E se, ao invés de passar um repelente no corpo, fosse possível aplicar o produto na roupa, cortina, ou até mesmo no batente da porta? E, assim, evitar picadas de mosquito, como o da dengue?
É uma solução assim que Fernanda Cecchinato, 49, mãe de duas meninas, cientista e CEO da Aya Tech, passou cinco anos desenvolvendo. Lançado em 2015, o Protec é o primeiro repelente de superfícies do país capaz de matar o Aedes Aegypti — espécie causadora da dengue, chikungunya, febre amarela e zika.
O produto, que vem em formato spray, também oferece proteção contra picadas de pernilongos, borrachudos, pulgas e carrapatos, resistindo por até 20 lavagens ou 60 dias (dependendo da maneira como é lavado e higienizado).
A empreendedora conta que mais de 10 mil mosquitos foram utilizados para chegar na fórmula ideal.
“Eu literalmente doei o meu sangue pra ciência”, brinca. Isso porque, para testar a eficácia, Fernanda precisou criar um ambiente controlado em laboratório, evitando que o inseto fosse exposto a predadores e outros fatores naturais.
“Nós colocávamos o braço dentro da gaiola e deixávamos eles nos picarem. Observamos que cerca de 99% das fêmeas que tentaram picar o tecido com o princípio ativo do Protec se afastaram”
Funciona da seguinte forma: quando o mosquito se aproxima de alguém vestindo uma roupa tratada com o Protec, ele detecta o produto através de suas antenas, começa a se sentir desnorteado e se afasta, descreve Fernanda. E se mesmo assim o inseto insistir em picar, ele absorve o componente — e morre paralisado.
O princípio ativo do repelente é resultado de uma combinação da permetrina, composto químico sintético extraído da flor crisântemo, e água — o que permite sua fixação em tecidos e superfícies. O produto, segundo Fernanda, é antialérgico e não possui cheiro, sendo seguro para crianças, idosos, grávidas e pets.
Formada em Engenharia Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1999, Fernanda é mestre e doutora em Ciência e Engenharia de Materiais UFSC e pelo Laboratório CNRS da Universidade de Lyon (França).
Além disso, possui um curso de especialização em materiais inorgânicos e metálicos na Japan International Cooperation Agency (JICA) e é autora de seis patentes de inovação tecnológica.
Dar aulas não fazia parte dos seus planos. E apesar de expressiva, essa bagagem acadêmica dificultou sua entrada no mercado de trabalho:
“Eu era considerada muito qualificada para as vagas. Queria continuar fazendo pesquisa, mas no mundo empresarial. Precisei tirar muita coisa do meu currículo para conseguir meu primeiro emprego”
Sua primeira experiência profissional foi em uma metalúrgica, onde trabalhou com o desenvolvimento de eletrodomésticos pessoais, como chapinhas e secadores de cabelo.
“Me lembro que, quando cheguei lá, pensei: ‘Nossa, mas eu nem uso isso’. No fim, acabei descobrindo que esse mercado era imenso e que milhões de mulheres usavam esses produtos”, diz Fernanda. “Foi aí que comecei a inovar, desenvolvendo chapinhas de titânio, versões que cabiam na palma da mão, secadores com diferentes cores e tintas especiais.”
Ela trabalhou na empresa por dois anos até que um dia recebeu um presente inusitado do seu chefe.
“Ele me deu uma bandana repelente de insetos. Achei o máximo, especialmente porque sou super alérgica a picadas de pernilongo. Fiquei tão encantada que comecei a pesquisar como poderia fazer algo parecido”
O que era uma lembrança de viagem acabou se tornando uma ideia de negócio. Junto a Noemi, uma colega de trabalho na época, Fernanda decidiu pedir as contas e abrir sua própria empresa.
Com 600 mil reais e um bocado de ousadia, elas começaram a produzir camisetas repelentes. E assim surgiu a Aya Tech.
Logo de cara, elas se depararam com vários desafios. “Eu sou engenheira química, não costureira. A costura da camiseta vinha torta, a gola errada. A gente não tinha nenhum know-how de empreendedorismo e cometemos muitos erros no início.”
Um deles foi criar uma grade de produtos enorme, com diversos modelos e tamanhos que variavam de bebê até adulto. Sem falar nas inúmeras opções de estampas e cores. “Quando acabava um modelo, a gente tinha que mandar fazer um monte”, diz Fernanda. “Não conseguimos dar conta.”
Outra dificuldade, talvez maior do que a inexperiência com o ecossistema empreendedor, era convencer as pessoas — e o mercado brasileiro — de que o produto e o modelo de negócio funcionavam.
“Em 2010, a ideia de uma camiseta repelente de insetos era muito moderna. Além disso, na época nem se falava nada sobre startups, não existia isso”
Ao invés de abrir uma sede, as fundadoras optaram por trabalhar de casa e terceirizar o trabalho por meio de parcerias, algo quase impensável há 14 anos.
Aos poucos, a venda das camisetas começou a crescer e os clientes começaram a pedir por outros produtos capazes de repelir insetos, como calças, macacões e cortinas.
Fernanda explica que essas demandas acenderam um alerta:
“Percebemos que não dava para continuar com esse nível de personalização. Inicialmente, a aplicação do repelente era feita na tinturaria, direto no rolo de tecido; precisávamos de um produto que a própria pessoa pudesse aplicar”
Foi então que elas decidiram desenvolver um produto em aerossol e, mais uma vez, esbarraram em outro desafio: a regulamentação.
Qualquer produto que possa afetar a saúde humana, como medicamentos, cosméticos, alimentos e produtos de higiene pessoal, precisa passar pela aprovação da Anvisa para ser comercializado.
O protótipo da Aya Tech acabou sendo barrado pela agência por usar o princípio ativo em formato aerossol. Essa situação forçou a dupla a adaptar a tecnologia para o spray, criando assim o Protec.
“Hoje temos dois produtos: o Bite Block, que é um aerossol, e o Protec, que é um spray para aplicação em tecidos. Embora os produtos sejam semelhantes em seus princípios ativos, eles funcionam de maneiras diferentes dependendo de onde são aplicados”
Outro problema era que os repelentes não se enquadravam nem como inseticidas nem como cosméticos, gerando muita confusão.
“Embora sempre quiséssemos registrar corretamente os nossos produtos, não havia uma categoria específica para eles na época. Isso levou a agência a desenvolver uma nova RDC [Resolução de Diretoria Colegiada] para que pudéssemos continuar vendendo.”
Foram quatro anos, de 2015 a 2019, até a resolução sair. Só então a empreendedora conseguiu entrar com o pedido de registro dos produtos na Anvisa.
Neste meio tempo, a startup precisou parar as vendas dos produtos, o que criou um hiato no negócio. Além disso, sua parceira Noemi decidiu sair da empresa e retornar ao mercado tradicional. Fernanda conta que foi um período difícil. “Precisei repensar e reorganizar minha vida e a estratégia da empresa.”
Apesar dos desafios, a pesquisadora tenta ver o episódio pelo lado positivo.
“Se não fosse esse empecilho com a Anvisa eu só teria feito os repelentes. Isso me forçou a pesquisar e criar coisas novas”
Buscando diversificar o negócio e gerar receita, Fernanda desenvolveu uma série de produtos, como bactericidas, fungicidas e antissépticos. Além disso, criou uma linha de banho infantil lúdica com xampu, condicionador e sabonete em formato slime, que colorem a pele durante o banho.
O registro do Bite Block e o Protec foram obtidos em 2021 e 2022, respectivamente, e são os primeiros repelentes do mundo certificados no Brasil pela Anvisa.
Desde sua fundação, a Aya Tech já recebeu alguns prêmios e reconhecimentos.
Em 2016, a startup participou do programa de aceleração Braskem Labs. Além disso, a empreendedora já participou de três edições do StartOut Brasil, programa de internacionalização de startups realizado pelo Sebrae, em parceria com a Apex-Brasil e Anprotec.
Em 2019, a Aya Tech também foi destaque, tornando-se a primeira startup brasileira a ser selecionada para o programa de aceleração da Paris&Co, agência de desenvolvimento econômico e inovação da capital francesa.
Hoje, o consumidor final pode adquirir os produtos em farmácias, lojas infantis e de departamento, bem como no e-commerce da startup, através do site institucional.
Já no mercado B2B, as vendas se estendem para outros países, com exportação para Austrália, Colômbia, Equador, Estados Unidos, França e Peru.
MESMO COM NOVOS PRODUTOS EM DESENVOLVIMENTO, A CIENTISTA E CEO PREFERE MANTER OS PÉS NO CHÃO
No último ano, a Aya Tech faturou 300 mil reais. A projeção é de alcançar 1 milhão nos próximos 12 meses, com a campanha iniciada em maio deste ano que visa o cadastramento de mais 200 novos pontos de venda em todo o país.
Entre os novos itens em fase de desenvolvimento que deverão ser incorporados em breve ao portfólio estão um repelente para aplicação em couro e um produto para sapatos para portadores de epidermólise bolhosa (doença hereditária e genética rara que afeta a pele e as mucosas, causando bolhas e pequenas lesões).
Apesar do otimismo, Fernanda procura manter os pés no chão:
“É muito caro lançar produtos como os que o desenvolvo no mercado. Para se ter uma ideia, o laudo de um bactericida custa cerca de 200 mil reais”
Até aqui, a cientista e CEO optou por abrir mão de buscar investimento externo. Assim, empreendendo no esquema bootstrapping, apenas com recursos próprios, cada passo precisa ser certeiro:
“Eu só desenvolvo um novo produto quando a empresa possui recursos próprios para investir. Um produto tem que dar lucro o suficiente para bancar o próximo.”
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