Pessoas negras são maioria (52%) entre os donos de pequenos negócios no Brasil. No entanto, só dois em cada dez destes empresários estão formalizados. Entre os afroempreendedores, mais de 70% têm um faturamento mensal mais baixo, de até dois salários-mínimos.
É com base nestes dados de uma pesquisa do Sebrae (divulgada no Dia da Consciência Negra de 2023) que Marcelo Arruda, 58, justifica a relevância do seu negócio, a Diversidade.io, que se posiciona como uma startup dedicada a combater a desigualdade racial:
“Se conseguimos movimentar a cadeia do afroempreendedorismo, ajudamos a curto e médio prazo para que estes profissionais consigam verdadeiramente prosperar”
A Diversidade.io faz a ponte entre afroempreendedores e grandes companhias, que buscam levar diversidade a sua rede de fornecedores e contratam a startup para ter acesso a uma base de dados exclusiva.
Nascido e criado na Zona Oeste de São Paulo, Marcelo se define na infância e na adolescência como “aquele garoto certinho”. “Fui escoteiro, atleta; fiz salto triplo, de 110 metros com barreiras no Clube Pinheiros. E a primeira faculdade em que entrei foi Medicina.”
Ele não levou o curso por muito tempo. Em vez disso, resolveu estudar Publicidade e Propaganda, e emendou a faculdade com um programa de extensão e um MBA em Varejo.
A formação como publicitário abriu um leque de oportunidades. Marcelo viveu em 18 lugares no Brasil, principalmente para se adaptar aos trabalhos em diferentes empresas, como Mondelez, Unilever e Cargill. Numa delas, foi convidado a dar um curso de Inteligência Competitiva para Negócios, que o fez querer empreender.
Em 2012, tentou abrir uma distribuidora de cosméticos, que não avançou. Depois, criou a Insight Soluções, que fazia vídeos corporativos.
Inicialmente, a Insight Soluções atendia clientes de pequeno porte, com peças de até 2 minutos. Até que a Câmara Municipal de São Paulo encomendou a criação de uma campanha audiovisual para o Dia do Afroempreendedor (26 de agosto).
A encomenda trouxe visibilidade à empresa, e a demanda a partir daí cresceu. Porém, havia um incômodo. Marcelo relembra:
“Muitas pessoas nos procuravam e queriam que a gente fizesse o trabalho de graça. Percebemos que havia um viés. Estavam prestando mais atenção a quem produzia do que ao conteúdo em si”
A dúvida que vinha à cabeça era: se fossem pessoas brancas por trás dos vídeos, será que pediriam desconto? Questionariam a competência de quem produziu?
Para além do desconforto (e apesar do aumento na quantidade de pedidos), havia a percepção de que as empresas contratavam um produto do tipo e só voltavam a fazê-lo meses depois.
Era preciso expandir o portfólio. “Buscamos alternativas para ter recorrência no faturamento. Criamos mídias out of home, para as TVs de elevadores e até cardápios digitais interativos.”
O ponto de virada foi quando Marcelo e sua equipe participaram de uma rodada de negócios com outros empresários e notou que, além dele, tinham outros cerca de 50, porém, somente três eram negros.
“Me conectei com eles e começamos a montar uma rede de contatos que, depois, passou a se chamar Map – Movimento de Afroempreendedores Parceiros. Até que, na pandemia, a Ambev, que já era cliente, pediu para desenvolvermos uma tecnologia para valorizar afroempreendedores”
Essa encomenda acabaria sendo o protótipo do que passou a ser a Diversidade.io.
Funcionava assim: a fabricante de bebidas informava de quais serviços precisava e se conectava, por meio de uma plataforma desenvolvida por Marcelo e sua equipe, com empreendedores negros que os realizassem.
A Ambev acelerou a startup, o que possibilitou desenvolver uma ferramenta de reconhecimento racial baseada em machine learning com mais de 70 mil fotos que indicavam, por meio de uma análise de fenótipos, a possibilidade de o prestador inscrito ser ou não negro.
Segundo Marcelo, o mecanismo é utilizado para evitar fraudes e assegurar o compromisso da startup com diversidade e inclusão. Assim, 250 afroempreendedores prestaram serviços para a Ambev na primeira rodada.
Selecionada para uma aceleração global, a Diversidade.io foi à cidade belga de Leuven, sede da AB Inbev, companhia que engloba a Ambev:
“Fizemos o pitch na Bélgica e ganhamos mais um projeto-piloto: criar um marketplace de comunicação e linguagem inclusiva para pequenos empresários com pouca interação digital. A partir dele, entregamos um banco de dados com 270 mil afroempreendedores, o maior do tipo fora do continente africano”
O resultado desse projeto foi apresentado em um evento final, em Nova York.
Aos poucos, mais marcas se interessaram em contratar produtos e serviços terceirizados pela plataforma.
Natura, PepsiCo e PMI (dos copos Stanley) são algumas que passaram a fazer negócio por meio da Diversidade.io.
A equipe da Diversidade.io (foto: Elson Henrique Vilela).
O Carrefour, por sua vez, levou 22 afroempreendedores para venderem nas unidades do hipermercado. Foram beneficiados produtores de café, cosméticos e acessórios para petshops, por exemplo.
Uma delas foi Elaine Moura, da Popcorn Gourmet, que, por meio da plataforma, conseguiu se apresentar ao Carrefour — e, depois, entrou em mais três redes de varejo com as pipocas que fabrica.
No geral, porém, a maioria dos fornecedores da base da dados são empresas de serviços, “porque é mais barato para abrir”:
“É comum que o empreendedor negro não tenha tanto acesso a investimento, que empreenda para sobreviver”
Marcelo cita outros casos de afroempreendedores que conquistaram contratos com a ajuda da Diversidade.io:
“Uma arquiteta que trabalha conosco fechou negócio perto de 600 mil reais com a Ambev. Uma agência de publicidade de uma empreendedora negra fechou outro, de mais de 300 mil reais, com a Unilever.”
Importante: o(s) afroempreendedores(as) não pagam para constar nessa vitrine digital.
A startup cobra uma anuidade (132 mil reais) das companhias clientes em troca do acesso à base de dados — com recortes de gênero, distribuição geográfica e faixa etária — e da homologação de fornecedores negros para essas organizações.
Outra fonte de receita são as palestras de letramento racial corporativo.
Em vez de conteúdos dirigidos aos colaboradores, o foco aqui são as lideranças, para mostrar que fechar negócio com empreendedores negros “não é filantropia ou caridade”.
Nessas palestras, Marcelo costuma exibir é o dizpramim.com.br, um questionário online criado pela Diversidade.io que visa evidenciar as diferenças de visão entre uma pessoa negra e outra branca sobre a mesma empresa.
“Fizemos a pesquisa com uma startup de educação com sede em Curitiba e foi importante para que percebessem que alguns termos são agressivos, como ‘branquismo’ e ‘privilégio branco’. Então, o convite é para que todos estejam conosco no que chamamos de uma jornada antirracista”
O interesse por parte das empresas, segundo Marcelo, precisa ser genuíno, para além do discurso:
“Tem empresas grandes que nos procuram, mas que a gente sabe que têm uma postura de apenas mitigar riscos raciais. Aí, não faz sentido [para a Diversidade.io].”
Ainda que a Diversidade.io não seja uma plataforma de recolocação profissional – por estar voltada ao B2B –, Marcelo enxerga um impacto positivo nos times internos de corporações predominantemente brancas.
“É na convivência que o preconceito se quebra. A partir do momento em que um empresário passa a ver todos os dias uma pessoa negra prestando serviço ou fazendo reunião de negócios, ele não estranha um candidato negro num processo seletivo”
Até 2023, a Diversidade.io ocupava um coworking. Hoje, mantém um escritório próprio no Brooklin, zona sul de São Paulo, onde atuam sete pessoas. O espaço foi apelidado de “Consulado de Wakanda”, em referência à empoderada e ultratecnológica nação africana do Pantera Negra, o super-herói da Marvel.
E os wakandanos estão a todo vapor. No último ano, a Diversidade.io faturou 1,8 milhão de reais. A expectativa, segundo Marcelo, é que esse faturamento cresça 100% no fim de 2024. Há também uma perspectiva de fechar negócio com a prefeitura de Nova York.
Para o fundador, porém, mais do que a expansão internacional, o grande objetivo é fortalecer uma consciência cada vez maior. “Da mesma forma que, em uma doação de órgãos, a raça não importa, ela também não deveria importar na hora de fechar negócio.”
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