O Porto Social capacita negócios de impacto no Recife para se relacionarem com governos e empresas “em pé de igualdade”

Verônica Fraidenraich - 2 mar 2020
Fábio Silva, presidente do Porto Social.
Verônica Fraidenraich - 2 mar 2020
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Em 2010, enchentes atingiram cidades da Zona da Mata Sul de Pernambuco, trazendo os transtornos que se repetem ano a ano pelo país. Na época, o administrador Fábio Silva estava à frente de uma ONG recém-criada, a Novo Jeito. Para ajudar os desabrigados, ele agitou um mutirão que arrecadou 100 mil reais. Colchões comprados com essa grana encheram sete caminhões.

Fabio é hoje o presidente do Porto Social, que se define como um “centro de soluções e incubadora de projetos e negócios de impacto”. A organização pernambucana foi fundada em 2016, mas sua origem começou a se desenhar lá atrás, depois daquela enchente.

De municípios como Barreiros e Palmares, no interior, a Novo Jeito passou a atuar também na capital, distribuindo desde donativos até abraços. Fabio foi engajando voluntários, conhecendo empreendedores sociais, e dessa experiência nasceu a ideia do Transforma Recife:

“O Transforma é uma plataforma de voluntariado para o Recife que conecta quem quer ajudar e quem precisa de ajuda. Faz o match — assim como o Uber no transporte, o Airbnb na hospedagem e o Tinder no namoro”

Criada em 2014 em parceria com a prefeitura local, a plataforma ganhou corpo, recebeu a bênção do papa Francisco (Fábio e o prefeito Geraldo Júlio tiveram uma audiência com o pontífice em 2017, no Vaticano) e foi ampliada para âmbito nacional em 2018, com o Transforma Brasil.

FÁBIO ERA CEO DE UMA REDE DE CONSULTÓRIOS ODONTOLÓGICOS

Fabio tem MBA em planejamento estratégico pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pós-graduação em gestão de negócios na Universidade Mackenzie.

Antes de ingressar no terceiro setor, ele era CEO da empresa da família (uma rede nacional de consultórios odontológicos, liderados pelo pai e irmão, que são dentistas).

“Entendo de gestão, captação de recurso, olhar estratégico, plano de ação, planejamento, atuação em rede, escala… Toda essa minha ‘tecnologia’ empresarial, de formação, de contato e de rede, eu trouxe para o setor social.”

Essas competências ajudaram a identificar uma demanda das iniciativas sociais cadastradas no Transforma Recife: a profissionalização.

“Percebemos que essas instituições precisavam depender menos do poder público. Precisavam se relacionar com o primeiro, o segundo e o terceiro setor em pé de igualdade”

A carência de profissionalização era uma constante entre as 400 instituições cadastradas, independentemente da complexidade das atividades oferecidas — de contação de história a vagas para médicos, professores e advogados.

O INVESTIMENTO DE R$ 500 MIL VEIO DE PATROCÍNIO E DOAÇÕES

O Porto Social surgiu para incubar e acelerar gratuitamente ideias e iniciativas sociais em fase inicial ou já em operação — gerando, a partir desses projetos, um catálogo de soluções para governos, empresas e associações do terceiro setor.

Para colocar a empreitada de pé, Fábio se juntou a Daniel Luzz (que acumula as funções de CEO e diretor de comunicação) e Návila Teixeira, diretora de voluntariado do Porto Social e também da plataforma Transforma Brasil. Mais tarde, Pedro Verda se somou ao grupo para cuidar do setor educacional.

Fábio resume a atuação do Porto Social:

“A gente pega alguém que queira mudar o mundo, um segmento, uma causa, e acelera. Ou então pega um projeto já formalizado para profissionalizá-lo — ajudando a captar recurso, a se organizar juridicamente e contabilmente, para o impacto ser maior”

O investimento de 500 mil reais no negócio veio de patrocinadores e doações. Sediado na Ilha do Leite, região central do Recife, o Porto Social tem 15 colaboradores fixos e outros 15 dedicados ao Transforma Brasil.

O INSTITUTO SONS DOS SILÊNCIO FOI UM DOS PRIMEIROS INCUBADOS

Em quatro anos, o Porto Social incubou três turmas, totalizando 150 projetos e 450 empreendedores sociais. Financiado por meio da Prefeitura do Recife, o programa dura um ano e oferece palestras, cursos e mentorias individuais.

Seis eixos estruturam os conteúdos das mentorias: ecossistema social, propósito, gestão de negócios de impacto, gestão de pessoas, sustentabilidade financeira e comunicação.

O Porto Social recebe propostas das mais diferentes áreas: de troca de roupa e feiras colaborativas (Ourela) a inclusão sociodigital (Educomídias), e preservação do direito da criança e do adolescente (Levante), por exemplo.

Um dos primeiros projetos incubados foi o do músico e pedagogo Carlos Alberto Alves, ou Carlinhos Lua. Ele queria ensinar pessoas com deficiência auditiva a tocar instrumentos por meio da percepção tátil da vibração do som.

A incubação ajudou Carlinhos a criar o Instituto Inclusivo Sons do Silêncio, que atende 150 alunos com deficiência auditiva ou visual, autismo ou Síndrome de Down. Além da música, eles têm aulas de reforço em português e matemática e, em alguns casos, de Libras (Língua Brasileira de Sinais).

Há também um programa de pré-incubação — para amadurecer aquelas ideias que ainda não estão prontas. Ao todo, 85 projetos (de três integrantes, cada) já passaram por essa capacitação de dez meses, financiada pelo Instituto Neoenergia, braço social do grupo de mesmo nome.

EM JANEIRO ROLOU UM “MATCH DAY” NO PORTO DE SUAPE

Cinquenta projetos fazem parte da quarta turma de incubados, de 2020. Enquanto se aprimoram na gestão, eles podem desbravar novas oportunidades de negócios.

Recentemente, diz Fábio, o Porto Social assumiu a área de responsabilidade social do Porto de Suape, no litoral sul pernambucano. Em janeiro rolou um “match day”:

“As empresas do complexo ouviram os pitches dos acelerados, para para que possamos criar parcerias, monetizando tanto o projeto quanto o Porto Social, e causando impacto. Muitas empresas e órgãos públicos não têm ‘braço’ nem conhecimento para isso”

Na sua frente de governo, o Porto Social ajudou a implementar e faz parte do conselho do Pátria Voluntária, Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, vinculado ao Ministério da Cidadania.

“Temos um relacionamento muito forte com o poder público, dentro da nossa missão de influenciar diretamente o primeiro setor.”

ANTES DE EXISTIR O PORTO SOCIAL, JÁ EXISTIA O FESTIVAL VOX

O Porto Social promove ainda o Vox, um festival de inovação social realizado desde 2013. No começo, durava apenas um fim de semana. A edição mais recente, em setembro de 2019, ocupou quase o mês inteiro e diversos pontos da capital pernambucana, entre escolas, parques, bares e universidades.

“No ano passado, o VOX produziu 400 horas de conteúdo em 400 polos da Região Metropolitana do Recife, além de 300 intervenções de saúde em mais de 100 comunidades, contando com mais de 300 voluntários para beneficiar mais de 20 mil pessoas”

O encerramento contou com shows de Anavitória e Elba Ramalho, numa “celebração do voluntariado” que atraiu, segundo Fábio, 45 mil pessoas ao Parque Santana, na Zona Norte do Recife.

A MISSÃO SP E A IMERSÃO AJUDAM A COMPLEMENTAR A RECEITA

Em 2019, o Porto Social faturou cerca de 2 milhões de reais. Parte dessa receita vem de “doações financeiras de pessoas que acreditam no que a gente está realizando”, segundo Fábio.

Outra parte vem dos projetos com governos e empresas, e de duas iniciativas pagas: o programa de imersão e a missão SP, que custam em média 1 500 reais por pessoa.

A imersão ocorre em Recife e prevê palestras, visitas a empresas incubadas e experiências para desenvolvimento de um negócio de impacto. Já a missão SP leva os participantes a conhecer dez espaços de inovação social na capital paulista.

Os planos para 2020 incluem abrir uma segunda unidade no Recife Antigo, mais ampla, e se aproximar do Porto Digital, o polo tecnológico recifense (apesar do nome, não há nenhum vínculo entre as duas instituições).

E, claro, seguir levando à frente a proposta de ajudar empreendedores sociais a encontrar recursos e ferramentas para potencializar seu impacto,

“Esperamos que no futuro tenhamos um Brasil com políticas públicas mais justas, iniciativas privadas mais responsáveis e organizações da sociedade civil mais profissionalizadas.”

 

DRAFT CARD

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  • Projeto: Porto Social
  • O que faz: Incuba e acelera iniciativas em fase inicial ou já em atividade
  • Sócio(s): Fábio Silva, Daniel Luzz e Návila Teixeira
  • Funcionários: 15
  • Sede: Recife
  • Início das atividades: 2016
  • Investimento inicial: R$ 500 mil
  • Faturamento: R$ 2 milhões (2019)
  • Contato: [email protected]
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