Não compre um carro: alugue um perto de você. É nisso, e na colaboração, que a Fleety aposta

Anna Haddad - 25 jun 2015
André mostra o welcome kit recebido pelos usuários que cadastram seus carros na Fleety.
Anna Haddad - 25 jun 2015
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Quando tinha 18 anos, André Marim deixou a família em Ribeirão Preto e foi para São Carlos, também no interior de São Paulo, para cursar engenharia elétrica na USP, um objetivo cobiçado por muitos jovens do universo das ciências exatas. Ele se dedicou à faculdade por cinco anos, com algumas pausas para o futebol de salão e uma, especial, para viajar aos Estados Unidos. Lá, trabalhou seis meses como confeiteiro em uma loja do Dunkin’ Donuts e teve o primeiro “clique” para sua vida profissional: percebeu o quão importante era desenvolver competências múltiplas, não só as extremamente técnicas que o curso de engenharia vivia reforçando.

Depois de voltar e completar uma jornada exemplar na universidade, com especializações e iniciações científicas, aos 23 anos, André começou o que chamou de “processo de descurralização”. Em vez de seguir o caminho acadêmico e iniciar o mestrado, decidiu desviar da rota prevista, se desafiar e aprender coisas novas.

“Sou autodidata e sempre aprendi tudo o que quis, mas terminei a faculdade e não falava com quase ninguém, vivia no laboratório. Sabia que, se quisesse evoluir, precisaria me conectar mais com as pessoas. O que eu sabia jamais poderia ser maior do que a inteligência do todo”, conta ele.

Partiu, então, em busca do programa de trainee mais complicado possível, aquele que o faria enfrentar barreiras e o tirasse da zona de conforto. E, assim, veio para São Paulo e teve uma experiência bastante rica durante três anos na área comercial da Danone. Lá, a pedido do chefe, teve que desenvolver várias habilidades interpessoais enquanto gerenciava equipes grandes, compostas por pessoas de diversas áreas. Depois de muito aprendizado e já desfrutando de um ótimo cargo e um alto salário, André teve que encarar dois grandes obstáculos, que vinham minando sua vontade de seguir trabalhando: o funcionamento da estrutura corporativa, lenta e hierarquica, e a falta de propósito no trabalho que fazia todos os dias.

“Eu não via significado no que fazia, não agregava nada à vida das pessoas. Foi quando entendi que precisaria ter um negócio meu, que fizesse sentido e operasse com base numa outra régua, diferente da que media o mercado tradicional”

Apesar da maturidade e da convicção em empreender, a resposta não veio de uma hora para a outra. Mesmo após se demitir do emprego na Danone e mudar para a Coca-Cola, empresa ainda maior, André seguia descontente, sem saber ao certo que caminho seguir. Foram muitos rabiscos em um quadro branco — que ele comprou na Kalunga e pendurou em casa para estimular novas ideias — até a ideia do Fleety brotar, em janeiro de 2013, durante uma visita à Campus Party com o amigo de faculdade e hoje sócio, Israel Lot.

No estacionamento, lotado de carros, o amigo contou sobre o compartilhamento de carros na Itália, onde tinha passado algum tempo. Lá, empresas privadas compravam frotas e espalhavam pelas ruas para que as pessoas pudessem alugar. Olhando para todos aqueles carros estacionados no evento, surgiu a ideia: “E se fizéssemos o mesmo com carros que já existem?”, pensaram.

Time da Fleety trabalhando em sede, em Curitiba.

Time da Fleety trabalhando em sede, em Curitiba.

A ideia fez brilhar os olhos dos dois, ambos então com 27 anos, e, junto com outro amigo engenheiro, Clayton Guimarães, com 34 anos à época, eles resolveram seguir em frente com o negócio. André, ainda trabalhando na divisão de cervejas da Coca-Cola, passou o ano inteiro mergulhado no universo da mobilidade urbana e da economia colaborativa, estudando tudo o que pudesse sobre os assuntos. Ele conta:

“O que as pessoas querem não é um carro, é mobilidade, e o carro não garante mais isso. A movimentação cultural da economia do compartilhamento reforça esse ponto: não precisamos mais da posse, precisamos do serviço”

O futuro empreendedor também, foi a fundo na viabilidade econômica do projeto e estruturou um plano de negócios robusto. Antes de colocar qualquer coisa em prática, André, Israel e Clayton passaram um período tecendo uma rede: falavam sobre a ideia em eventos, pediam opiniões, batiam papo e se conectavam cada vez mais. Sabiam que o poder estava no engajamento das pessoas e que, se abrindo, melhorariam o projeto e conheceriam parceiros-chave para seguir em frente.

Neste período longo de gestação antes de colocar a ideia no mundo, conheceram muita gente importante no processo, entre elas, Luisiana Paganelli, parte integrante da equipe de planejamento urbano da Prefeitura de Curitiba, cidade tida como modelo em termos de sustentabilidade e planejamento. Ela se encantou pelo projeto do Fleety e convidou André para fazer de Curitiba o polo de lançamento e teste da plataforma.

Depois de um período árduo de viagens noturnas de ônibus para a cidade modelo, André pediu demissão da Coca e se mudou para a cidade, definitivamente, com seus sócios, para colocar foco total no negócio.

NA HORA DE BOTAR A MÃO NA MASSA, O INVESTIDOR SUMIU

O Fleety já havia nascido e precisava do primeiro investimento para deixar de ser uma página simples na web (landing page) e se transformar em um MVP (mínimo produto viável). Aí veio o primeiro grande obstáculo: um investidor, que já havia dado a palavra sobre um bom aporte financeiro, desistiu inesperadamente. André se viu perdido. Respirou fundo, pensou um bocado e resolveu sacar da sua conta no banco todo o dinheiro que tinha disponível, além de créditos bancários, que, ao todo, somavam 70 000 reais.

Com esse voto de fé do fundador, os sócios colocaram toda a energia em programar e aprimorar as primeiras versões da plataforma, até o lançamento efetivo, que aconteceu em setembro de 2014. Depois do lançamento e de várias melhorias na ferramenta, o dinheiro que André havia investido tinha chegado ao fim. Ele sabia que precisava de mais capital para seguir em frente, mas que seria desvantajoso, naquele estágio do negócio, recorrer a grandes investidores. Decidiu então conversar com bons amigos, que se animaram em fazer um aporte em troca de 1% da empresa.

Os sócios da Fleety na sede da Abril, durante o processo de acelaração em São Paulo.

Clayton, André e Israel, sócios da Fleety, na sede da Abril durante o processo de acelaração em São Paulo.

“Queremos, antes de tudo, ser parte de uma mudança de cultura. Não queremos ceder à pressão do mercado e descaracterizar o negócio. O dinheiro tem que sempre ser usado em prol dos usuários, e não o contrário. Mas é bem difícil encontrar investidores que pensem assim”, diz André.

Em seguida, o projeto foi selecionado pelo processo de aceleração Abril Plug and Play, que rendeu mais 140 000 reais, além de seis meses de incubação, três em São Paulo, e outros três no Vale do Silício.

Com o dinheiro da aceleração, André, Israel e Clayton conseguiram fôlego para focar na solução de algumas questões relevantes para que o negócio evoluísse, como, por exemplo, um produto de seguro que fosse coerente com a nova lógica de compartilhamento proposta pelo site, e que fosse eficiente e rápida para os usuários.

Hoje, o Fleety cobra uma taxa de 20% de quem está alugando o carro através da plataforma, mas a intenção é acabar com essa taxa até 2016. “Queremos encontrar um modelo de negócio que não mexa no bolso do usuário e sim movimente o mercado por detrás das coxias, relacionado a automomóveis e mobilidade”, conta André.

Não à toa os três engenheiros estão desenvolvendo o Car Kit, um hardware que faz telemetria (checa informações como velocidade, consumo de combustível, rotina de revisões do carro) e entende a atuação do condutor no veículo (interpreta informações como aceleração, frenagem e trepidações). A ideia é que o hardware gere informações relevantes e ajude na construção de reputação dos usuários dentro da comunidade do Fleety.

No último mês de maio, os sócios negociaram 10% das quotas da empresa com a Servix, uma empresa de soluções de hardware e software. A ideia é direcionar o capital proveniente desse investimento para o aperfeiçoamento da plataforma e expansão em todo o Brasil.

TECNOLOGIA E SEGURANÇA A SERVIÇO DA ECONOMIA COMPARTILHADA

Hoje, qualquer um pode fazer um perfil na plataforma, cadastrar seu carro e disponibilizá-lo para locação por outros usuários. O cadastro está integrado com informações da base de dados do Denatram (Departamento Nacional de Trânsito) e da Receita Federal, para tornar tudo mais rápido e seguro. O próprio proprietário é responsável por descrever seu carro, dizer como prefere que ele seja utilizado e colocar o preço do aluguel por hora de uso. A aprovação demora de três a cinco dias, tempo para que o usuário receba um kit de boas-vindas em casa, com um cartão visa especial para a gestão de abastecimento do automóvel.

Do outro lado, qualquer usuário cadastrado pode entrar em contato com o proprietário do carro pelo site, para tirar dúvidas, ou já solicitar o aluguel do veículo. A plataforma não barra comunicações nem impede que os usuários se conectem. André defende a estratégia:

“Acreditamos no poder da comunidade. A confiança é a grande moeda de troca no Fleety”

O grande projeto de futuro é transformar o Fleety e o compartilhamento de carros em um modal tão relevante quanto bike, metrô, ônibus ou qualquer outro, e assim fazer parte de uma solução macro e integrada para o problema de mobilidade urbana que vivemos nos grandes centros.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Fleety
  • O que faz: Plataforma de compartilhamento de carros de passeio
  • Sócio(s): André Marim, Israel Lot e Clayton Guimarães
  • Funcionários: 8 (incluindo os sócios)
  • Sede: Curitiba
  • Início das atividades: setembro de 2014
  • Investimento inicial: R$ 767.000
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected]
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