO PARA LIBRAS
Em 2020, o aplicativo da Hand Talk passou a ser oferecido para o público americano. A ideia é entender as necessidades e dificuldades e medir a demanda naquele país para, eventualmente, também oferecer o plugin para as empresas dos Estados Unidos.
Já para o Brasil, a Hand Talk concentra hoje seus esforços no desenvolvimento de uma nova tecnologia. Chamada de “motion”, ela é baseada em reconhecimento do movimento de língua de sinais, que passa a legendar ou oferecer áudio do conteúdo. “Isso é talvez o mais complexo produto que já fizemos. Vai estar em breve embarcado em nossas soluções, para, a partir da outra via, fazer com que o surdo seja compreendido. Com isso, a gente quebra outras barreiras”, diz Tenório, assinalando que a tecnologia já está em fase de testes e deve ser lançada ainda este ano.
“Quando eu comecei a empreender há dez anos, tudo era mato em acessibilidade digital. Não existia praticamente nada e fomos com bússola e facão na mão. Hoje, temos inteligência artificial, que baseia nossas soluções desde 2016, e vemos um avanço absurdo de tecnologia.”
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