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“Não dá para tratar o sistema de comércio de emissões com o mesmo olhar da comunidade europeia. Precisamos tropicalizar o mercado de carbono”

Maisa Infante - 30 jul 2024
Viviane Romeiro, diretora técnica de Clima, Energia e Finanças do CEBDS (Foto: Diego Padgurschi / Divulgação)
Maisa Infante - 30 jul 2024
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Reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera talvez seja um dos grandes desafios da humanidade neste momento. Porém, o estilo de vida atual tem dado pouca margem para que, de fato, essa redução aconteça.

A precificação do carbono (que, aqui, representa essas emissões de gases) é uma das formas de tentar frear as emissões e os impactos climáticos das empresas. E ela pode pode acontecer de duas formas: com a taxação, ou seja, um imposto de carbono, ou com o mercado regulado, um sistema de comércio de emissões, algo que já acontece na Europa há 20 anos. 

No Brasil, onde o perfil de emissões inclui o uso da terra e o desmatamento, por exemplo, existem desafios peculiares para implementar a regulamentação, explica Viviane Romeiro, diretora técnica de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

“Existe uma pluralidade de visões e de interesses nessa agenda, então tem sido desafiador ter uma visão uníssona do que seria este mercado, qual o potencial e por que estamos colocando tantas fichas nele. O mercado regulado é um instrumento muito importante para fomentar a descarbonização, mas não é o único”

O que já se sabe é que o Brasil decidiu que a forma de precificação será o mercado regulado. O projeto de lei (PL 2148/15) que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) está no Senado. Ele fixa um limite de emissões para as empresas. Aquelas que não cumprirem a meta poderão compensar suas emissões com a compra de títulos. As companhias que emitem abaixo do limite ficam autorizadas a vender a diferença no mercado. É um sistema conhecido como cap and trade. 

Enquanto isso não se desenrola, as empresas trabalham com o mercado voluntário, em que compram créditos de carbono de projetos de restauração florestal e compensam as suas emissões sem reduzi-las. Esse é um mercado que se autorregula, mas vem passando por uma crise de legitimidade, principalmente depois da operação Greenwashing, da Polícia Federal, que revelou ligação de projetos na Amazônia com a extração de madeira ilegal.

Ao Draft, Viviane fala sobre desafios para a aprovação do mercado regulado e seus impactos nos negócios:

 

Como funciona o mercado regulado e quais as vantagens frente ao mercado voluntário?
O mercado regulado estabelece cotas a partir de uma linha de base do que deveria ser emitido naquele setor. Quando não consegue reduzir internamente, é possível comercializar e comprar permissões de outro agente regulado. Isso é uma forma de reorganizar o mercado para que não exista apenas a compensação.

Não estaremos resolvendo o problema de clima apenas com compensação porque não vai estimular a descarbonização. Essa é uma lógica que funciona, porém é insuficiente.

Se ficarmos no mecanismo compensatório, vamos continuar queimando combustível fóssil ad aeternum e plantando árvores, mas não vamos resolver o problema na origem

Só que o mercado regulado é um instrumento muito complexo e sofisticado em termos de tecnicidade. Então, tudo isso está reverberando nessa discussão intensa e cansativa, inclusive, da regulamentação. 

De que forma o estabelecimento de um mercado regulado vai afetar os negócios no Brasil?
Eu acho que, principalmente, trazendo mais integridade. Temos hoje uma crise de legitimidade dos créditos de carbono e o mercado regulado pode ter um efeito importante ao credenciar no governo metodologias que sejam críveis, transparentes e robustas. O próprio mercado voluntário pode se beneficiar dessas metodologias e trazer mais robustez ao sistema.

Estamos falando de escala de implementação. Existem projetos pontuais funcionando muito bem. O que a gente precisa agora é dar escala. Essa é uma das agendas que o CEBDS recebe com maior atenção das empresas.

Além da aprovação do PL, estamos muito focados também em ver o dia seguinte, que é a implementação do mercado. Porque se o PL fosse aprovado hoje, estaríamos falando de pelo menos quatro a cinco anos para começar a ser implementado na prática. 

Qual o maior desafio, hoje, para se chegar na regulação do mercado de carbono?
Existe uma pluralidade de visões e de interesses nessa agenda, então tem sido desafiador ter uma visão uníssona do que seria este mercado, qual o potencial e por que estamos colocando tantas fichas nele.

É importante ponderar que se trata de um instrumento muito importante para fomentar a descarbonização, mas não é o único.

O desmatamento na Amazônia, por exemplo, não vai ser resolvido com o mercado de carbono. A gente vai resolver com o comando e controle, que é o que o Ibama faz hoje, combatendo através de fiscalização. É uma atividade ilegal e atividade ilegal não se precifica. Não existe mercado de carbono para desmatamento

Então, tem algumas atividades que são mais propícias para um instrumento do que outras. Só que, hoje, essa discussão está toda junta no mesmo pote. E tem sido um desafio conseguir ter linhas mínimas para poder avançar para uma aprovação.

O projeto que aguarda tramitação exclui da regulamentação setores do agronegócio. Como você vê isso?
A gente está falando do agro primário, dos os produtores rurais, e não de todo o agro, ou seja, a agroindústria está dentro do PL. Globalmente, os mercados de carbono que são regulados têm foco em setores como indústria e energia, mais maduros em termos de MRV, que é mensurar, relatar e verificar as emissões de carbono.

É muito mais fácil uma indústria conseguir mensurar as suas emissões do que um produtor rural. Temos avançado metodologicamente para essa mensuração, mas ela ainda não tem larga escala e não é amplamente difundida.

Porém, enquanto no mundo a maior parte das emissões vem da queima de combustíveis fósseis, no Brasil temos um perfil muito peculiar. Historicamente, 75% das emissões vêm de desmatamento, mudança do uso do solo e floresta, somados com agropecuária e energia

Não dá para tratar com o mesmo olhar que a comunidade europeia tem para o sistema de emissões. Então, como a gente faz para trazer uma tropicalização do mercado para o Brasil? 

Aí vem um outro adendo: a nossa NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês] é Economy Wide, ou seja, todos os setores da economia participam, de maneira que todos os setores, em algum nível, vão ser regulados e ter suas metas de redução.

Isso não quer dizer que o mercado de carbono tenha que ser o único para todos. Muitas organizações e especialistas entendem que, no Brasil, o mercado regulado deveria incorporar somente indústria e parte do setor energético, como é a experiência global, porque é um mecanismo mais apropriado para estes setores

Na agropecuária, por exemplo, há quem defenda um decreto do Plano ABC+, voltado especificamente para a pecuária e a agricultura. O fato é que essa discussão sobre a exclusão de setores do agronegócio já foi pacificada no sentido de que vai ser difícil contornar isso novamente.

Acredito que os pontos mais relevantes, agora, têm a ver com a interoperabilidade do mercado regulado com o voluntário, que são mecanismos do REDD+, de redução de emissão de desmatamento e degradação florestal, mercados jurisdicionais, ou seja, jurisdições específicas com projetos de crédito de carbono. 

O que é essa interoperabilidade e qual o impacto dela?
Essa interoperabilidade é nevrálgica. Dentro do sistema é possível a comercialização de offsets, que são esses mecanismos de compensação voluntária. Mas tem que ter limite, porque se deixar 100% não vai movimentar a indústria efetivamente.

Por isso tem essa preocupação para que o PL venha como um mecanismo que, de fato, estimule a inovação tecnológica para a descarbonização.

Um instrumento de mercado regulado tem essa conotação de estimular e ser transitório, ou seja, ajudar na transição para a descarbonização

A ideia é que daqui a algumas décadas a gente não precise mais de mercado regulado porque o sistema vai estar autorregulado.

Recentemente, a operação Greenwashing, da Polícia Federal, atingiu alguns operadores do mercado voluntário. Isso impactou as discussões sobre o mercado regulado?
Eu não acho que essas notícias impactaram para dificultar a aprovação do PL. Elas até reforçam a importância de termos logo um mercado regulado robusto.

Agora, entra muito a discussão de como o mercado voluntário vai seguir daqui para frente. Globalmente, há iniciativas pleiteando para que ele não exista mais

Eu acho que o regulado não vai resolver todos os problemas do voluntário, mas vai ajudar a trazer mais clareza e transparência.

O que o CEBDS defende é que a gente tenha um mercado regulado robusto e com alto grau de integridade. Nosso foco é no mercado regulado para, de fato, avançar como instrumento de transição para a descarbonização. 

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