Marcel Fukayama, 40, começou cedo no empreendedorismo com impacto social. Em 2001, aos 17 anos, fundou um então não tão comum cybercafé em São Paulo, para em apenas seis anos trocar esse “pássaro na mão” por uma ONG de inclusão digital, a CDI, que chegou a dezena e meia de países da América Latina.
Veio depois a côté brasileira do Sistema B, que ele cofundou e hoje mantém em seu ecossistema 304 empresas brasileiras que creem na economia do stakeholder; e finalmente a Din4amo, uma, digamos, venture capital 100% hands on – e põe mão na massa nisso: Marcel prefere a expressão “venture builder”, pois não se trata apenas de acelerar, mas efetivamente tornar possível a existência de uma startup de impacto.
Já seria coisa demais sob qualquer ótica, mas o camarada ainda participa do CDESS, o Conselhão do governo Lula (oficialmente Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), e é coordenador da Coalizão G20 pelo Impacto, grupo internacional criado na aurora das reuniões preparatórias do G20, que ocorreu em meados de novembro no Rio.
Por videoconferência, o Draft entrevistou Marcel justamente sobre sua participação no G20. Ele já tinha virado o “shift”: estava em Hong Kong para uma série de apresentações do Sistema B para o mercado asiático. Era noite de sexta (22/11), manhã de sábado na Ásia, e ele, insone, falaria em poucas horas na bolsa de Hong Kong. Confira a entrevista a seguir:
Qual foi a colaboração da Coalizão G20 pelo Impacto para o encontro dos líderes do G20 no Rio – e, recuando um pouco mais, o que é a Coalizão G20 pelo Impacto?
O G20 pelo impacto é uma coalizão que criamos há 18 meses, já pensando no G20 sob a presidência do Brasil.
Queríamos construir capital social, ou seja, ter um número de representantes da sociedade civil e atores do mercado que fosse relevante e que pudesse qualificar o debate sobre um novo paradigma econômico no âmbito do G20. E, com a Coalizão, ofertar recomendações concretas para incorporá-las aos grupos de trabalho do G20. E, finalmente, ter uma ponte de continuidade para a África do Sul [que assumiu a presidência do grupo a partir de 1º de dezembro de 2024].
Acho que dá para ter alguns motivos de celebração. Como a diretriz de participação social, que o presidente Lula trouxe desde o início.
Houve a inovação da criação do G20 social, uma plataforma social que culminou com uma cúpula social, que ocorreu antes da cúpula de lideranças do Rio. Foram mais de 40 mil pessoas que participaram, e isso ajuda a aterrissar um pouco o G20, que é uma agenda de nível muito alto de liderança pública global e conecta pouco com o cidadão no dia a dia.
Também vale celebrar a declaração do G20 propriamente dita. Primeiro, porque o contexto [geopolítico] é desafiante. Então, construir consenso é outro grande desafio
A declaração final do G20 é resultado de uma série de declarações ao longo de mais de um ano de reuniões. E muitas dessas reuniões não chegaram a formar consenso. Para você ter uma ideia, uma preposição não permitiu um acordo na reunião de finanças – a questão era war “in” Ukraine” ou war ”on” Ukraine…
E o G20 sob a presidência do Brasil conseguiu uma declaração, o que é um fenômeno. E ela tem avanços.
Um deles é a definição de princípios de bioeconomia, em que o Brasil tem tudo para protagonizar a construção de uma nova economia. Isso é muito importante, porque chegou-se a um conceito global.
Há outros avanços, como o lançamento da aliança global contra a fome e a pobreza e o compromisso de todos os países do G20 com a reforma da governança global, em especial a reforma do Conselho de Segurança da ONU
O governo brasileiro ainda pautou a agenda da tributação dos super-ricos. Se não foi exitoso em construir consenso em torno disso, pelo menos ficou uma frase que o ministro [da Fazenda] Fernando Haddad queria muito que ficasse na declaração, o compromisso de “vamos continuar essa conversa”. E houve [também] a aceitação da União Africana como membro pleno do G20.
Sobre a declaração final, não é a dos sonhos, não é a mais ambiciosa, mas é uma declaração possível no atual contexto geopolítico extremamente complexo – e possível no contexto da vitória de [Donald] Trump nos Estados Unidos e do governo [Javier] Milei, na Argentina.
E a agenda pautada na igualdade, solidariedade e desenvolvimento sustentável já foi lançada. Nós vamos criar aqui um grupo de engajamento, que era uma das propostas que a gente tinha para a presidência da África do Sul, para poder qualificar esse debate de governança global e desenvolvimento sustentável.
Como se estabeleceu esse trabalho da Coalizão e o que saiu de efetivo de todos esses encontros?
Houve essencialmente dois ciclos. O primeiro, mais de conteúdo, proposta e recomendações.
Passamos por uma série de ritos nesse processo, apresentando as recomendações ao Conselhão, ao presidente Lula, ao embaixador Maurício Lyrio [secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty], a ministros de finanças. Depois veio o processo de articulação, para sensibilizar [os atores políticos].
A gente tem um conjunto de mais de cem páginas de recomendações, essencialmente para o grupo de finanças sustentáveis da trilha financeira do G20.
Acho que a gente conseguiu qualificar o debate sobre o papel dos bancos de desenvolvimento, que precisam ser mais responsivos à emergência climática. Eles precisam ter mais instrumentos de blended finance e operar de maneira mais concreta na transição [energética] justa. Conseguimos que no relatório final houvesse um posicionamento nesse sentido
Outro avanço: mostrar que existe uma coalizão, de membros da sociedade civil e de atores de mercado, que está atenta, conectada e presente para qualificar essa agenda. Fomos convidados ao longo do ano para todas as sessões da trilha financeira [preparatória] do G20. Isso vai formando um “caldo”, não só no Brasil, mas internacional, de que esse grupo, tem conhecimento, experiência e vivência para seguir contribuindo.
No segundo ciclo, a gente leva para a presidência da África do Sul três recomendações, uma delas que o país siga com o G20 Social como estrutura; a segunda, a criação de uma iniciativa de economia para as pessoas e para o planeta.
Aqui, um parênteses: cada sociedade tem uma economia para chamar de sua, economia de impacto, economia circular, economia donut, economia regenerativa, economia de cuidado… E, com isso, vem uma série de fragmentações. Então a gente tentou construir uma espécie de guarda-chuva, algo como “People and Planet Economy”. A gente só vai saber se isso vai ser incorporado [à agenda de trabalho do G20 sob liderança da África do Sul] nos próximos três meses.
E a terceira recomendação, que aliás o presidente Lula levou à Assembleia Geral da ONU em setembro: o uso de conselhos econômicos e sociais para o debate do desenvolvimento sustentável.
O encontro dos líderes do G20 no Rio aconteceu ao mesmo tempo em que se dava a COP29, em Baku, no Azerbaijão. Isso não trouxe alguma diluição para o tema da emergência climática?
Para a sociedade, sim. Eu iria à COP, tinha credencial e tudo, mas não podia faltar ao G20. A ministra [do Meio Ambiente e Mudança do Clima] Marina Silva foi a Baku, voltou ao Rio e depois retornou à COP. Então houve uma fragmentação da agenda, sobretudo a da sociedade civil, que deve acompanhar e fazer pressão sobre as lideranças globais.
Mesmo assim, aconteceu em Baku um movimento empresarial da sociedade civil que elaborou um documento de pressão para as lideranças do G20 acelerar as conversas sobre o financiamento de agenda climática. É muito difícil dizer quanto essa carta, esse movimento, incidiu na agenda do Rio. Mas houve essa conexão
O tema do financiamento é talvez o maior entrave para a gente avançar no enfrentamento da agenda climática [o resultado da COP-29 foi considerado frustrante porque os países ricos concordaram em financiar um valor bem abaixo do que queriam as demais nações].
Por outro lado, a gente avançou na normatização do mercado de carbono, que é o artigo 6 do Acordo de Paris [Em Baku, chegou-se a um acordo para que finalmente, em 2025, as Nações Unidas lancem um sistema oficial de comercialização global].
E isso é importante para o Brasil, porque podemos chegar a [ter] 20% do mercado de carbono global. Temos protagonismo, biodiversidade, mercado interno e externo.
Aqui no Brasil a regulação também caminhou [com a aprovação do projeto de lei que cria um mercado de carbono oficial].
A regulação cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, vai passar por regulamentação, tem toda uma governança a ser implementada, mas finalmente você vê o Estado viabilizando as regras do jogo para que a gente possa, entre aspas, internalizar a externalidade – e a mudança climática é a maior das externalidades
E não há como atingir os objetivos do Acordo de Paris se a gente não regular o mercado de carbono. E o Brasil é um dos maiores emissores, embora aqui não com origem delas em energia, muito mais em desmatamento e uso do solo. Até hoje o Brasil se apoiava no mercado voluntário [de venda de carbono], que tem limitações. Mesmo assim ele é importante, ajudou a formar uma cultura.
Olhando o documento com recomendações que a Coalizão preparou para o comitê responsável por fomentar os negócios de impacto no âmbito do Governo Federal, há, por exemplo, o uso de incentivos fiscais. Esse instrumento vem sendo vilanizado. Há que se falar nisso hoje em dia?
A gente vive uma situação em que a máxima que a ministra Marina Silva coloca deve ser levada em consideração, ou seja, que o custo do cuidado é sempre menor do que o custo do reparo.
Se a gente conseguir criar o ambiente favorável para direcionar o capital para esse cuidado, sem dúvida a gente vai mitigar [a emergência climática]. E estão aí episódios como as cheias do Rio Grande do Sul e os incêndios no Pantanal e na Amazônia.
Então, a gente precisa criar um incentivo pra isso – não necessariamente o fiscal, que é um deles, mas não o único. A gente colocou essa possibilidade porque o custo de transação para mexer o capital não é pequeno no Brasil.
Veja: no mundo, o subsídio para o combustível fóssil está chegando a 10 trilhões de dólares. Então não se trata só de incentivar a nova economia, a gente precisa desincentivar a velha. Senão, a gente não consegue fazer essa transição
Enquanto a gente advoga por 200 bilhões de dólares para o fundo de florestas tropicais ou 250 bilhões de dólares para a tributação dos super-ricos, o mundo segue colocando 10 trilhões de dólares em combustível fóssil.
Então essa foi uma provocação, entre aspas, que a gente colocou nas recomendações.
O número de negócios de impacto ainda é diminuto no Brasil. O que falta? As diretrizes da Estratégia Nacional de Economia de Impacto criada no âmbito do ministério do Desenvolvimento Econômico e da Indústria e Comércio (MDIC) são suficientes?
A Estratégia Nacional foi reeditada pelo presidente Lula, depois de ter sido revogada pelo ex-presidente Bolsonaro. Mas o número que ela divulga [de 2 mil negócios] é muito baseado nos negócios de base comunitária, que são apoiados por organizações como o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES.
Esse é o dado mínimo que foi levantado. Para que consigamos expressar o número [real] de empreendimentos e o volume de fluxo de capital há um desafio de coleta de dados em larga escala. Como a gente não tem uma identidade jurídica para esse tipo de empreendimento, é muito difícil.
Mas tramita no Senado um projeto para justamente identificar as empresas que se comportam com propósito, responsabilidade e transparência. Isso ajudaria muito a fazer o tracking desses dados.
Hoje, o volume destinado a negócios de impacto está em torno de 18 bilhões de reais. O secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do MDIC, Rodrigo Rollemberg, fala em decuplicar essa cifra.
Eu sou mais ambicioso: acho que até 1 trilhão de reais podem migrar para os investimentos de impacto por ano no Brasil
Para isso, a gente precisa mover os incentivos adequados. Para os gestores de capital, mas também para os empresários, que precisam de um ambiente normativo institucional.
A criação dessa identidade jurídica é um caminho; pode, por exemplo, gerar uma mudança nas contas públicas.
O governo é um importante ator de mercado, hoje mais de 12% do PIB vem das compras públicas. Imagina não selecionar só pelo preço, mas também pelo impacto? Mas sem padrões, você não consegue fazer isso: o TCU [Tribunal de Contas da União] vem pra cima do gestor público.
São pequenos pontos de acupuntura que a gente pode tocar: criar um ambiente institucional, um arcabouço jurídico favorável para o gestor público, para o investidor, para o empresário. Uma fatia importante das mais de 19 milhões de empresas do Brasil pode quem sabe se mover para o impacto positivo
É preciso ainda envolver a autorregulação, que é muito forte no Brasil, que é quando atores do mercado se unem e definem a sua própria regra do jogo, independentemente do Estado, como acontece com a Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais] e com a B3. A gente precisa fazer com que elas se aproximem do impacto.
Onde estão as principais lacunas e desafios para um fortalecimento do mercado de impacto e de um desenvolvimento de fato sustentável? Na esfera pública ou privada?
No ambiente público você tem um desafio que são as escolhas trágicas. Há uma escassez de recurso: você tem de fazer uma boa gestão desse recurso, ou seja, há uma série de escolhas e renúncias que você precisa fazer.
Mas até por conta de nosso sistema político-eleitoral, o agente politico se move para tomar uma decisão de curto prazo. E o cuidado, como na frase da ministra Marina, não dialoga com o curto prazo. O cuidado é um olhar de longo prazo
No âmbito privado há também uma lógica de curto prazo, a maximização do resultado. Que é do trimestre, não de dez anos. É a lógica do acionista, a lógica do que o [prêmio Nobel de Economia] Milton Friedman colocou há 54 anos, moldando o capitalismo como a gente conhece. Mas o risco é probabilidade vezes impacto – e aí a recuperação começa a entrar na conta.
Agora a gente começa a falar nessa empresa de benefício ou sociedade de benefícios, objeto do projeto de lei 3284/2021, esse que tramita no Senado e que traz um novo paradigma: não basta só mitigar ou compensar impacto negativo. Você precisa gerar impacto positivo. E o impacto não é só financeiro, ele vai considerar dimensões sociais, ambientais.
Chamou minha atenção lá atrás que na Din4mo vocês usaram títulos de dívida [debêntures] como instrumento de financiamento para fortalecer um negócio de impacto, a Vivenda, de reforma de casas em favelas e comunidades. Outros modelos de financiamento se impuseram? Como anda esse setor?
Acho que a agenda de impacto deu uma diluída, e a agenda climática ganhou força. Hoje é mais difícil levantar capital para impacto, tem uma variedade [de modelos] grande, tem de ser bem específico no que se faz.
Por outro lado, coisas estão acontecendo. Este ano, por exemplo, o secretário de Tesouro Nacional, Rogério Ceron, junto com os ministros Fernando Haddad e Marina Silva anunciaram o programa Eco Invest [que financia a juro subsidiado projetos sustentáveis, mas exige como contrapartida captação de mais recursos no exterior]. Esse tipo de solução criativa vai ser cada vez mais presente.
Outra categoria que deverá ser muito presente não só no Brasil como no Norte Global é o Debt for Nature Swap [títulos negociados no mercado que trazem descontos de dívida de países emergentes que são biodiversos]. Ainda houve o lançamento pelo Banco Mundial de um fundo para a conservação das florestas tropicais [TFFF, no acrônimo em inglês].
Acredito que, mais e mais, vamos ver fundos para direcionar e alocar mais capital público, capital de desenvolvimento multilateral, capital privado, capital até filantrópico… Do outro lado, a agenda de impacto, aqueles fundos de investimento de impacto de dez, 15 anos atrás, vão precisar se repaginar
Porque a competição com a agenda climática chegou.
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