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Kestraa simplifica importação conectando todos os envolvidos na cadeia em uma mesma plataforma

Cláudia de Castro Lima - 13 dez 2019 Cláudia de Castro Lima - 13 dez 2019
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O processo costuma ser relativamente simples, embora não seja nunca exatamente agradável. Quando a compra daquele produto estrangeiro online não chega no prazo que nos prometeram, entramos no site da empresa vendedora e rastreamos, por meio do código informado, onde diabos ele se encontra.

Não é raro nosso pacotinho estar parado em algum porto brasileiro esperando pagarmos uma taxa para a Receita Federal. Feito isso, o produto é liberado para finalmente chegar em nossa casa.

A melhor forma de entendermos mecanismos complexos é com uma analogia. E é exatamente com essa aí de cima que os empreendedores Isabel Nasser e Marcelo Matos tentam traduzir o core business da startup Kestraa, uma plataforma de automação e controle em tempo real de operações de comércio exterior B2B.

“Imagine que quem fez a importação é uma companhia grande. Na hora de checar onde está seu produto, ela não tem um site apenas para verificar. Tem, sim, uns 100, 150 – e em cada um deles são dezenas de compras”, diz Matos, pedindo calma porque a operação complica mais. “Algumas dessas empresas, por exemplo, aceitam pagamento parcelado; outras não aceitam cartão de crédito e é necessário fazer um adiantamento. Além disso, o próprio importador que tem de contratar a transportadora. E cada mercadoria tem um tipo de imposto.”

Isabel complementa o sócio: “Às vezes, os 500 pacotes estão viajando e a Receita Federal breca alguns para checar o conteúdo. Outros podem quebrar no meio do caminho porque o navio pegou ondas e é preciso contatar o seguro”.

Ufa. Mas como, afinal, a Kestraa ajuda o processo? “Ela controla o fluxo total de informação, de ponta a ponta”, diz Isabel.

Operando na nuvem, a startup conecta os participantes da cadeia de importação, que compartilham informações para permitir visibilidade total da operação ao importador

“A informação que roda nessa cadeia é a mesma para todos, mas cada cliente precisa de uma espécie de lente para enxergar o que interessa para ele”, explica Isabel. “Na Kestraa a gente captura a informação, a coloca no centro da mesa e dá a lente que cada um necessita para ver a informação que faz sentido para si.”

O negócio, fundado pelos dois em 2017, foi um dos cinco selecionados pela cervejaria espanhola Estrella Galicia para o Programa de Empreendedorismo Colaborativo TheHop Brasil. A aceleração começou em novembro, com uma imersão no universo da companhia na Espanha, e segue até fevereiro do ano que vem tendo São Paulo como base.

MEZZO STARTUP MEZZO SPIN-OFF

A bem da verdade, a Kestraa não nasceu como convencionalmente surgem as startups. “Somos muito mais uma spin-off de uma grande empresa para o mercado de inovação e tecnologia”, acredita Isabel. O empreendimento, pioneiro de rede digital B2B em comércio exterior do país, nasceu dentro da Sertrading, uma das três maiores companhias do ramo de importação e exportação brasileiro.

Isabel Nasser e Marcelo Matos, os fundadores da Kestraa, em uma das dinâmicas do TheHop Brasil

Foi por causa da Sertrading que Isabel e Matos se conheceram e trabalharam juntos por dez anos. A princípio, ela representava uma empresa que era cliente de Matos. Depois, foi contratada pela própria Sertrading, onde ficou por seis anos. No começo de 2016, resolveu se afastar por um ano para curtir mais suas filhas pequenas, que tinham 2 e 4 anos na época. “Durou só sete meses porque Matos me procurou com umas ideias”, brinca ela.

Depois de 16 anos trabalhando com comércio exterior, Marcelo Matos acreditava que era possível fazer um produto tecnológico para o mercado em vez de atuar na área de serviço. A Sertrading acreditou no projeto, que começou como uma pequena célula dentro da empresa. “Passamos seis meses apenas ideando tudo. Foi uma grande oportunidade, porque geralmente as startups não têm tanto tempo para isso”, relembra Isabel.

“Começamos a estudar, a entender como se faz um produto, como se entende a necessidade do cliente, como faz pesquisa, como desenvolve software”, afirma Matos

Nesse processo, os sócios chegaram a ir para o Vale do Silício para mergulhar na forma de se pensar inovação por lá. “Entramos em contato com um pensamento totalmente diferente de como se inova, como se faz uma empresa crescer, como desenvolver uma startup, como gerar valor, como o mercado a consome e até como ela é vendida lá na frente.”

No dia da apresentação da ideia para os executivos da Sertrading, uma decepção. “Digamos que ela empolgou pouco”, diz Matos, rindo. “Principalmente porque eles eram do mercado tradicional de tecnologia.” Mesmo assim, a dupla começou a apresentar, no meio de 2017, os planos do novo produto a clientes. Foi um sucesso. “Isso foi animando a empresa, cujo conservadorismo é explicado até porque ela atua num mercado super-regulado, com um nível de exigência muito grande e processos bastante rígidos”, conta Isabel.

Estar incubado dentro de uma gigante que fatura 7 bilhões de reais ao ano tinha vantagens, como poder contar com um budget mensal, mas também algumas limitações. Os processos, por exemplo, não tinham a velocidade que um negócio de tecnologia exige. E o público da spin-off era diferente do público da Sertrading. Ficou claro para Isabel e Matos que eles precisavam mudar-se para um local com a cultura mais voltada à inovação. Era hora de o filho ganhar independência e ir morar sozinho.

APROVEITANDO UMA JANELA DE OPORTUNIDADE

Vários acasos convergiram para a criação e o sucesso da Kestraa. Isabel e Matos trabalharem muito tempo juntos e terem sintonia era essencial para que os clientes sentissem confiança na startup e na expertise dos sócios. O apoio ao intraempreendedorismo por parte da Sertrading e o momento em que o negócio foi montado também foram essenciais.

“Tem uma questão muito específica do nosso mercado, que é o processo de modernização da aduana brasileira, um programa muito grande da Receita Federal depois que o Brasil assumiu um compromisso com a Organização Mundial do Comércio”, explica Isabel sobre o Acordo sobre a Facilitação do Comércio, assinado em 2013 pelo país e que entrou em vigor em fevereiro de 2017.

O AFC prevê a desburocratização, a redução dos custos de transação e o aumento da transparência nas operações de comércio internacional, sobretudo na atuação das aduanas.

Com os novos processos exigidos, a Receita Federal incorpora práticas de gerenciamento de risco em seus processos. “Esse momento é muito interessante para o comércio exterior porque quando a Receita se movimenta, ela move o mercado inteiro, já que todo mundo quer se adaptar”, acredita a empreendedora.

“Era uma janela de oportunidade que possivelmente só vai se repetir em uns 15 anos. Quando batemos nas portas dos potenciais clientes e falamos que temos um produto moderno, alinhado com essa perspectiva e com gerenciamento de risco, a chance de abrirem uma agenda para nós é muito grande.”

Em junho de 2017, a primeira página da Kestraa já estava online e a empresa, composta agora por quatro pessoas, instalada em um dos prédios da WeWork, completamente adaptada ao ecossistema de inovação. “Os voos solos começaram lá. Fechamos contrato no corredor, de verdade. Pelo menos para a gente não é história. Não poderíamos estar restritos àquelas quatro paredes da Sertrading”, diz Isabel.

No começo de 2018, depois de passarem o ano anterior tentando construir o sistema, os sócios ficaram sabendo de uma concorrência da Ambev para uma plataforma de visibilidade para o comércio exterior. “Era exatamente a forma como nos definíamos, mas nunca tínhamos ouvido ninguém falar sobre isso, e ainda por cima uma gigante”, diz Isabel, que conseguiu ser atendida por executivos da companhia.

“Mostramos um power point porque não tinha nem o que mostrar”, ela ri. “Mas eles amaram, disseram que era exatamente o que buscavam e que até tinham tentado desenvolver antes, mas não tiveram sucesso – e por isso decidiram terceirizar o projeto de construção da plataforma”, ela se diz, espantada até hoje com a coincidência de timing.

A Kestraa ganhou o contrato, seis meses para apresentar o produto pronto e mais 30 pessoas, do dia para a noite, para viabilizar o negócio. O período, segundo os sócios, foi de “muitos erros – ou melhor, desafios e aprendizados”, brincam.

O primeiro desafio foi encontrar pessoas no mercado para ajudarem na tarefa. Depois, fazer as pessoas todas se entenderem, já que a cultura da Kestraa ainda nem existia. “Sem time de RH para treinar as pessoas, apanhamos pra caramba”, relembra a empreendedora. “Mas conseguimos entregar o básico.”

O bom relacionamento construído com a Ambev abriu muitas portas para a Kestraa – cujo nome vem de “orquestra”, como os sócios gostam de pensar no que a plataforma faz com os sistemas de comércio exterior de seus clientes, em que todos os “músicos” tocam conjunta e afinadamente, mas sob a regência de uma esperta batuta. “Só a Ambev já colocou 10 ou 15 players, parceiros dela, para trabalhar com a gente”, diz Matos.

REDUÇÃO DE GASTOS NÃO É O ATIVO PRINCIPAL

Com a simplificação radical dos processos de importação e a gestão inteligente da operação em tempo real, a Kestraa atrai clientes que pretendem não apenas reduzir seus gastos com armazenagem, com erros em pagamentos de impostos ou com o demurrage, uma indenização diária por atraso na devolução de um contêiner. Ela aposta, principalmente, nos que pretendem minimizar seus riscos.

Quanto custa para uma empresa, por exemplo, não ter um produto nas prateleiras do mercado porque os insumos importados para sua produção não chegaram a tempo? Quanto uma companhia perde não só em dinheiro, mas também em imagem? “Isso é imensurável”, afirma Isabel. “E é daí que vem nosso maior valor.”

Gigantes como Leroy Merlin e Whirlpool constam no portfólio atual da Kestraa. Ela começou com os grandes, mas quer adentrar nos mercados dos médios e pequenos clientes – o recente contrato com a Evino, que é também uma startup, foi um caminho para isso

Neste ano, a Kestraa investiu pesado nas áreas comerciais e na estrutura de governança, para que a “bateção de cabeça” anterior não se repita. A Sertrading é investidora do negócio e o modelo de negócios deles é baseado em assinaturas que variam conforme o tamanho da operação, a volumetria do embarque, e não por números de usuários.

Hoje, 35 empresas estão engajadas na plataforma, trocando informações. O faturamento da Kestraa é de cerca de 150 mil reais por mês e a startup pretende dobrar o número de funcionários, para 60, ainda no primeiro semestre de 2020.

Alguns motivos levaram a Kestraa a se inscrever no TheHop Brasil. Um deles era a questão comercial. Depois de trabalharem com Ambev e com a Evino, eles começaram a criar uma aderência no mercado de bebidas que pretendem fortalecer. Outro é aproximar-se ainda mais do ecossistema de inovação. “É muito importante criar vínculos e uma rede de relacionamento”, diz Isabel.

Além disso, a startup, que realiza mil transações por mês, pretende acelerar um novo produto agora que a plataforma de importação está consolidada e operando: a solução de exportação. “Estamos em fase de ideação dele”, afirma Isabel. “E achamos que tem muito fit com a Estrella Galicia.”

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