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Para a bicipr3ta, um capacete de bike é mais do que um equipamento de proteção: é também um símbolo de defesa da cultura negra

Dani Rosolen - 9 set 2025
Lívia Suarez, fundadora e CEO da bicipr3ta.
Dani Rosolen - 9 set 2025
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Sabe aquela expressão “é como andar de bicicleta” para se referir a algo que a gente nunca esquece? Pois essa máxima não é válida para um número grande de brasileiros: 42% não sabem pedalar.

E andar de bicicleta não é só sobre uma habilidade esportiva, como aponta Lívia Suarez:

“Na perspectiva das mulheres pretas, estamos falando também sobre sonhos. Quando a gente está andando de bicicleta, fica pensando, idealizando e produzindo algo, trazendo a possibilidade de sonhar para as nossas vidas”

Lívia, 38, é de Salvador é fundadora e CEO da bicipr3ta, uma empresa que cria produtos, projetos e serviços de mobilidade biker para a população negra. O produto de maior destaque do negócio é um capacete, o Fortheblack, primeiro do ramo pensado para pessoas com cabelos crespos, blacks, trançados e cacheados.

ELA COMEÇOU EMPREENDENDO UM BIKE-CAFÉ

Dez anos atrás, Lívia sentiu a necessidade de criar o próprio negócio ao refletir sobre sua vida profissional.

“Quando olhei a minha carteira de trabalho, vi que eu só tinha trabalhado como vendedora, atendente de telemarketing. Eu tinha 30 anos e só tinha atuado nesses setores, em ambientes que não exploram a nossa criatividade, o nosso poder de inovação”

Ela sempre foi ciclista e decidiu que queria empreender com algo que tivesse essa temática envolvida. Surgiu assim a ideia de um bike-café-poético. O La Frida Bike Café servia a bebida quentinha, mas tinha como diferencial a pegada cultural e ativista relacionada ao universo biker.

O microempreendimento móvel, a princípio, ficava próximo da Universidade Federal da Bahia, onde Lívia cursava Letras. Mas depois, começou a ocupar outros pontos da cidade e a chamar a atenção de muitas mulheres negras, tornando-se um espaço de socialização.

MAIS DO QUE EMPREENDER, ELA CRIOU PROJETOS SOCIAIS DE CICLOATIVISMO

Lívia conta que não se via representada no movimento biker de Salvador:

“É uma cidade onde 80% da população é preta, mas nunca me senti representada nos grupos de pedais, que na sua maioria eram de pessoas brancas e onde as pautas e narrativas não me conectavam”

A empreendedora ficou motivada ao perceber o interesse de mulheres negras por aquele espaço de diálogo criado pelo café. “Na época, fizemos uma pesquisa e percebemos que as mulheres pretas na cidade não estavam no plano de mobilidade porque não sabiam pedalar.” 

Pedaladas promovidas pela Movimenta La Frida (bicipr3ta).

Isso fez com que o bike-café se desdobrasse em projetos sociais sob o guarda-chuva de Movimenta La Frida. 

“Começamos a ensinar mulheres e meninas pretas a pedalar, promover pedaladas na cidade, dar cursos profissionalizantes de mecânica e criamos um sistema de compartilhamento de bike, além de encontros culturais e festas, como uma forma de conectar a população negra de Salvador com a questão da bicicleta” 

Pelo menos 200 pessoas foram impactadas pelas ações do Movimenta La Frida, segundo Lívia. 

COMO FAZER O DINHEIRO DO UNIVERSO BIKER RETORNAR ÀS MÃOS DE PESSOAS EMPREENDEDORAS NEGRAS

Com a criação do movimento e também com mudanças em políticas públicas, Lívia afirma que Salvador começou a vivenciar uma mudança positiva no cenário biker, com mais estrutura e apoio. O que despertou nela uma reflexão:

“Eu ficava pensando: a gente incentivou essa mudança, ensinou mais pessoas pretas a pedalar, elas estão comprando ou alugando mais bicicletas e capacetes… Mas esse dinheiro está voltando para quem? Como pessoa preta, mulher empreendedora, eu precisava pensar na questão da rentabilidade”

Desse questionamento, veio a ideia de deixar o café de lado e empreender com algo ainda maior. Assim, nascia a bicipr3ta, no final de 2019, com o aluguel e venda de bikes e a produção sob medida do veículo.

“A gente cria bicicletas que se adaptam ao corpo, e não o contrário. Conversamos com a pessoa para entender em que tipo de atividade ela quer usar a bike, pensamos, por exemplo, no selim ideal e até personalizamos a bicicleta com o nome.”

UM CAPACETE FEITO POR E PARA PESSOAS NEGRAS

O produto estrela da bicipr3ta, no entanto, ainda estava por nascer. A ideia surgiu no mesmo ano da fundação, mas a concretização só veio depois.

“Dentro das nossas pedaladas, percebemos que a comunidade preta não utilizava capacete porque não cabia ou se sentia desconfortável”

Lívia começou a fazer pesquisas para construir um capacete urbano para esse público, investindo 18 mil reais nesta fase de estudos e protótipos. Depois, conseguiu com o Sebrae o subsídio de 80% dos custos da produção dos pilotos.

Capacete da bicipr3ta.

Assim, chegou, no final de 2022, a um acessório produzido em ABS, com diametria maior que a convencional (28,3 x 21 x 17,8 cm, o modelo para adultos), forro com espuma inteligente, que prioriza o conforto e protege o penteado, e quatro aberturas para ventilação, sendo uma delas na parte superior, para que a pessoa possa encaixar o cabelo. 

“Seguimos todas as normas de proteção e fizemos testes de impacto. É um produto aprovado por diversas empresas de segurança”

Além do Sebrae, estiveram envolvidos como parceiros no processo o banco Itaú, o Instituto Federal da Bahia (IFBA) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O visual, de inspiração afrofuturista, é arrematado por criações de artistas locais negros. O acessório para adultos custa 220 reais e é assinado por Vandalismo (existem também modelos sem ilustrações, nas cores preto fosco, rosa, laranja e vermelho). O infantil sai por 130 reais e leva uma arte de Samuca Santos.

“Além das artes, a equipe que criou o capacete é composta por pessoas pretas baianas, porque a gente queria reforçar nosso território como potência criativa, de inovação e de empreendedorismo”

Até março deste ano, a CEO da bicipr3ta calcula que a empresa tenha vendido 500 unidades, algumas para outros países como Estados Unidos e Etiópia. Pela sua inovação, recebeu prêmios — uma das conquistas mais recentes foi a indicação de Lívia como finalista do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2025 – Categoria Ciência e Tecnologia. 

O FOCO AGORA ESTÁ NOS ATLETAS DE ALTO RENDIMENTO

Nos últimos tempos, Lívia conta que o foco da bicipr3ta esteve muito voltado à divulgação do capacete e, por isso, as produções de bikes deram uma paralisada, assim como a realização de eventos culturais em um espaço próprio da empresa, a Casa Bicipr3ta, localizada na Rua Direita do Santo Antônio.

Modelo infantil do capacete da bicipr3ta.

As demais atividades, segundo ela, devem ser retomadas nos próximos meses. Já há inclusive uma pedalada musical marcada para 3 de novembro, com o intuito de trazer mulheres negras para ocupar o centro de Salvador com suas bikes e seus sonhos.

E quando se fala em sonhos, Lívia já tem mais um em mente, que está perto de se concretizar: um capacete para atletas. O protótipo, que também conta com o apoio do Sebrae na parte do design, deve ficar pronto ainda este ano. E o produto será lançado em 2026.

“Hoje em dia, a gente observa cada vez mais pessoas envolvidas com o mundo dos esportes, principalmente por conta da saúde. Cresceu o movimento de triatlo, por exemplo. Mais do que um produto, esse capacete é uma forma de incluir e de incentivar atletas negros no esporte de alto rendimento.” 

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