“Os 6 Cs da Nova Economia – ou o que a faculdade não nos ensina sobre intraempreendedorismo consciente”

Tati Leite - 19 jan 2018A empreendedora social Tati Leite propões uma conceituação do que é preciso para empreender no mundo atual. Revê, também, seus erros e incoerências — e o convida para fazer o mesmo.
A empreendedora social Tati Leite propõe uma conceituação do que é preciso para empreender no mundo atual. Revê, também, seus erros e incoerências — e o convida para fazer o mesmo.
Tati Leite - 19 jan 2018
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por Tati Leite

Quem estudou algo de marketing, deve ter cruzado em algum momento com os famosos 4Ps (Produto, Praça, Preço e Promoção) ou, dependendo da época, os 6Ps (incluindo Pessoas e Processo). Sem dúvida eles são importantes, pelo menos para você montar um belo Canvas.

Mas tirá-lo do papel sem se perder (tanto) —  ou sem replicar lógicas insustentáveis de mercado —, é outra história…

Claro que não tenho a fórmula perfeita para isso, até porque vivo me perdendo — e, agora, aprendendo a ver valor nisso. Mas, nos últimos sete anos de jornada empreendendo com a Benfeitoria e outros projetos da Nova Economia (além de empreender na vida, com dois filhotes nos últimos quatro anos), aprendi que o que faz realmente diferença para mim, para os negócios e para o mundo são, coincidentemente, 6Cs: Cuidado, Criatividade, Colaboração, Confiança, Continuidade e Coragem.

Compartilho aqui uma pitada de reflexões sobre cada um, mas me aprofundarei em outra ocasião (projeto novo no forno, sempre!).

 

1) Cuidado
É a base de tudo. TUDO. Parece tão simples que não ganha a devida atenção. Parece. Até porque, para sermos cuidadosos, muito mais do que boa intenção, precisamos exatamente de… atenção — capacidade cada vez mais rara em um mundo cada vez mais frenético.

E enquanto a bio/nano/whatever-sexy-named-tecnologia roubam toda nossa atenção, a revolução mais radical (que vem da raiz) que precisamos viver é a do cuidado como um novo paradigma. Não adianta sair do mindset industrial/linear para o digital/exponencial, se você continua operando no mindset de escassez e competição.

Um parênteses. Competição em si não é um problema. Assim como na natureza, colaboração e competição podem conviver de forma saudável. O problema é a competição como base do nosso modelo mental, nos cegando para outras formas de produção e vida em sociedade.

Sobre cuidado, recomendo fortemente uma das palestras que mais amo sobre o assunto: esse TEDx do Bernardo Toro, muso.

 

2) Criatividade
Essa é mole. Todos amam e entendem criatividade. Mas mais do que pop-divertida-e-adorada, ela é fun-da-men-tal para enfrentarmos desafios inéditos e complexos. Precisamos, com urgência, parar de toli-la desde a infância e acabar com a falácia de que criatividade é um dom de poucos. E não só porque precisamos inventar novas soluções, mas porque precisamos enxergar os problemas de outra maneira. Como diria Einstein: nenhum problema pode ser resolvido pela mesma mentalidade que o criou. Ou, na versão poética de Saramago: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” (ainda vou tatuar essa frase).

 

3) Colaboração
Unir cuidado e criatividade nos permite ver o que não enxergamos. Mas para criarmos uma realidade diferente, precisamos de colaboração: a mágica que pode transformar 1 + 1 em muuuuito, muuuito mais que dois — se houver cuidado no processo. Caso contrário, pode ser desastroso. É isso mesmo.

“Colaboração é poderosa, é hype, está na moda, mas pouquíssimos grupos conseguem praticá-la com o devido cuidado”

A gente volta e meia faz m****. E o problema aqui é que a falta de cuidado em um ambiente que preza por ele dói muito mais do que em um ambiente em que pressupõe individualismo e competição. A boa notícia? Erro vira adubo. E vamos aprendendo a cada… cagada. Ou, para ser mais doce: [intra]empreender é Trem Bala, parceiro: “Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu; é sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu”. (Obrigada, Ana Vilela!)

 

4) Confiança
No outro e no todo. Sem confiança no outro, não há espaço para vulnerabilidade e erro. Não se permite que questões realmente importantes — aquelas que você nem sabe que sabe — emerjam. É pré-requisito (e não consequência) da real colaboração e da disrupção. É ainda raro em ambientes corporativos, mas talvez mais comum e fácil de compreender do que a confiança no todo, um dos meus maiores aprendizados de vida.

Confiar no todo é tentar relaxar com o incontrolável; é confiar no fluxo. Não trabalho mais com Plano B. Se algo der errado, faço um novo Plano A. Não ponho energia nem intenção no caminho que não desejo ou acredito, verdadeiramente. “O segredo”, física quântica ou… mágica de Nossa Senhora dos Fluxos  (sim, essa santa existe. Afinal, foi inventada por amigos. Não deixe de fazer a sua oração. Funciona!)? Não sei.

“Aprendi que ser positiva não é uma forma de evitar que coisas ruins aconteçam, mas de sobreviver a elas”

Neste sentido, confiança, para mim, é a raiz da resiliência — ou, pelo menos, parte dela, colada com a gratidão (capacidade de focar e valorizar as coisas boas em vez das ruins).

 

5) Continuidade
Uma das músicas que eu mais gosto, Pra Sonhar, do Marcelo Jeneci, diz: “De tanto não parar a gente chega lá”. Continuidade é sobre isso. É sobre estar vivo simplesmente por não ter morrido. É sobre chegar simplesmente por não ter parado de caminhar. É colecionar muitos NÃOs antes de conquistar um SIM. É valorizar a estrada, estar sempre em movimento.

Sei que não é fácil, principalmente agora que estamos viciados em prazeres instantâneos, a cada like nas redes sociais (literalmente: dopamina pura!). Sei que dá vontade de desistir várias vezes. Mas respira. Não pira. Se está cansado é porque está chegando, confia. Se descobrir que está errado (às vezes confundimos persistência com teimosia), faz um novo Plano A. Dá tempo. Aquelas tecnologias sexys que citei de cima vão nos fazer viver beeem mais do que imaginamos mesmo… Dá tempo de mudar de carreira, de bombar, de falir… E de fazer tudo de novo.

 

6) Coragem
É preciso. No sentido de bravura/bravery: para abrir mão de caminhos mais fáceis e confortáveis, para bater de frente com verdades estabelecidas (principalmente as nossas), para viver as incoerências e resistências internas e externas da transição e de qualquer empreendimento. Mas essa bravura é tão importante quanto o sentido etimológico da palavra coragem/courage: agir com o coração. Não há outro caminho que faça mais sentido para mim.

Se a ideia não toca profundamente seu coração, nem comece a empreender. Se quando toca, já é difícil, às vezes dilacerante, quando ela não toca, dificilmente valerá a pena. E não estou querendo ser moralista aqui. Se ficar milionário toca profundamente seu coração, talvez isso seja suficiente para te dar energia e coragem para empreender. Talvez seja o seu propósito, no momento. Ache seu propósito (do momento), desenhe seu plano A e… boa sorte!

 

Sim: sorte! O S que faltava para complementar os 6Cs.

7) Sorte
Você precisa de muita sorte. Para quase tudo. Para estar vivo, para estar lendo (e compreendendo!) isso tudo aqui… Opa, mas isso já é mais do que sorte, já que deveria ser direito. É privilégio. Aprendi com a maravilhosa Djamila Ribeiro.

Inclusive, falar de propósito, para a maioria, infelizmente, ainda é privilégio. Precisamos reconhecer isso e ser mais cuidadosos e responsáveis a respeito, principalmente com quem não tem tanta “sorte”. Entender que nossos méritos são, também, sorte, pode nos deixar mais humildes e empáticos com o outro.

É um começo.

Falar de privilégio é um dos pontos de acupuntura do cuidado. PRECISAMOS falar mais sobre isso na mesa de jantar, se temos o privilégio de ter uma. Era para ser meu primeiro texto na retomada do Reboot (o laboratório de pesquisa e produção de conteúdo do qual sou também fundadora), mas esse assunto é tão sensível e importante — mais ainda do que os abordados acima —, que confesso ter ficado paralisada ao tentar escrever a respeito. Faltou mesmo coragem: a verdadeira razão para minha recente prisão de mente.

Que tenhamos mais coragem para enfrentar as nossas incoerências.

 

 

Tati Leite, 35, é administradora. Trabalhou 7 anos na Coca-Cola, de onde saiu para se tornar empreendedora social. É cofundadora da Benfeitoria, a primeira plataforma de financiamento coletivo do mundo a trabalhar com comissão livre. Desde então, além de empreender inovações no crowdfunding, lançou outros experimentos emblemáticos da Nova Economia, como Rio+ e o Reboot.

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