O que fazer quando seu negócio faz sucesso antes mesmo de existir? A Naked Picolé está aprendendo

Italo Rufino - 6 jun 2016
Rafael e Thiago, fundadores da Naked, rumo ao Rio de Janeiro para o primeiro evento da marca.
Italo Rufino - 6 jun 2016
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Nos primeiros meses de 2015, o publicitário Thiago Godoy, de 33 anos, e o designer Rafael Cipolla, 28, vivenciaram uma rotina diferente da que estavam acostumados nos muitos anos de trabalho em escritório. Toda semana, repórteres contatavam os dois com pedidos de entrevistas. O tema da conversa era sempre o mesmo: a Naked Picolé, empresa que Thiago e Rafael tinham recém fundado. Na época eles mal tinham terminado de desenvolver o produto, o site já estava pronto mas elementos importantes da estratégia de distribuição e relacionamento com o mercado ainda não existiam. A visibilidade precoce lhes trouxe benefícios e problemas, aos quais ainda estão se ajustando. O conceito original, apesar das turbulências, nunca mudou.

A Naked produz picolés naturais a partir de uma receita bem peculiar: água de coco e pedaços de fruta. Só. Os sabores são abacaxi, banana, kiwi, mamão, manga, entre outros. Alguns levam pitadas de gengibre, linhaça, laranja, cenoura e beterraba. Os preços dos picolés variam entre 6,99 e 8,99 reais cada.

Alguns dos picolés da marca, com preços que variam de 6,99 a 7,99 reais.

Alguns dos picolés da marca, com preços que variam de 6,99 a 7,99 reais.

Há três canais de venda. O principal é o comércio eletrônico, em que o cliente pode comprar avulso ou contratar uma assinatura de 10 ou 20 picolés mensais. Outra fonte de receita são os eventos corporativos, no qual marcas (como Suzuki, IBM, Quiksilver e Track & Field) contratam a Naked para participar de lançamentos de produtos, convenções e encontros de relacionamento.

Por último, há as vendas no varejo. Os picolés podem ser encontrados em lojas da rede Mundo Verde, empórios, restaurantes vegetarianos ou de comida saudável em mais de 30 pontos de venda no estado de São Paulo. Nos últimos meses, Thiago e Rafael firmaram parceria com alguns pontos de venda atípicos, como uma rede de farmácia de manipulação e uma academia de ginástica.

Mas faz sentido vender sorvete em uma farmácia de manipulação? Para Thiago e Rafael, faz sentido sim, pois os sorvetes da Naked não são muito bem “sorvetes”. Na real, dizem eles, a proposta da empresa é oferecer aos consumidores uma nova forma de comer frutas, tendo como princípio que seja algo saudável e prático. No entanto, essa proposta da empresa não foi recebida pelo mercado da maneira que os fundadores desejavam – e, hoje, o maior desafio da Naked é refazer sua imagem.

QUANDO O HYPE VEM ANTES DA HORA

Logo no início de sua operação, a Naked ficou carimbada como a “nova onda do sorvete”. Com um boom de reportagens sobre a empresa, os sorvetes pelados (transparentes) da Naked passaram a ser chamados, em alguns casos, de “substitutos das paletas mexicanas”.

Tamanha exposição precoce até poderia ser bacana para uma empresa recém-lançada. O problema é que parte dos consumidores, na expectativa de saborear um sorvete tradicional, se frustrava ao experimentar o picolé Naked, que não tem açúcar e não interfere no gosto da fruta – sabores como morango e kiwi podem ser azedos, por exemplo. Na fórmula também não há uso de conservantes nem de componentes artificiais, como os que dão cremosidade e maciez aos sorvetes mais comuns do mercado. Thiago comenta a dicotomia do negócio:

“Temos uma briga constante entre a nossa proposta e o conceito de se consumir sorvete. Nosso produto está mais ligado a uma barra de frutas congelada, é muito diferente de um sorvete comum ou um doce”

Eles se veem, então, com um desafio não tão comum para novos empreendedores. Como a visibilidade veio rápido demais, e não tão acertadas, hoje, preocupados em manter as vendas em ascensão e reposicionar a marca no mercado, eles estão focados em atuar junto a três públicos: adeptos de alimentação saudável, praticantes de atividades físicas e pessoas com alguma restrição alimentar – diabéticos, principalmente idosos, e intolerantes à lactose e glúten.

Thiago num dos eventos (este, da Cartoon Network) em que vendeu os picolés da Naked.

Thiago num dos eventos (este, da Cartoon Network) em que vendeu os picolés da Naked.

Em suas ações de publicidade em mídias online, por exemplo, a Naked busca principalmente diabéticos e mulheres que praticam atividade física. Nos últimos meses, a empresa também intensificou o trabalho junto ao mercado de nutrição. Em março, a empresa participou do congresso Hi-Nutrition, um dos maiores do país na área de nutrição avançada.

“Como não temos verbas para atuar com representantes de vendas em consultórios médicos e de nutricionista, expor nossa marca em eventos é importante para nos inserirmos nesse meio e apresentar a nossa proposta para os profissionais da saúde”, diz Thiago.

COMO SURGIU A IDEIA DO PRODUTO

Antes de fundarem a Naked, Thiago e Rafael possuíam uma carreira em ascensão em publicidade. Thiago trabalhou por mais de 10 anos no mercado digital. Ele teve duas passagens pela agência AlmapBBDO e também atuou na produtora Colmeia, referência em produção audiovisual, interativa e digital.

Rafael trabalhou por oito anos na consultoria de construção de marca Interbrand, onde participou de grandes projetos para empresas como Itaú, Votorantim e Alpargatas. Foi na Interbrand que os dois sócios se conheceram e formaram uma sólida amizade.

Rafael na casa de praia, no litoral paulista, onde teve a ideia de fazer um sorvete natural de verdade.

Rafael na casa de praia, no litoral paulista. Foi na praia, pé na areia, que ele teve a ideia de produzir um sorvete natural de verdade.

Em meados de 2014, Rafael desejava reformular sua carreira – queria deixar a rotina maçante de escritório, mas ainda não sabia como. Thiago, que já sonhava em empreender, tinha tentando um projeto com um amigo da Colmeia, mas a ideia não havia vingado. Os dois são apaixonados por esporte. Entre seus hobbies estão corrida, musculação, ciclismo, skate e futebol. Há seis anos, alugam com um grupo de amigos uma casa na praia de Juquehy, no litoral norte de São Paulo, pelo ano inteiro.

Quando Rafael decidiu que mudaria o rumo de sua vida, foi buscar refúgio e inspiração no litoral. Um dia, um colega comprou um sorvete e comentou que era muito bom por ser natural. Rafael, que costuma levar manga picada para se refrescar na areia, se decepcionou ao ver a tabela nutricional do produto, que de natural não tinha nada.

Ele, então, iniciou um processo de Design Thinking sobre o que deveria ser um sorvete natural – ao mesmo tempo em que realizava um processo criativo sobre sua própria relação com trabalho. De volta a São Paulo, Rafael começou a fazer experimentos em casa. Usando uma caixa de leite condensado cortada ao meio, congelou pedaços de morango com a água de coco no freezer. A surpresa foi um produto muito atraente visualmente, ainda mais quando Rafael fez uma sessão fotográfica com arranjos de cores usando cartolina e objetos que encontrou pela casa.

“Vislumbrei uma ótima oportunidade, pois a marca já nascia com um potencial muito forte devido o visual do produto. Além disso, havia uma oportunidade de negócio em ascensão devido a tendência de alimentação saudável”, diz Rafael. E o sabor? “Tinha ficado horrível! Eu não sabia exatamente o que estava fazendo em termos alimentícios, mas senti que poderíamos resolver a fórmula e lançar no mercado.”

Rafael contou a novidade ao amigo Thiago, que de cara aceitou o desafio e estruturou a operação. Um dos primeiros passos foi matricular os dois em um curso de produção de sorvete. O problema é que o curso ensinava a produzir sorvetes de acordo com o padrão do mercado – ou seja, tudo o que eles não queriam. O lado bom de estar em uma sala de aula foi aprender como é o processo fabril do sorvete. Eles logo compraram uma máquina de picolés e iniciaram a produção em casa, com ajuda de familiares. Toda semana, faziam feira e formavam um mutirão para cortar as frutas.

Para custear a operação inicial e seu próprio sustento após largar o emprego, Thiago vendeu seu apartamento – hoje, mora com a namorada. Por sua vez, Rafael costuma fazer serviços freelancer de design, mas os planos de sair da casa dos pais e as viagens foram postergados devido às restrições no orçamento. Ao todo, os fundadores investiram 100 mil reais ao longo de 2015. Parte do capital foi aplicada no site da Naked, que serviu para apresentar a proposta da marca e cadastrar potenciais compradores antes da produção ter início.

COMO TER CLIENTES ANTES MESMO DE TER UM PRODUTO?

A ideia dos sócios era usar uma estratégia típica de startups. Thiago se inspirou no mercado de games, em que empresas apresentam diferentes conceitos de jogos, com enredo e personagens, para o público. Somente após medir o nível de aderência dos usuários, os jogos passam a ser desenvolvidos de fato. Na Naked, eles lançaram o site antes antes mesmo de produzir os sorvetes. A ideia era ver se as pessoas gostavam do conceito antes de efetivamente começar a produção. Deu certo, até demais.

Freezer da Naked num dos 30 pontos de venda da marca, em São Paulo e no interior do estado.

Freezer da Naked num dos 30 pontos de venda da marca, em São Paulo e no interior do estado.

A aceitação do picolé da Naked foi alta e as vendas tiveram início por email e whatsapp. Poucos dias depois, um grande portal de notícias de celebridades (o Glamurama) convidou a empresa para participar de uma série de eventos badalados no Rio de Janeiro, nos quais chamava o produto deles de “sorvete detox”.

O problema era que a empresa tinha acabado de receber a máquina de picolés e não tinha nem freezer apropriado para armazená-los. Thiago conta o perrengue: “Viramos a noite produzindo os picolés. Um dia antes do evento, nós mesmos envelopamos um freezer com o nosso logo, enchemos de sorvetes e gelo seco e viajamos de madrugada num carro emprestado até o Rio de Janeiro”.

Ao longo das quatro semanas de evento, o gosto do picolé mudou consideravelmente, pois conforme iam sendo distribuídos, os sócios testavam diferentes fórmulas para deixar o produto mais saboroso.

Atualmente, a operação da Naked está mais sólida. Desde novembro, a empresa terceirizou a produção a uma fábrica especializada, localizada em Taboão da Serra (na Grande São Paulo). O parceiro é responsável desde a compra da matéria-prima até a embalagem final. Três vezes por semana, Thiago analisa o padrão de qualidade dos picolés para evitar oscilações, que podem acontecer devido o grau de maturidade da fruta, por exemplo.

A entrega com prazo de dois dias úteis para toda Grande São Paulo também é feita por um parceiro. Por mês, a Naked produz cerca de oito mil picolés. No verão, a estimativa é ultrapassar 20 mil unidades mensais.

O DESAFIO DE VENDER SORVETE NO INVERNO

Para evitar uma possível queda nas vendas durante o inverno, a aposta será o lançamento de novos sabores de frutas que reforçam a imunidade, como acerola. A empresa também pretende abrir novos pontos de vendas no interior paulista. Atualmente, são sete cidades, entre elas Campinas, Itu e Rio Claro. Também está no radar a participação em pequenos eventos, como corridas de rua e treinos de atletas amadores em parques.

O conjunto de ações ajudará a Naked a buscar o estimado 1 milhão de reais em faturamento em 2016 – nada mal para uma empresa com pouco mais de um ano de atividade. Ao refletir sobre o início atribulado e a reorganização da marca para um futuro mais autêntico, Thiago e Rafael são incisivos:

“É melhor conquistar o nosso espaço aos poucos respeitando a nossa essência do que maquiarmos a marca para sermos aceitos pela maioria”

Em um cenário em que marca e empreendedores se tornam um só, a essência da empresa, baseada em companheirismo, respeito e aventura, continua a guiar a Naked com a clareza da água de coco e o gosto doce, e às vezes azedo, das frutas.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Naked Picolé
  • O que faz: Produz picolés naturais de fruta
  • Sócio(s): Thiago Godoy e Rafael Cipolla
  • Funcionários: 2 (apenas os sócios. A produção e a distribuição são terceirizadas)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 100.000,00
  • Faturamento: R$ 1,1 milhão
  • Contato: vamosfalar@sorvetenaked.com.br e (11) 3042-1034
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