“O público periférico não consome só funk e samba: ele consome k-pop, rock, quer saber do anime, do quadrinho, consome Star Wars”

Maisa Infante - 27 jul 2023
Andreza Delgado, idealizadora da PerifaCon.
Maisa Infante - 27 jul 2023
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Netflix, Globoplay, Warner e Mauricio de Sousa Produções são algumas marcas que neste domingo (30) estarão presentes na terceira edição da PerifaCon. Realizado desde 2019, o evento busca dar oportunidade tanto para os produtores quanto para os consumidores de cultura geek, nerd e pop da periferia de São Paulo. 

As marcas têm um papel importante de se aproximar e oferecer oportunidade para que o geek periférico acesse seus conteúdos e projetos, mas o grande diferencial do evento é colocar o produtor e consumidor da cultura geek no centro. No Beco dos Artistas, espaço onde eles podem expor e vender os seus trabalhos, estarão 86 artistas, sendo que a grande maioria é de pessoas negras e periféricas.

Segundo Andreza Delgado, 27, uma das idealizadoras do evento:

“A PerifaCon é também um evento comercial. A ideia é que a gente consiga trabalhar empregabilidade, economia circulareconomia criativa. É importante que as pessoas da periferia possam comprar e fazer a grana girar entre elas mesmas”

Em 2019, a primeira edição da PerifaCon recebeu 4 mil pessoas e custou 10 mil reais, arrecadados por financiamento coletivo.

Cosplayers do Super-Choque na edição 2022 da PerifaCon.

Por conta da pandemia, a edição seguinte só foi realizada em 2022; com um orçamento muito maior (600 mil reais, captados via patrocínio), o evento atraiu 10 mil pessoas à Brasilândia, zona Norte de São Paulo.

Neste último domingo de julho, a PerifaCon 2023 ocupará o Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, bairro da Zona Leste que fica a 30 km do centro da capital. A expectativa é reunir 15 mil pessoas em torno de uma programação com exposições, bate-papos, espaço gamer, lançamentos, sessão de autógrafos e shows. (O valor total de produção ainda não foi fechado, mas será bancada com patrocínio e financiamento coletivo.)

Na entrevista a seguir, Andreza fala sobre a importância do evento e os desafios envolvidos:


Quando e como surgiu a ideia de PerifaCon?
A PerifaCon nasceu em setembro de 2018, quando um grupo de amigos teve a ideia de fazer uma feira de quadrinhos da quebrada. E acabou se transformando em uma grande convenção porque resolvemos ocupar os sete andares do espaço com programação — essa edição aconteceu na Fábrica de Cultura do Capão Redondo.

Por que escolheram fazer a primeira edição no Capão Redondo?
Boa parte da galera era de lá. Eu sou baiana, mas meus pais vieram pra São Paulo e a gente se instalou no Capão Redondo. Passei minha adolescência inteira lá. 

Era um território que a gente conhecia. Fizemos porque queríamos fazer. É uma característica dessa juventude pulsante fazer o que dá vontade e não ficar esperando. O mais importante foi o primeiro passo. 

Neste ano, a PerifaCon será na Cidade Tiradentes. Por que a escolha do local?
A edição de 2020 ia ser na Cidade Tiradentes, mas cancelamos por causa da pandemia.

Quando retomamos, em 2022, preferi fazer em um espaço menor para testar o nosso público, ver se a gente tinha adesão. E foram 10 mil pessoas no evento que aconteceu na Fábrica de Cultura Brasilândia

Aí eu me senti mais preparada para esse espaço que recebe 15 mil pessoas. 

Por que grandes players como Netflix e Warner vêm embarcando na ideia da PerifaCon?
Desde a primeira edição a gente conseguiu parcerias muito legais e uma parte dessa galera que faz evento grande abraçou a ideia.

Na época, a Fox — que ainda não havia sido comprada pela Disney — fez um painel e passou o primeiro episódio de Impuros, série que se passa nas favelas cariocas. 

A Chiaroscuro Studios, da qual um dos sócios é proprietário da CCXP, também foi um patrocinador e trouxe alguns artistas que estão desenhando na DC Comics. 

Na segunda edição, a gente conseguiu vir mais forte com isso, e teve painel da Globo e da Turma da Mônica.

Este ano, a Netflix vai trazer o elenco de “Sintonia” — série que se passa na periferia de São Paulo e acabou de estrear a quarta temporada. Também vai ter uma ativação de “Besouro Azul”, da Warner

Então, algumas coisas que são dos grandes eventos que acontecem no centro vão acontecer na PerifaCon.

Isso é uma vitória porque significa que quem não consegue acessar os grandes eventos vai conseguir acessar coisas que acontecem nestes eventos durante a PerifaCon, o que mostra que, de fato, estamos construindo pontes

Na sua visão, a presença desses players está mais relacionada a marketing? Ou eles querem de fato se aproximar do público da periferia?
Acho que são as duas coisas. É importante se aproximar desse público. 

Sintonia, por exemplo, é uma das séries brasileiras mais vistas da Netflix e é um produto que fala da periferia. Então, nada mais justo e interessante do que conseguir conectar o elenco com o público que eles representam. 

Acho que essa conexão com a PerifaCon é interessantíssima porque acaba quebrando alguns estereótipos

Existe uma construção imagética que as pessoas têm do periférico. E a PerifaCon consegue trazer essa discussão, de que o público periférico não consome só funk e samba: ele consome k-pop, rock, quer saber do anime, do quadrinho, consome Star Wars.

É um trabalho muito importante para quase que educar as marcas e gerar oportunidades. Eu nunca quis fazer um evento que fosse fechado, da periferia para a periferia, porque não ia conseguir gerar oportunidade. 

Tem algum case de negócios que a PerifaCon gerou para esses produtores da periferia?
O Johncito expôs pela primeira vez na PerifaCon do Capão Redondo e depois conseguiu passar no Artist’s Valley da CCXP. 

Ele conta que a autoestima dele foi forjada enquanto artista na PerifaCon e que ele se sentiu empoderado para ir tentar outras feiras

A ideia é justamente essa, apresentar esses novos artistas e talentos para voarem, ocuparem espaços. A PerifaCon conseguiu abrir diálogos e olhares de como a cultura nerd é importante. 

O que me deixa triste é a falta de apoio institucional. Hoje, a gente faz a PerifaCon com verba de empresas privadas e alguns editais. É difícil porque é um orçamento grande. 

E depois de quatro anos, posso falar que não dá pra fingir que a PerifaCon não existe. A gente é referência

Não é à toa que estamos conseguindo trazer a Netflix pela primeira vez para uma ação na quebrada. Não estamos pra brincadeira.

Os quadrinhos e produtos geek são caros. A PerifaCon pratica algum preço mais acessível?
Tanto no Beco dos Artistas quanto nas lojas, os artistas e marcas praticam um preço quase de feira do livro. 

Este ano, por exemplo, vamos ter o Vassoura Quebrada, um restaurante lá do centro com temática de bruxo. Eles montaram um combo com valor acessível

Por isso eu falo que não é só um evento de palestras: é um evento em que também se pratica a questão comercial. 

Qual a sua relação pessoal com esse mundo geek?
Graças à PerifaCon fui revisitar minha própria história e, hoje, me considero muito nerd. Eu coleciono brinquedo, action figure, tenho muito quadrinho. 

Pra mim, foi o segundo armário de que saí. Saí do armário LGBT e depois do armário nerd, porque realmente gosto disso, me produz serotonina. 

E é isso que as pessoas sentem quando estão na PerifaCon, porque lá tem algo que não tem em nenhum evento do mundo, que é a pessoa ver muita gente negra, muita gente de periferia e ninguém olhar diferente pra ela 

Não que aconteça isso nos outros eventos, mas você se sente muito confortável porque são pessoas parecidas com você. 

Na exposição Rap em Quadrinhos, os artistas transformaram uma galera do rap em super heróis e montaram as capas… Aí o público se conecta nesse lugar que é gostar de rap e funk, mas também ser otaku — fãs de anime e mangá — e gamer. Porque a gente é muita coisa. 

Acho que a PerifaCon vem pra tirar uma galera do armário e deixar confortável em ser nerd. 

Porque a gente não está falando de uma comunidade fácil, mas de uma comunidade em que o ingresso para um evento custa, às vezes, um salário mínimo

E também [estamos falando] de uma construção identitária na qual só pessoas brancas, homem, cis, hétero são bem vindas [em geral, nesse tipo de evento]. 

Em 2022 a PerifaCon teve um estande na CCXP. Como foi essa experiência? Você se sentiu à vontade?
Foi muito legal porque a gente convidou alguns artistas, ocupou um pouco esse espaço e construiu coisas legais. 

Eu adoro fazer as coisas que faço com a CCXP, Omelete e outros eventos porque quando a gente mistura é sempre muito interessante.

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