O trailer virou startup: a Upik continua a democratizar a arquitetura, mas agora com tecnologia

Luisa Migueres - 2 maio 2019
Marcia Milanez e Daniel Alves deram adeus ao trailer da Upik para investir em um negócio digital e mais escalável.
Luisa Migueres - 2 maio 2019
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Se as pessoas não estão procurando pelo seu produto, como fazer com que ele chegue até elas? Essa pergunta pairou durante meses na cabeça dos sócios da Upik, que começou como um escritório móvel de arquitetura, especializado em espaços pequenos e projeto rápidos, e hoje se transformou em uma startup cujo principal produto é o Arquiteto de Bolso, um modelo de consultoria 100% digital.

A Upik saiu pela primeira vez no Projeto Draft em maio de 2016. Clique e leia.

Há três anos, Marcia Milanez e Daniel Alves contaram aqui no Projeto Draft sobre a empreitada de transformar um trailer em escritório, com o intuito de democratizar a arquitetura.

Na época, a proposta de valor ainda era ancorada na troca presencial com clientes, que marcavam o horário do atendimento via site ou podiam visitar o espaço móvel no estacionamento de lojas de decoração da capital paulista.

O trailer amarelo e roxo, que virou marca registrada da empresa, também era a prova viva de como pequenos ambientes poderiam ser bem planejados — além de ocupar um lugar especial no coração de Marcia.

“A ideia era legal e diferente, mas os projetos eram feitos ao vivo, na frente do cliente, era tudo muito manual.” Um ano depois, tudo já estaria bem diferente. A grande aposta deixou de ser a mobilidade do escritório e foi se aproximando cada vez mais da tecnologia.

Ao estabilizar a operação e atingir o equilíbrio financeiro, a dupla decidiu explorar outro lado do mundo empreendedor: o das startups. Daniel foi o responsável por começar o flerte com um programa de aceleração, o que poderia ser um divisor de águas para a dupla.

Marcia pouco sabia sobre esse novo universo: “Ele me dizia conforme a gente passava de fase no processo de seleção. Até que um dia chegamos à última, que era a do pitch. E eu me perguntava: ‘Mas o que é pitch?'”.

O tal processo seletivo era para que a Upik entrasse no rol das startups da ACE, uma das aceleradoras mais renomadas da América Latina — e, para a surpresa dos sócios, deu certo. Em alguns meses, os arquitetos entraram no programa que transformaria todo o negócio (e deixaria os dias de escritório móvel no passado).

DAR ADEUS AO MODELO ANTIGO FOI SOFRIDO, MAS O DESAPEGO VALEU A PENA

Pois é, o Turiscar modelo 1978, que fez a empresa ser reconhecida desde o início, foi vendido. “Para atingir cada vez mais pessoas e escalar, não tinha como a empresa ser o trailer”, conta a empreendedora.

“Fiquei de luto alguns dias, mas a gente tinha que ‘matar’ o trailer. A primeira coisa foi aceitar. Depois, descobrir qual outro modelo seria possível”

Se reconhecer como empreendedores em um contexto de aprendizado acelerado deu um chacoalhão nos sócios. Marcia diz que se surpreendeu com o rápido desenvolvimento: “Em poucos meses, aprendemos coisas que poderiam ter levado anos.”

Apesar da virada, o propósito continuou o mesmo: democratizar a arquitetura. Foi esse o fio condutor que ajudou Marcia e Daniel em cada novo passo. E para não se deixar levar por inferências e chegar a um modelo inovador, a dupla precisou fazer um exercício de humildade.

Eles passaram dois meses entrevistando mais de 300 pessoas na porta de lojas de construção e decoração, para colher informações sobre hábitos, necessidades, dores e desejos de potenciais clientes. Foi essa pesquisa de campo que trouxe os insights que a Upik precisava para criar um novo produto, segundo Marcia:

“Chegamos à conclusão de que as pessoas não procuram por arquiteto porque acham que é coisa de rico. Mas 90% nunca tinha nem pesquisado”

O Arquiteto de Bolso, serviço de consultoria de arquitetura via Facebook Messenger, foi fruto dessa descoberta. Há um ano, ele funciona assim: o cliente agenda um dia e horário, fornece um pequeno resumo sobre o ambiente que quer reformar ou decorar e tem um atendimento, via chat, com um arquiteto ou designer de interiores.

Ao final da consultoria, a ideia é que tenha em mãos tudo o que precisa para começar a reforma: um layout do ambiente, perspectiva em 3D e uma lista de compras dos produtos indicados.

Para transformar um ambiente e receber todo o serviço em até duas horas, o valor cobrado é de 178 reais, enquanto o pacote para dois ambientes sai por 299 reais, e entrega as soluções em até quatro horas. 

Apesar do cliente encontrar o serviço no site da Upik, o modelo de negócio do novo produto prioriza parcerias com lojas, que podem oferecer o Arquiteto de Bolso de graça para seus clientes (nesse caso, a empresa é remunerada diretamente pelo estabelecimento). “Testamos o piloto com a Leroy Merlin e depois outros home centers se interessaram”, diz Marcia. 

O PODER DE UM NEGÓCIO INOVADOR SE MEDE PELO IMPACTO NO MERCADO

Como arquiteta, Marcia aprendeu a importância de fazer projetos sob medida para seus clientes. O contato físico e o atendimento personalizado eram parte do script ao longo dos anos como sócia de um escritório de arquitetura. Ou seja, levar para o digital esse modelo parecia inconcebível. No entanto, agora, ela vê com otimismo o futuro da profissão no meio digital:

“Eu tinha esse preconceito, mas a gente mostrou que dá pra ser arquiteto online sim”

Hoje, há cerca de 50 profissionais de diversos estados brasileiros ativos no Arquiteto de Bolso, de Curitiba a Salvador. E a seleção é feita pelos sócios, que anunciam as oportunidades em grupos de arquitetura e realizam testes de conhecimento e personalidade antes de aprovar um novo arquiteto ou designer de interiores. 

O cliente paga de 178 reais a 299 reais para ter acesso à consultoria do Arquiteto de Bolso.

Mas há quem não veja com bons olhos essa nova forma de oferecer arquitetura. Ainda na época da Upik sobre rodas, Marcia enfrentou resistência de colegas da profissão.

“Chegaram a fazer abaixo-assinado dizendo que infringimos o código de ética, mas fui ao CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) me certificar de que não tinha nada errado.”

A controvérsia, agora, já não incomoda tanto quanto antes. “O nosso mercado é igual há mais de 100 anos. Se não mudar, vai continuar com os mesmos problemas. Existe uma crise e vários arquitetos estão sem trabalho. Se mudarmos o mindset, podemos enxergar outras possibilidades.”

PARA ESCALAR, FOI PRECISO ENFRENTAR MUDANÇAS CONSTANTES

Lá em 2015, o investimento inicial da Upik foi de 110 mil reais. Hoje, o negócio vale mais de 5 milhões de reais, segundo Marcia. Mas o caminho até aqui foi de muito aprendizado — e na marra. Os sócios aprenderam a dividir os papéis: agora, enquanto Daniel cuida do operacional da Upik, Marcia foca no financeiro, marketing e RH.

Além disso, foram necessárias sete mudanças de sede, todas em coworkings de São Paulo, e duas rodadas de investimentos, a primeira da própria ACE (de 150 mil reais), e outra com as Lojas Lebes, Bossa Nova e o fundo GV Angels. No total, 11,5% da empresa foi disponibilizado nesses investimentos.

A previsão é que a Upik atinja o seu segundo break-even nos próximos três meses. “A gente não quer depender só de dinheiro de investimento. Cerca de 85% das reformas que acontecem no Brasil são autogeridas, então, há muito o que explorar nesse mercado.”

E apesar de cogitar vender a empresa em algum momento, Marcia deixa um spoiler: “Temos dois novos produtos vindo por aí”. Pelo visto, o legado da Upik, que começou com um trailer, ainda tem muita estrada pela frente.

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