Marcelo Nakagawa, 48, respira empreendedorismo e inovação desde 2000 (ou, a rigor, desde que entrou na faculdade — a FEA-USP –, em 1989).
A relevância das instituições onde dá aulas – Insper, FIA, Fundação Dom Cabral, Fundação Vanzolini, Instituto Butantan – e a atuação no mercado como advisor de corporações e mentor de startups lhe valeram o respeito e o título informal de guru da inovação. Mas ele refuta o rótulo, e diz que aprende mais do que ensina.
Nesta entrevista ao Draft, Marcelo conta como tomou contato com o tema, afirma que boa parte das empresas “não quer inovar de verdade”, avalia o estágio atual do ecossistema de empreendedorismo do país (e os impactos da polarização política sobre esse ecossistema) e revela sua impressão sobre a fama do brasileiro ser criativo — e o que nos falta enquanto empreendedores.
Quando você se deu conta, pela primeira vez, do que era inovação?
Eu trabalho com inovação desde o momento zero de minha carreira. Iniciei em banco de investimento e, naquele momento [em 1990], trabalhávamos com operações estruturadas. Basicamente, eu cuidava de projetos associados a novas tecnologias: aviação, estação rádio base [equipamento que faz a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica].
Então, obviamente, eu tinha de estudar novas abordagens, tecnologias e modelos de negócios. É que naquele momento, não dávamos tanto valor para isso. O termo inovação é muito mais recente, começa a aparecer de uma forma mais estruturada e organizada nos últimos 20 anos.
Por que e quando surgiu o termo “inovação” para algo que já existia: a pesquisa de novas tecnologias?
Historicamente, o papel da inovação começa a ser defendido por um economista chamado Joseph Schumpeter, na década de 1950, nos Estados Unidos, quando ele cria o conceito de destruição criativa – é importante destruir para que surja algo melhor do que existia antes.
Sob o ponto de vista das empresas, e é aí que eu entro, temos um processo de evolução dos padrões de competição. Começamos com um padrão de competição baseado em custo: aquele que vende mais barato é mais competitivo. A partir da década de 1980, a qualidade passa a ser um grande diferencial.
Quando a qualidade aumenta demais, as empresas começam a migrar o padrão de competição para flexibilidade, que é customizar coisas e atender nichos específicos. Aí veio a competição por rapidez, com o método “just-in-time”. E mais recentemente, a inovação passa a criar vantagens competitivas de uma forma bastante forte e visível.
Você costuma falar de inovação tanto para jovens em formação quanto para profissionais maduros, que já estão no mercado há algum tempo, e ainda para executivos C-level. Quais são as diferenças nesses diálogos?
Com o público mais jovem, o meu foco é sempre fazer com que eles olhem a inovação como uma oportunidade para desenvolver carreiras. Essas carreiras serão efêmeras, vão durar três ou cinco anos e depois a pessoa vai ter de se reinventar.
A minha função é mostrar várias coisas que estão acontecendo, as que já aconteceram e falar como se pode desenvolver uma carreira ou um negócio baseado nessas mudanças drásticas. É tirar aquele mindset antigo de carreirismo em profissões que, muitas vezes, desaparecerão pelo uso da tecnologia, e incentivá-los a já migrar para essas novas profissões
O trabalho com executivos é mais ou menos a mesma coisa, mas fazendo com que eles sejam promovidos dentro das empresas por meio da inovação. Quando uma empresa me contrata, meu papel não é fazer com que a empresa se torne “mais inovadora”. É fazer com que os executivos da empresa batam metas de um jeito diferente e inovador.
Quando eu falo com a alta direção, ela está muito mais preocupada em reinventar um negócio e, muitas vezes, isso pressupõe grandes mudanças que o alto executivo não está disposto. Existe muita hipocrisia, hoje, em empresas que dizem querer inovar, mas que preferem “ser inovadas”.
Como assim?
É como regime de emagrecimento: boa parte das pessoas não quer emagrecer, e sim perder peso. Não querem ter uma disciplina alimentar, esportiva e de paz de espírito.
Com grande parte das corporações é meio assim: elas não querem inovar de verdade. Elas querem “ser inovadas”. O pensamento é: vamos contratar uma consultoria, fazer um hackathon, montar uma aceleradora corporativa… E a inovação vai acontecer por “milagre”
Boa parte das empresas que estão inovando de verdade, tanto no Brasil quanto no mundo, são empresas de dono, de família. Por exemplo: Magazine Luiza, Dasa, Cyrela, Gerdau…
Nelas, a família está bem próxima e preocupada com a perpetuidade dessa corporação, ao longo do tempo. Pensam qual é o futuro do negócio e como isso se traduz em práticas, em ações — não só em estratégias, mas em resultados. Nas empresas que são lideradas por executivos que pensam só no curto prazo, no bônus, a gente não percebe essa relação entre querer inovar e as práticas para inovar.
A inovação é um meio e não um fim. Você tem de ser inovador para desenvolver melhores carreiras. Você tem de ser inovador para bater metas. Você tem de ser inovador para reinventar seu negócio, criar novos modelos, gerar valor, ter novas fontes de receita…
Você é professor em centros de formação respeitadíssimos, advisor de grandes corporações, mentor de startups, coordenador de programa de aceleração… É quase como um “mito” da inovação. Esse carimbo pesa?
Eu não gosto! Muita gente me chama de guru, outros me chamam de mestre dos mestres. Trabalhei com muitas pessoas que são grandes referências no ecossistema de empreendedorismo e inovação e no fundo, no fundo, eu aprendo com essas pessoas.
Me incomoda demais ter de falar, o tempo todo, coisas interessantes ou que terão impacto na vida das pessoas. Eu falo aquilo que eu acho e, às vezes, é uma grande besteira. Mas o fato de eu falar uma besteira pode fazer com que uma pessoa pense de um outro jeito
Às vezes, fico até envergonhado, porque boa parte das coisas eu não sei e estou aprendendo junto com as pessoas.
Eu sempre dou o seguinte exemplo: como uma tartaruga sobe na árvore? Ela tem de esperar a árvore crescer [ou seja: ela sobe antes da árvore crescer]. Então, eu sou essa tartaruga que está, há bastante tempo, nesse ecossistema de empreendedorismo e inovação que cresceu e cresceu muito bem.
Qual é o estágio atual do ecossistema de empreendedorismo e inovação do país?
Estamos vivendo um modismo forte, mas a inovação vai passar, vai virar commodity. Todas as empresas que, de verdade, quiserem ser inovadoras conseguirão ser. O problema é se isso será uma vantagem competitiva ou não.
Em vários mercados, como o de aplicativos, existe tanta novidade que você não sabe, exatamente, o que é inovação ou não. Isso tende a acontecer em outros segmentos.
No final do dia, a inovação tem de seguir o mesmo caminho da qualidade: virar processo e indicador. Mas isso passa pela conscientização de que a inovação tem de trazer resultado de curto prazo, senão os executivos e colaboradores começam a duvidar: “Pô, de novo essas coisas?”
Por outro lado, algumas corporações brasileiras começam a demonstrar claramente que a inovação se paga e se paga muito bem. O maior exemplo é o Magazine Luiza. Hoje todo mundo tenta copiá-los porque o Fred [Frederico Trajano, atual CEO], junto com o André Fatala [CTO] e outros diretores fizeram um trabalho incrível de reinvenção da empresa, que demorou quase seis anos. Eles conseguiram fazer, na prática, o que muita gente está tentando fazer: transformação digital, inovação aberta.
Quais ferramentas do nosso ecossistema parecem estar mais avançadas? E quais precisam evoluir?
Temos algumas ferramentas muito mal utilizadas pelas empresas. A primeira é o hackathon. Muita gente faz um atrás do outro achando que vai sair algo incrível… Não dá para cobrar isso. Hackathon é muito importante para trabalhar treinamento, cultura, prototipagem, processo de seleção de talentos — e não para desenvolver inovação.
Outra coisa que está sendo mal utilizada no Brasil são as aceleradoras corporativas. Muita gente tenta vender para as empresas que vai “levar uma startup” para a corporação ajudar o negócio a acelerar… O objetivo [nesse caso] deveria ser acelerar não a startup em si, mas o resultado da corporação
Então, eu gosto muito mais de trabalhar com integradoras de startups, cujo objetivo não é acelerar startups. O nosso ecossistema deveria fazer isso.
Temos um dos melhores ecossistemas do mundo. Contamos com: aceleradoras tradicionais, que pegam um empreendedor que ainda está no MVP e o leva para o estágio de ter um produto pronto; o programa de aceleração a distância do governo federal InovAtiva Brasil; hubs de inovação como Cubo, inovaBra e Google Campus, que criam ambientes e relacionamento para o empreendedor se desenvolver; investidores-anjo apostando em startups iniciantes; advogados e ainda uma quantidade absurda de mentores que ajudam as startups a chegarem no ponto de scale-up.
Por mais que tenhamos dificuldades tributárias e uma série de perrengues, o Brasil tem, hoje, pessoas e instituições muito boas, que estão em um padrão muito alto, em nível mundial. A gente cria um empreendedor autoaprendiz, no sentido de processo de validação — alguém que sabe utilizar a rede de relacionamento de um jeito cada vez mais maduro.
Deveria caber à empresa fazer o processo de integração da nova tecnologia da startup com a própria operação. Daí fica mais fácil o executivo bater metas. As corporações mais maduras não buscam startup no conceito de empresa nascente. Buscam scale-ups, empresas que já têm um produto pronto para ser escalado.
O conceito de empreendedorismo chegou às escolas particulares, à educação fundamental. Muitos pais escolhem a escola dos filhos por apresentar atividades ligadas a empreendedorismo. O que você pensa a respeito?
Hoje, isso tem de ser mandatório. Tenho duas filhas, uma de 10 e outra de 7 anos, e a escola delas trabalha isso. Quando olho o futuro, percebo que a lógica de emprego não vai existir!
O que vai existir? A capacidade de você se adaptar à demanda, identificar tendências, ser criativo, pensar em como ganhar dinheiro e ter uma carreira em cima disso. Isso eu chamo de empreendedorismo
Então, eu defendo essa lógica, mas eu não gosto do viés da criança montar um negócio na escola. Porque você monta um negócio no primeiro ano do ensino fundamental. Daí monta um segundo negócio no segundo ano, depois um terceiro… No quarto ano, você está de saco cheio.
O que eu defendo é desenvolver e manter o comportamento empreendedor nas crianças, a visão sistêmica, o aprender a inovar, identificar necessidades das pessoas — e a capacidade de ganhar dinheiro com ética, claro!
Mais que uma obrigação, é um jeito novo de se viver a vida. Porque você não vai ser aquela “coisa” pré-programada. Não existe mais a linha reta.
E quando você ensina esse jeito da pessoa se virar, naturalmente, a pessoa tende a ser melhor do que o outro que sempre buscou as “respostas certas”, o “jeito certo” de se pensar… Na verdade, hoje não existe o jeito certo de se pensar. Porque nem sabemos o que vamos demandar daqui a um ou dois anos.
Em qual frente de trabalho, das muitas que você atua, acredita que você faz mais diferença, mais causa impacto?
De longe é a educação. Eu quero morrer professor! Não gosto muito desse termo, mas pago imposto de renda dessa forma [risos]. Também não gosto do termo consultor, prefiro ser um professor de empresas e de executivos.
Gosto da lógica do professor, mas não na questão do ensinar, e sim do aprender junto. Eu nunca ensino. É a pessoa que aprende. Cada interação é um aprendizado novo, um novo jeito de enxergar um problema, uma nova forma de pensar a mesma coisa.
O que funciona para uma empresa não funciona para outra — e eu tenho de descobrir um novo jeito. É disso que eu mais gosto. Basicamente, eu aprendo mais do que eu ensino. Fico fascinado por esse mundo que está em transformação
Gosto muito da lógica de Andragogia – eu preciso aprender porque é importante para mim. De certa forma, gosto muito de reaprender. Fico me questionando bastante se uma coisa faz sentido ou não, se tem utilidade ou não para o mercado. Quando eu vou trabalhar uma aula, penso no que é importante para a pessoa? E esse é um desafio eterno.
Por que é importante para a pessoa aprender inovação ou desenvolver competências na área de inovação? A partir daí, pessoas, executivos e empresas, começam a olhar o novo como oportunidade e não como ameaça. Esse é o meu desafio.
De que forma, para o bem ou para o mal, o contexto político e a polarização que se estabeleceu no país impactam esse ecossistema?
Por incrível que pareça, já impactou mais. Isso se acirrou bastante durante o processo de impeachment da Dilma Rousseff. Foi a primeira vez, que eu me lembre, que foi tão polarizado – existiam pessoas de um lado e de outro e não existiam pessoas no meio. As pessoas no meio eram, em geral, empurradas para um dos lados.
Naquele momento, eu vi vários investidores muito bravos mesmo com empreendedores em quem tinham colocado dinheiro, tipo: “Eu botei dinheiro nessa startup e o cara defende o outro lado!” Houve muitos rachas entre sócios de startups. Assim como aconteceu nas famílias, houve rachas dentro de startups
Naquele momento, a polarização foi interessante no sentido de criar essa animosidade. Depois, com Michel Temer e o atual governo, temos um processo em que você pensa melhor aquilo que está falando e não fala mais aquilo que pensa, tão animalescamente, de uma forma tão forte. O que temos hoje é que a polarização tem impactado cada vez menos no ecossistema de empreendedorismo e inovação.
Se você gosta de A ou de B, tudo bem, não vou discutir contigo. Vou discutir o negócio. O que tem hoje e que me incomoda são as discussões muito específicas de determinados nichos: minorias, empoderamento feminino etc. que, às vezes são bandeiras levantadas criticando a outra parte que não tem nada a ver com a história. Meio que se arranja um inimigo para falar que a sua parte é melhor. E eu não gosto muito da dinâmica de “para defender o meu, eu preciso criticar o seu”.
Na verdade, o desafio que temos é de um mercado só. Para que criar esse tipo de polarização se, no fundo, temos de resolver o problema do cliente?
Existem vários “negócios de causa” que eu defendo e sempre cobro que estejam lá para resolver um problema do cliente, mas não precisam extrapolar a outra parte. Não tem nada a ver. Faça o que você faz e continue desenvolvendo isso, porque é importante. Não ataque a outra parte, que está fazendo o jogo dela. Existe isso, mas é um momento pontual. Acho que haverá um novo processo de aprendizado, mais tranquilo. Daqui dois anos saberemos como lidar com isso.
O brasileiro tem fama de criativo, inclusive como empreendedor. Essa fama se justifica?
Normalmente nós somos mais criativos porque conseguimos fazer coisas de um jeito diferente para conseguir resultados esperados. Tem quem chame isso de “gambiarra”, outros chamam de “criatividade”. Normalmente, temos essa capacidade de adaptar coisas para chegar no resultado.
Nisso, eu concordo que o brasileiro é bastante criativo em comparação a outros países que têm uma visão mais cartesiana, racional das coisas. Às vezes, nós pensamos de um jeito que não segue uma linha reta. Às vezes, nem precisamos da linha
Acho que o que nos falta é ambição, que é diferente de ganância. Ambição é usar a criatividade para ter mais impacto na vida das pessoas. Quando olhamos empreendedores americanos, israelenses e chineses, eles estão empreendendo algo, mas querem crescer para outros países, ir para outros mercados.
O que você gosta de fazer quando não está trabalhando?
Por prioridade, faço questão de brincar muito com minhas filhas — brincar mesmo. Tudo bem que a gente brinca de coisas geeks, tipo fazer robô [risos]… Uma das coisas que me levou a trabalhar mais com educação e menos como executivo foi o nascimento delas.
Quando minha primeira nasceu, eu trabalhava na Naspers – que investiu na Editora Abril, Buscapé, Movile, iFood, VTEX e Tencent – e meu chefe ficava em Hong Kong… Eu fazia conference call às 3 da manhã e trabalhava também durante o dia. Aquilo me incomodava, não era o que eu queria.
Na época li o depoimento do John Doerr, investidor de um fundo chamado Kleiner Perkins. Um dia ele se deu conta de que não tinha visto a filha crescer, que a mulher tinha um diagnóstico de câncer e ele só viajava… Disse algo que me marcou demais: “Eu posso perder um dia, mas não posso perder minha família”
Pedi demissão da Naspers e vim para o Insper. Eu cuidava do Centro de Empreendedorismo. Aí comecei a chegar às 7h30 e sair às 22h, pois dava aula de empreendedorismo para um monte de turmas. Aí nasceu minha segunda filha e eu decidi deixar o cargo de diretor do Centro de Empreendedorismo e ser só professor.
Hoje, consigo conciliar meus horários e ficar muito tempo com minhas filhas e minha esposa. Duas coisas que eu faço questão: ler história à noite e fazer massagem nas duas antes de dormir.
Outra coisa que eu faço é ler bastante. Porque é meu processo de aprendizado. E pratico kendo [arte feudal de combate com a espada]. Aquilo para mim é meditação. Lá você não pode pensar em mais nada, senão toma uma pancada.
Gay, negro e natural do sertão cearense, Ângelo Vieira Jr. estudou em escola pública e precisou batalhar para quebrar estereótipos e crescer na carreira. Ele fala sobre sua jornada e conta como virou especialista em marketing e inovação.
Entre a morte da mãe e o nascimento da filha, Eduardo Freire vivia um momento delicado quando empreendeu a consultoria FWK. Ele conta como superou os percalços e consolidou sua empresa mergulhando no ecossistema de inovação.