“O mercado de tecnologia é superaquecido, mas nas favelas muitos jovens nem sonham com a área. Eu resolvi mudar essa história”

Victoria Santana de Souza - 24 fev 2023
Victoria Santana de Souza, fundadora do Ubuntu Hub.
Victoria Santana de Souza - 24 fev 2023
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Fui demitida em 2019 da empresa em que trabalhava. Não era o emprego dos meus sonhos. De qualquer maneira, o “baque” me pegou forte, ainda mais porque isso tinha acontecido uma semana antes do meu aniversário, duas antes do Natal e três meses antes de uma pandemia mundial.

Na minha visão: eu estava na m…

Mas a ideia de empreender um negócio de impacto social veio bem antes dessa fase. Acredito que no dia do meu nascimento.

Explico! Sou uma mulher, negra e da periferia paulistana. Por si só, essas características me fazem ser uma pessoa inconformada. Não porque eu quero, mas porque o mundo não foi desenhado para mim

E, por isso, para que as coisas aconteçam, preciso ser inconformada.

As mulheres negras e da periferia têm a “obrigação” de estudar mais do que as outras pessoas, se esforçar mais do que qualquer um para, no final do dia, ainda sim, com uma vaga afirmativa, entrarem em uma grande empresa e terem alguma chance.

Acredito que foi mais ou menos assim que entrei naquela empresa. Talvez fosse uma vaga de diversidade que precisasse ser preenchida de qualquer maneira e a minha foto “ficasse bem” para o marketing da mesma.

Aquela história de colocar um negro na foto e pensar: “Que empresa diversa!”.

DESEMPREGADA, DECIDI QUE QUERIA EMPREENDER NA ÁREA DA EDUCAÇÃO PARA MUDAR AS REGRAS DO JOGO

Confesso que aquela frase clichê, “há males que vêm para o bem”, é real.

Nas inúmeras horas que passava dentro de um trem ou fazendo baldeações para chegar no meu trabalho do “outro lado da ponte”, tinha várias ideias do que queria fazer em um futuro não tão próximo. 

Vivia entre dois mundos: a periferia da Zona Leste de São Paulo e a Zona Sul, dos “faria limers”. Nesse mesmo ano, aprendi um pouco mais sobre startups e, em paralelo, dava aulas de alfabetização para crianças carentes do Jardim Pantanal, bairro que alaga todos os verões.

Foi então que pensei em misturar as duas coisas. Será que poderia fazer o que amo e ao mesmo tempo ganhar por isso? 

Em um mundo onde as pessoas trabalham pelo dinheiro e pelo conforto/status que seus cargos podem proporcionar, onde educação nunca foi prioridade, onde empreender é caro e custa sua saúde mental, eu – que não era herdeira – queria empreender na área da educação.

“Pode isso, Arnaldo?” Pode sim! E foi assim que surgiu o Ubuntu Hub, uma startup de impacto com o objetivo de mudar as regras do jogo.

Minha ideia de negócio nasceu com diversas referências e simbolismos, com a missão de — por meio da educação e conexão com oportunidades de trabalho — incluir os jovens no mercado de tecnologia

A proposta é criar uma aceleração profissional por meio de um chatbot gamificado no WhatsApp (conheça o protótipo), com o objetivo de disseminar educação por meio de inteligência artificial.

E, através de micro aprendizados e desafios práticos, inserir jovens periféricos no mercado de tecnologia, o que mais cresce no mundo.

ESCOLHI TRABALHAR COM TECNOLOGIA E LEVÁ-LA PARA JOVENS DA PERIFERIA QUE NEM SONHAM EM ATUAR NESSA ÁREA

Ah, mas por que tecnologia? 

Porque nesse período pandêmico, a necessidade de continuar aprimorando o currículo me fez cursar Tecnologia da Informação. E percebi o quanto o ensino (metodologia) continua arcaico e chato, afastando os jovens da academia (um pecado inacreditável).

Porque o mercado de tecnologia é o mais aquecido e, ao mesmo tempo, existem milhares de jovens desempregados nas favelas que nem sonham com as novas profissões que estão sendo criadas nesse instante

A partir dessas inconformidades e da minha fase desempregada, comecei a buscar por cursos, acelerações e mentores para ingressar na minha nova fase profissional: empreendedora por necessidade sim, mas por paixão também!

E preciso fazer um parênteses para falar dos mentores. Conheci tanta gente incrível que me ajudou com insights, dicas e principalmente apoio emocional. E tudo isso de graça!

Foi um presente encontrar tanta gente boa no meu caminho. O que me impulsionou a não perder a fé nas pessoas e não desistir do meu objetivo.

Ao longo de um ano, foram 13 acelerações empreendedoras nacionais e internacionais. Aprendi horrores todo aquele “startupês” (fundraising, market share, product market fit etc). Desde “como fazer um pitch matador” até “validar uma ideia/produto”

Confesso que ainda estou na fase de fechar a validação do meu produto com os clientes. Isso porque durante as acelerações empreendedoras e inúmeros cursos que fazia, consegui um emprego (lembra que falei que não era herdeira?).

E após uma rápida melhoria na curva de infectados pela pandemia,  fui “convidada” a trabalhar presencialmente, o que me quebrou…

COMO DIZ EMICIDA, SOU A ÚNICA REPRESENTANTE DOS MEU SONHOS NA FACE DA TERRA

Foi um desafio trabalhar presencialmente e, ao mesmo tempo, tocar ou tentar tocar um empreendimento de impacto social totalmente sozinha. 

Isso porque pessoas vieram e se foram ao longo do projeto — ou porque conseguiram um emprego, ou porque “não têm tempo”. E entendo completamente seus “porquês”.

 Uma vez ouvi de um dos mentores que ninguém se dedicaria e se empolgaria com o meu sonho mais do que eu — e isso é verdade

Emicida acrescentaria: “Você é o único representante do seu sonho na face da Terra”.

Quando empreendemos e lideramos algo, acreditamos que as pessoas têm a obrigação de pensar e se doar como a gente, mas a vida real é um pouco diferente.

Sou eu quem pensa nas trilhas, nos conteúdos para postar, quem participa das acelerações empreendedoras, faz as apresentações de pitch, consegue recursos… E assim funciona a minha “euquipe”

Além de empreender sozinha, ser uma mulher negra e da periferia e precisar ter outro emprego, há outras diversas inseguranças que são minhas também.

Como, por exemplo: de que forma apresentar meu produto para a empresa X? Qual valor aplicar? Como desenvolver uma trilha de capacitação profissional se não sou da área da educação?

PARTICIPEI DE ACELERAÇÕES E EDITAIS QUE ME FIZERAM PERCEBER O POTENCIAL DA MINHA IDEIA E SAIR DA ZONA DE CONFORTO

Apesar dos desafios nesse percurso, tive algumas conquistas incríveis para uma pessoa com medo de sair da zona de conforto como eu. 

Conquistei o segundo lugar na competição de pitches do Pitch Brasil Clubhouse, comandado por Nina Silva, do Movimento Black Money, em 2022.

Ganhei um capital semente no curso Despertando o Empreendedor, da escola de negócios da periferia Empreendeaí, em 2021.

Ano passado, fui selecionada com mais 19 mulheres negras e indígenas para ser acelerada pelo PretaHUb, de Adriana Barbosa e Instituto Alok, para receber um capital  para alavancar meu negócio — com direito a anúncio do próprio Alok em uma live para as selecionadas!

E ainda fui premiada no Edital Lideranças para a era digital do Instituto Lula, recebendo também um capital de aceleração da ideia. Minha primeira aquisição com esses recursos foi um notebook moderno, já que o meu tinha dez anos. 

Conseguir todos esses capitais e reconhecimentos exigiu que eu saísse da zona de conforto. Busquei negócios parecidos, entrevistei e ouvi as dores de pessoas do RH, startupeiros, jovens desempregados. Me inscrevi para editais, conversei com gente visionária…

Fiz pitches para pessoas que eu nem conhecia (homens brancos em sua maioria). Pivotei, aceitei críticas, sugestões… E trabalhei muito em cima do meu propósito de mudar realidades nas periferias, algo que me anima de um jeito incrível.

MESMO QUE SEJA PUXADO, ME RECUSO A GUARDAR NUMA GAVETA O MEU SONHO DE EMPODERAR A JUVENTUDE PERIFÉRICA

Meus próximos passos são terminar de validar meu modelo de negócios com algumas empresas (interessados, me procurem, rs!), tirar meu CNPJ e buscar pessoas apaixonadas por tecnologia e impacto social (interessados, podem me procurar também!).

E realmente, esse negócio precisa ser coletivo. Porque se eu fizer tudo sozinha, “Ubuntu” não tem sentido algum.

Ubuntu é uma palavra de origem africana que remete a alguns significados como solidariedade, coletividade, sendo a minha tradução favorita a frase: “Eu sou porque nós somos”.

Sempre acreditei muito no poder das comunidades para a resolução de problemas. E a educação é um problema gigantesco que requer muitas pessoas entusiastas. Me anima demais a ideia de pensar em no futuro poder contratar gente para co-criar soluções criativas comigo

Nesse turbilhão de informações e sonhos, tem mais um detalhe. Estou mudando de emprego. Isso foi preciso para que as ideias não entrassem de vez dentro de uma gaveta e não saíssem de lá nunca mais

Na minha cabeça, será — não mais fácil (porque nada foi) — mais viável empreender, nem que seja aos finais de semana, para não deixar morrer meu sonho de empoderar a juventude periférica.

Como sempre digo, essa juventude corre o risco de não ter um futuro… Porém, sou teimosa demais para deixar isso acontecer!

Aguardem as cenas dos próximos capítulos!

 

Victoria Santana de Souza é apaixonada por impacto social, empreendedorismo e tencologias que podem mudar o mundo. É formada em Engenharia de Produção pela Escola Superior de Engenharia e Gestão e Tecnologia da Informação pela Univesp. Trabalha na Johnson & Johnson como traineee e empreende a Ubuntu Hub.

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