Um e-commerce de produtos orgânicos, que opera com desperdício quase zero e custos reduzidos, conectando famílias de pequenos produtores do interior de São Paulo a consumidores da capital. Desde a embalagem (que traz foto e texto identificando a família produtora) ao programa de visitas ao campo (inaugurado este mês), a Raízs trabalha plantando um sentimento de empatia e valorização do produtor. Este é o propósito do negócio social fundado por Tomás Abrahão, 25, e Bruno Rebouças, 24, dois jovens com trajetórias diferentes e ideais que se encontraram por terem uma raiz comum: a vontade de mudar hábitos de consumo da cidade enquanto devolve parte do resultado financeiro para quem está no campo.
O pontapé inicial do negócio foi dado por Tomás em agosto de 2014, quando voltou ao Brasil depois de uma jornada que começou em Bangladesh, onde trabalhou no Grameen Bank (e teve contato com negócios sociais no Yunus Social Business Center). Bacharel em Ciência e Tecnologia, ele é Engenheiro de Gestão pela Universidade Federal do ABC. Suas andanças pela Ásia e América Latina duraram quase um ano. Tomás fez uma observação minuciosa de como as pessoas se alimentam e se relacionam — e decidiu fazer do alimento o ponto de conexão entre pessoas e a base de seu negócio. Assim, nasceu a Raízs. Ele diz que a ética e a transparência são a base, os guias, do negócio:
“O lucro está diretamente relacionado ao impacto social. Se isso não acontece, o modelo de negócio tem que ser revisto”
O plano estava lindo. O pontapé inicial fora dado, mas ainda faltava a Tomás algo que sinalizasse que seu negócio ia mesmo se tornar realidade. Ele havia semeado a ideia, falava dela com os amigos e possíveis sócios, mas de certa forma teve de esperar algo brotar desse esforço. E aconteceu.
No fim de 2015, um amigo em comum sugeriu que Tomás conhecesse Bruno. Era isso: rapidamente ele reconheceu no rapaz o potencial e a expertise complementar, ou seja, aquilo que o faria colocar a empresa em pé. Ele estudou Estratégia Global & Comunicação na Era Digital no Massachusetts Institute of Technology (sim, o MIT), e trabalhou na gigante Google Brasil e México durante três anos. Novos melhores amigos, os dois começaram a trocar ideias sobre a Raízs nessa época e não pararam mais. Antes mesmo de Bruno pedir demissão, ele já trabalhava à distância concebendo a empresa junto com Tomás.
Até esse ponto, Bruno ainda estava no México. Em abril deste ano, motivado pela oportunidade de empreender e gerar impacto social, mudou-se de volta para o Brasil para, bem, reencontrar suas raízes e abraçar a vida de empreendedor. Ele até dividiu apartamento durante um tempo com Tomás, mas agora vive sozinho, assim como o sócio, ambos em São Paulo. Bruno fala de sua motivação com a Raízs: “Queremos promover uma mudança relevante no hábito de consumo e na forma de nos relacionarmos. Tem a ver com respeito, com empatia e com o coletivo. Queremos usar a nossa plataforma para trazer mais humanidade às relações”.
TUDO BONITO MAS… CADÊ FORNECEDORES, DINHEIRO, CLIENTES?
Os testes iniciais do modelo de negócio levaram mais um ano, até o lançamento efetivo da plataforma, em maio último. Nesse período, Tomás visitou pessoalmente uma série de pequenos agricultores no interior do estado de São Paulo. Enquanto ia conhecendo e mapeando as famílias, produtoras de orgânicos certificados (os “Pereira Primo”, os “Silva”, os “Xavier de Almeida”), ele também fotografava seus integrantes e registrava suas histórias. É uma maneira objetiva de humanizar o que viria a seguir, que é a relação comercial: hoje, 39 dessas famílias são fornecedoras da Raízs. A tipografia da marca, que reproduz a grafia esforçada de alguém que passou mais tempo com as mãos na terra do que nos cadernos, também é um sinal dessa busca por empatia.
Assim que formou a rede dos primeiros produtores que integrariam o negócio, Tomás fez um crowdfunding para levantar os 25 mil reais que custeariam as primeiras despesas de estoque e do desenvolvimento da plataforma. Conseguiu mobilizar 204 doadores e o financiamento foi um sucesso. Mas a startup precisava de mais, e o aporte financeiro complementou-se com a entrada de um sócio-investidor, Marco Antônio Fujihara, que foi também uma espécie de mentor para os empreendedores, e garantiu à empresa mais 46 mil reais.
OK, o dinheiro chegou. Mas não era só isso. Negócio social, empreendedores jovens e cheio de gás, mas sem histórico comercial nem de vendas. Como conquistar os primeiros clientes? Para isso existem os amigos. Tomás reitera o valor desses primeiros contatos: foram os amigos que ajudaram a formar a primeira base de clientes, algo fundamental naquele momento.
A TECNOLOGIA AJUDA A REDUZIR AS PERDAS E A AGILIZAR AS ENTREGAS
Desde maio, a plataforma está aberta para usuários além do círculo protegido das amizades. É a hora do modelo vida real de negócio acontecer. É quando o esforço de Tomás e Bruno na concepção e testes de negócio começa a fazer diferença. Por exemplo, as hortaliças e grande parte dos produtos vendidos online só são colhidos após a confirmação do pedido. É como se você pedisse para a família Xavier de Almeida trazer aquele pimentão verde para o seu jantar de amanhã. Tomás afirma que as entregas acontecem em média 24 horas após o pedido. Para organizar essa logística, a Raízs tem um parceiro que atua diretamente no campo e é responsável por consolidar os dados de produção, depois disponibilizados online, amparado pela tecnologia desenvolvida pela startup.
Atualmente, a Raízs tem mais de 300 produtos orgânicos disponíveis, que podem ser comprados separadamente ou em formato de assinatura mensal de cestas, disponíveis nos tamanhos P, M e G, que são entregues todas as semanas. No caso da assinatura das cestas, a menor delas, que inclui 4 verdes, 2 legumes e 1 fruta, custa 200 por mês (frete incluso). O valor mínimo para o pedido avulso é 55 reais. Para estes, as entregas acontecem de terça a sábado, das 8 às 13 horas ou das 12 às 15 horas. Se preferir, o cliente pode retirar seu pedido no Le Manjue, restaurante orgânico parceiro da Raízs, evitando assim pagar o frete.
Por enquanto, eles entregam apenas na capital paulista. Para o ano que vem, têm planos de expandir para o Rio de Janeiro e Curitiba. No Paraná, Tomás já começou o mapeamento de produtores, no Rio ainda não. Mas falta, ainda, conceber em mais detalhes esse plano de expansão. Por ora, há questões urgentes no que já está em andamento: “Nós queremos investir ainda mais na customização das cestas, e para isso, devemos ampliar a presença de marcas parceiras”, diz.
Além dos consumidores únicos — que eles dizem ser 200 recorrentes —, a startup também atende empresas, que fazem compras maiores e recebem os produtos com frete gratuito, como a Red Bull e a agência LDC. É Bruno quem fala a respeito: “Quando uma empresa se torna parceira da Raízs, ela estimula a criação de uma cultura organizacional que zela pela qualidade e procedência do alimento. É uma maneira valorizar quem produz e possibilitar um consumo consciente e prático, já que o funcionário sai do trabalho com a feira na sacola”.
Desde o início da operação, a Raízs já vendeu e entregou mais de quatro toneladas de alimento orgânico. As vendas têm crescido 25% a cada mês (essa maravilha de dois dígitos, que só acontece no início dos negócios) e, mantido este ritmo, eles estimam fechar o ano com um faturamento de 550 mil reais.
GANHAR E DISTRIBUIR: 10% DO RESULTADO FINANCEIRO VAI PARA OS PRODUTORES
A maioria dos produtos vendidos na plataforma provém de agricultura familiar, além de marcas de outros orgânicos que pegam carona com a Raízs — como a Korin, a Fazenda da Toca e a Aecia. Em todos esses casos, 10% do resultado financeiro (que é como, num negócio social assim constituído, o “lucro” é chamado) é destinado automaticamente a um fundo criado pela empresa: o Fundo do Pequeno Produtor. Para compor este fundo, além dos 10%, também são somadas as doações espontâneas de clientes, realizadas na própria plataforma.
A proposta é redistribuir ou utilizar os recursos para a compra de insumos, capacitação e resolução problemas que impactem diretamente a vida do pequeno produtor. A decisão do destino do Fundo, como diz o site da Raízs, é tomada em conjunto com os produtores, “a fim de gerar sentimento coletivo, empoderamento e a inserção nas tomadas de decisão”. A primeira retirada — de 1.800 reais — já teve seu destino: foi distribuída igualmente entre as famílias. Essa foi a escolha delas, ainda que Tomás acredite que, com o tempo, a oportunidade de decidir o destino do dinheiro leve a novas decisões. “Os principais problemas dos produtores hoje são a logística, a conscientização financeira e o planejamento de produção. Com o Fundo, queremos motivá-los a pensar sobre o próprio negócio”, diz Tomás.
ALGUMAS COISAS JÁ PRECISAM MELHORAR
Apesar de ter poucos meses no ar, Bruno e Tomás já pensam em reformular a plataforma, simplificando a navegação para garantir uma experiência melhor aos usuários. Um dos desafios da dupla é encontrar o tom mais acertado da comunicação com os consumidores. Bruno descreve o desafio:
“Nossa mensagem tem que ser imediata, engajadora, contar a nossa história e ter o aspecto institucional, sem esquecer que vendemos orgânicos online”
Ainda sobre a evolução do negócio, a Raízs quer estreitar a relação entre consumidores e produtores. Por isso, os dois sócios acabam de lançar um programa de visitas ao produtor, que eles enxergam como uma oportunidade de o consumidor conhecer de perto uma realidade bem diferente de seu dia a dia. “Queremos que eles compartilhem momentos de prosa e aprendizado, observando aspectos como a diferença de ritmo, os cuidados necessários para a produção do alimento orgânico, a rotina no campo e até mesmo a diversidade cultural, trocando opiniões, sentimentos e impressões sobre o mundo em que vivemos”, conta Tomás, que segue semeando o futuro que pretende colher.
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