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Inclusão na escola: eles criaram uma plataforma que em 30 segundos adapta provas e lições de casa para alunos neurodivergentes

Maisa Infante - 5 maio 2025
Cadu Arruda (à esq.) e Fábio Tavares, os fundadores da Prova Adaptada.
Maisa Infante - 5 maio 2025
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Imagine como é ouvir de um terapeuta que o seu filho jamais conseguirá ir para a universidade. Foi exatamente isso que aconteceu com Fábio Tavares.

Pai de dois jovens – um com Transtorno do Espectro Autista e outro com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) –, ele passou anos com aquela sentença na cabeça. 

Contrariando a previsão, seus filhos hoje estão na faculdade. Fábio, por sua vez, trabalha diariamente para ajudar as escolas a incluírem os estudantes com esse perfil. Aos 55 anos, ele é cofundador e CTO da startup Prova Adaptada, que em apenas 30 segundos adapta provas e atividades pedagógicas autorais para atender as necessidades de alunos neurodivergentes.

Ao lado de Fábio nessa empreitada está Cadu Arruda, 50. Cofundador e CEO da Prova Adaptada, Cadu é um apaixonado por educação:

“Percebemos um gargalo no dia a dia do professor, que era justamente adaptar as provas para os alunos neurodivergentes”

Cadu explica como surgiu a sacada que levou à criação da startup. “As coordenadoras nos diziam que não podiam cobrar dos professores essa adaptação porque a maioria não tem formação para isso”, diz. “Não foi uma ideia revolucionária; a gente viu o gargalo, atacou e resolveu.”

Os sócios se conheceram no ambiente corporativo, quando trabalhavam na Dotz. Cadu atuava no jurídico e Fábio, na área de tecnologia. Mantiveram a amizade fora da empresa e se juntaram novamente em 2023 para desenvolver a startup. 

Lançada em agosto de 2024, a Prova Adaptada hoje atende 50 escolas particulares, presentes em São Paulo, Manaus, Porto Alegre e no Ceará. Entre os clientes estão Rede La Salle, Fundação Zerrenner e Colégio São Francisco Xavier.

A ADAPTAÇÃO MANTÉM A ESSÊNCIA DA PROVA, MAS TORNA A ATIVIDADE MAIS ACESSÍVEL AOS ALUNOS NEURODIVERGENTES

A plataforma é um Saas (Software as a Service): a escola paga uma assinatura mensal — os sócios preferem não divulgar o valor — e pode disponibilizar o recurso para todos os seus profissionais.

Fábio diz que o sistema foi pensado para ser intuitivo e simples. O(a) professor(a) inclui na plataforma a prova ou atividade pedagógica e define, em um seletor, para quais tipos de neurodivergências quer adaptá-la. 

A versão adaptada fica pronta em 30 segundos e obedece um protocolo desenvolvido por uma equipe multidisciplinar e validado por 20 universidades – incluindo USP, Unicamp, Unesp e Unifesp – e pela ABD (Associação Brasileira de Dislexia). 

Essa adaptação mantém a essência e grau de dificuldade daquela prova, mas transforma as questões ou atividades para serem mais acessíveis aos alunos neurodivergentes.

“Além da velocidade e agilidade, a plataforma traz padronização, o que também é importante”, diz Fábio. E explica:

“Quando o professor faz a adaptação manualmente, o aluno recebe cada prova de um jeito, o que não é bom. O que fizemos foi padronizar não só o processo, mas também o resultado que o aluno vai receber, sempre de acordo com o protocolo científico que seguimos”

Hoje, a plataforma contempla neurodivergências como TEA, TDAH, dislexia, baixa visão e discalculia (transtorno que afeta o desempenho e aprendizagem de matemática).

A ideia é incorporar continuamente novas condições, e a próxima deve ser altas habilidades, em que o estudante demonstra elevado potencial acadêmico, intelectual, psicomotor ou de outro tipo. 

Existe, ainda, uma possibilidade de customização, quando a escola tem alguma necessidade mais específica. Neste caso, eles levam a demanda aos consultores especialistas, para que esta customização respeite o protocolo científico.

SEGUNDO A STARTUP, OS PROFESSORES RELATAM UM “ENGAJAMENTO ENORME” DOS ALUNOS

Para os fundadores, a plataforma traz benefícios a todos os envolvidos no sistema educacional. 

As escolas conseguem atender de forma mais eficiente a determinação legal de adaptar provas e atividades para alunos neurodivergentes. Já os professores, diz Cadu, economizam tempo na hora de preparar as provas:

“Com isso, o professor pode estar focado na classe, em estratégia, em outras atividades pedagógicas, em conversar com os pais… Então, ele não fica o fim de semana inteiro fazendo prova. É muita eficiência para cobrir o número avassalador de neurodivergentes que estão chegando às escolas”

Segundo o Censo de Educação Básica, em 2017 havia 90 mil alunos com TEA matriculados nas escolas do Brasil em salas comuns. Em 2023, esse número já era de 607 mil. O maior crescimento se deu de 2022 para 2023, com 200 mil matrículas. 

De acordo com Cadu, os professores que fazem uso da plataforma relataram “um engajamento enorme dos alunos, que tiveram a oportunidade de fazer a mesma prova da classe e sentiram super valorizados por isso”.

E os alunos que não são neurodivergentes também se beneficiam da inclusão, na medida em que têm a oportunidade de conviver com as diferenças. “Os alunos típicos precisam conviver e saber conviver com os atípicos, já que ali na frente, eles vão se encontrar nas empresas”, diz o CEO. 

COMO OS SÓCIOS MIGRARAM DA CARREIRA CORPORATIVA PARA O EMPREENDEDORISMO DE IMPACTO

Formado em direito, o paulistano Cadu começou a perceber que havia uma oportunidade de mercado na área de educação inclusiva.

Essa percepção surgiu do convívio com educadores na família, incluindo sua esposa, Regina Fagotto, pedagoga e fonoaudióloga com experiência em educação inclusiva (mais tarde, Regina lideraria o time que veio a desenvolver a plataforma).

Como já tinha vontade de empreender, Cadu convidou Fábio para ser seu parceiro na missão. Fábio conta que aceitou na hora: 

“É muito difícil um pai atípico não comprar a causa quando o assunto é inclusão. Talvez por isso, as soluções voltadas para neurodivergentes normalmente têm pais ou parentes de neurodivergentes envolvidos… Eles acabam ficando tocados, sentem toda dificuldade e tentam, de alguma forma, trazer soluções para o mundo” 

Natural de Maringá (PR), Fábio é formado em ciência da computação pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e tem experiência na área de tecnologia de empresas como Stone e Grupo Pão de Açúcar

Durante um ano, ele trabalhou no desenvolvimento da plataforma, que ainda hoje passa por adaptações constantes. Esse aperfeiçoamento acompanha o feedback dos diretores, coordenadores e professores das escolas, que expõem suas necessidades do dia a dia e compartilham tendências pedagógicas. 

No começo, por exemplo, o foco da startup estava nas provas do ensino fundamental. A partir do apontamento dos profissionais de que o número de atividades era muito maior do que de provas, eles evoluíram o sistema para também adaptar tarefas pedagógicas, incluindo lições de casa. 

Ao ver que existia um grande número de crianças neurodivergentes matriculadas na educação infantil, a plataforma passou a atender também essa faixa etária. Agora, eles já miram até as universidades, que relatam estar recebendo um número grande de alunos neurodivergentes. 

AGORA, ELES PROJETAM EXPANDIR A SOLUÇÃO PARA ESCOLAS PÚBLICAS E CAPTAR INVESTIMENTO

Para dar um salto e impactar (muito) mais gente, o desafio da Prova Adaptada é levar a solução às escolas públicas do Brasil. 

Segundo o Censo Escolar 2023, existem mais de 178 mil escolas de Educação Básica (Infantil, Fundamental e Médio) no país. Quase 80% delas são públicas. Cadu afirma:

“Queremos muito escalar para a educação pública para fazer a diferença, porque ali é a ponta que mais precisa”

Ele conta que estão conversando com “algumas prefeituras” para entender como é o processo, em geral mais burocrático do que aqueles feitos com a rede particular. 

“Uma vantagem é que não precisamos passar por licitação, porque não temos concorrentes”, diz Cadu. “Então, tem aquela inexigibilidade que permite a gente ser contratado rápido.”

Juntos, os empreendedores investiram até aqui 1 milhão de reais na startup. Eles dizem que já foram procurados por investidores interessados em aportar grana na Prova Adaptada. O importante, diz Fábio, é expandir sem perder de vista a proposta do negócio:

“O nosso foco é fazer neurociência e pedagogia andarem juntos e não deixar nenhum aluno para trás”

Olhando para trás, ele afirma que se a Prova Adaptada existisse na época em que seus filhos eram crianças, poderia ter lhe poupado muita dor de cabeça: 

“Sempre que mexo na plataforma, penso nisso. Mas é algo que faz parte da evolução”, diz Fábio. “Agora, quando vejo que o ensino infantil está com muito mais alunos diagnosticados, fico feliz porque as famílias não terão que passar por tudo que eu passei.”

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