“O complexo de vira-lata acabou. O empreendedor brasileiro hoje olha para o exterior e diz: a gente consegue fazer melhor”

Marina Audi - 29 jul 2021
Patrick Arippol, sócio fundador da Alexia Ventures.
Marina Audi - 29 jul 2021
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No finzinho do milênio passado, em 1999, Patrick Arippol e Wolff Klabin empreenderam o PlanetaVida, um portal de notícias sobre saúde. Depois de um tempo, trilharam caminhos separados — até que, duas décadas mais tarde, a vida os juntou de novo.

Em setembro de 2019, Patrick chamou Wolff para cofundarem a Alexia Ventures. A gestora de venture capital para série A (com cheques entre 5 milhões e 10 milhões de dólares) começou a operar em janeiro de 2020. Seu foco é investir e alavancar soluções em plataformas de software e negócios de dados & inteligência – leia-se analytics, big data, IA e machine learning.

A chegada da pandemia deu um susto; mesmo assim, eles decidiram seguir adiante e iniciar a captação do primeiro fundo – que, prestes a ser fechado, deve alcançar em torno de 100 milhões de dólares. Desse montante, 5% será dedicado a rodadas de capital semente (entre 100 mil e 150 mil dólares) a fim de plugar novatos à rede, em um modelo com menos dedicação — sem que alguém da equipe assuma lugar no conselho da startup.

Os deals vêm acontecendo desde 2020. Até o momento são 14 startups investidas, sendo 11 brasileiras. Nem todas foram publicamente anunciadas. Entre as que já aparecem no portfólio da Alexia estão a inglesa Parfin, plataforma de ativos digitais e cripto, e a brasileira Neuralmed, que aplica inteligência artificial à saúde.

A estrutura da Alexia Ventures é singular. São oito pessoas em tempo integral, mais três venture partners (que ocupam cadeiras nos conselhos das empresas do portfólio), dez advisors para temas como diversidade, escalabilidade e estratégia de longo prazo e mais 60 “embaixadores” — empreendedores à frente de outras startups que optam por fazer investimentos passivos ou se engajar de maneira ativa nas empresas investidas.

“Parte do nosso sucesso vai ser alocado para cada um deles”, diz Patrick. A seguir, ele fala sobre sua trajetória e como atua a Alexia Ventures.

 

Como você encontrou sua vocação?
Me inspirei nos meus pais. Ele é empreendedor desde sempre. Minha mãe, que é americana, trouxe aulas de computação para a Escola Americana [Graded School], nos anos 1980. Então, eu tinha computador em casa, pude pôr a mão na massa, adorei programar e decidi que queria trabalhar com isso. 

Eu tinha o lado humano também, porque minha mãe fazia assistência social, o mestrado dela é em Serviços Públicos. Ela era muito envolvida com algumas associações para população carente. Então, eu tinha essa inspiração para mudar o mundo, tentar ajudar a comunidade

Entrei na faculdade e, no meio do caminho, me transferi para a Universidade da Pennsylvania, porque decidi que queria fazer engenharia de sistemas, que cruza disciplinas da engenharia: computação, industrial, mecânica, elétrica… Brinco que é engenharia para quem não quer ser engenheiro no longo prazo! 

Você começou no mercado corporativo de tecnologia, na empresa de software Seer Technologies. O que traz de positivo dessa fase?
Muitas coisas… Na época, tecnologia de software parrudo só se vendia para multinacional e empresa grande. O mercado era assim, a tecnologia era toda instalada… Era o tempo do SAP, Cobol, daquelas telinhas verdes. 

Era um mercado restrito, mas era nesse universo que eu podia me inserir. Tem o outro lado: pelos clientes serem multinacionais, fiz projetos nos EUA, Índia, Israel, era uma contínua exposição a tecnologias globais. E isso foi muito rico.

O que ficou claro… Eu vi como funcionam empresas grandes e pensei que aquilo não era para mim. Então, quis ir mais para o lado de inovação 

E também fiquei intrigado porque a Seer Technologies era um spin-off da IBM com o First Boston – hoje Credit Suisse –, que abriu capital em 1995. Tinha uma tecnologia parruda, chamada hoje de no-code software, que é como você consegue levar tecnologia para qualquer pessoa, com pouco grau de educação em computação, desenvolver coisas em qualquer ambiente. Até hoje é muito robusta tecnologicamente, mas estrategicamente muito difícil. 

Então, depois que a empresa abriu capital…, ela não foi bem! Eu era ingênuo, achava que era o melhor produto tecnológico e que ganharia o mercado. Aí, percebi que não é só isso. 

Dali parti para uma empresa de estratégia, a Monitor Company [em 1997], que tinha muitos clientes na área de tecnologia, para entender como funcionava. Foi uma super escola. Morei mais no avião do que em casa… Viajava muito pelos EUA, México, Bahia, São Paulo, Índia.

Uma coisa que me inspirou na época foi ver como Israel e Índia já entravam no ecossistema de tecnologia global. Eu pensava: se indianos, israelenses e americanos faziam, por que não tinha ninguém na América Latina fazendo nada mais robusto? 

Eu me perguntava se o tecnólogo brasileiro não era competente para isso… Nunca fui conformista, então aquilo me remoía por dentro, começou a me provocar.

Foi por isso que você empreendeu o PlanetaVida – um portal de notícias sobre saúde, que depois pivotou e se tornou uma gestora de saúde – no Brasil, em 1999, junto com Wolff Klabin?
Sim, exatamente. Eu conhecia o Wolff da faculdade. Ele fez Harvard, mas como eram poucos brasileiros estudando fora, a gente se conectava para trocar figurinhas… Brasileiro é assim: quer tomar chope, falar besteira, comer churrasco junto. Depois, a gente manteve contato social.

Um dia, eu estava no Rio para um projeto – o Wolff morava e ainda mora lá. Ele estava começando o PlanetaVida e me convidou para ser cofounder. Fiquei animado, eu via que a área de saúde tinha potencial enorme e impacto real. 

Dá para escrever um livro dessa época, houve uma euforia forte no Brasil em relação a tecnologia… Mas sem muita substância. Então, quando a bolha da Internet estourou, de 2000 para 2001, empresas que ainda não tinham monetizado tiveram que se reinventar da noite para o dia

Antes disso, tínhamos sido selecionados pela líder e grande referência americana, a Healtheon/WebMD – que já era valorada em múltiplos bilhões de dólares. Eles queriam adquirir a gente para a Latam, que era central para a estratégia deles.

Isso ainda como um portal sobre notícias de saúde?
Tínhamos três linhas de negócios. A primeira era o portal de conteúdo para consumidores e médicos. Esse foi o modelo em que crescemos, expandimos para cinco países, tivemos mais de 100 funcionários. Criamos uma liderança de posicionamento para Saúde na Latam. Mas era difícil de monetizar na época. 

A segunda linha era elegibilidade e autorização de serviço de saúde: trazer toda a plataforma tecnológica, como a do cartão do mercado financeiro com POS, para Planos de Saúde. Depois, tinha um negócio de software de gestão para clínicas e hospitais.

A gente estava bem estruturado nos três negócios, mas quando vimos que não ia acontecer a transação com a WebMD – foi uma pena, porque ia ser uma das grandes saídas da época –, foi um momento bem tenso 

Acabamos fazendo outra venda estratégica da parte de autorização de serviços de saúde [para a Salutia em 2000, depois incorporada à Tivit]. Foi uma saída ok: não foi fantástica, mas deu para fechar o ciclo. 

Dali, disse a mim mesmo que queria trabalhar com tecnologia disruptiva. Então, em 2002, fui para o Vale do Silício mergulhar nesse ambiente e entrei no MBA em Stanford. 

Após o MBA, em 2004, você empreendeu nos EUA a Prosper Services. Como era o cenário de startups na época? Você chegou a tentar captar investimento?
Antes, no verão de 2003, trabalhei em uma empresa israelense da área de IA [Banter Systems] que já estava no Vale do Silício. Fui contratado pelos fundos de venture capital para ajudar a definir o que fazer com essa empresa, pois havia uma defasagem de timing de mercado. Acabamos ajudando a empresa a fazer a fusão com a IPHRASE, que depois foi vendida para a IBM.

Depois disso, resolvi que queria lançar uma empresa global a partir do Vale do Silício. Lancei a Prosper Services, uma fintech, que não era algo óbvio na época, para remessa internacional de dinheiro. 

Eu fazia parte de um grupo de 50 empreendedores no Vale do Silício que trocavam figurinhas sobre fintechs. Havia muitas histórias de insucesso, mas eu acreditava muito. Os meios tradicionais cobravam 30%, uma coisa meio obscena. A ideia era entrar com uma solução tecnológica. Na época, não tinha criptomoedas, que hoje você pode usar para isso 

As fintechs estavam muito menos evoluídas, não havia smartphone, que só surgiu em 2007. Eu captei 1,1 milhão de dólares, mas houve uma mudança regulatória grande no meio do percurso, que me fez entender que estávamos muito apertados para usar aquele dinheiro para fazer um de-risk do negócio e elevar para outro patamar. Tivemos de travar tudo. Foi duro, mas tive muita experiência com os VCs importantes. 

Cheguei à conclusão de que os VCs têm coisas ótimas, é o modelo que mais funciona…, mas têm problemas. Não que eu tenha criado uma rejeição, mas estava refratário a venture capital. Achava que dava para fazer algo diferente nesse setor. 

Em 2007, ainda nos EUA, você lançou a Delphis Capital, para investir em empresas de software. O que buscava fazer de diferente? E qual foi o desfecho?
Não era um venture capital. Era um modelo que se chama Search Fund [um veículo de investimento por meio do qual um empreendedor levanta recursos para adquirir uma empresa e depois assumir uma liderança ativa na operação]. Não é um modelo massificado no Brasil, mas tem investimentos muito bons. 

Quem estava por trás era um fundo independente com 11 investidores, gente muito boa que investe em um monte de empresas e agrega muito. 

A ideia era investir em empresas fora do radar. Usei esse modelo para ser pioneiro e trazê-lo para o mundo de software, investindo em empresas que pudesse realmente ajudar. A proposta era fazer o investimento e, depois, eu me envolver com a operação 

No final, o que aconteceu foi a crise financeira de 2008, que foi aguda lá nos EUA. Nesse momento, eu estava com esse fundo, chegamos perto de fazer um investimento para eu liderar… Meus investidores queriam que eu continuasse, mas fiquei na dúvida. Porque é um modelo que não tem o comprometimento firme como no venture capital. Então, [levantar] o dinheiro é meio “passar o chapéu” para fechar os investimentos. Com a crise, dificultou um pouco.

Foi um momento duro, eu já estava morando lá há quase 10 anos, já tinha filhos. Vim ao Brasil, falei com todo mundo que conhecia – fundos, empreendedores. 

Vi que a gente tinha uma oportunidade de ouro: as novas tecnologias eram acessíveis a todo mundo. A banca da esquina podia comprar uma tecnologia parruda. Muitos fundadores tinham a chance de levar isso para o mundo — e precisavam de ajuda 

Havia pouca gente em fundos com experiência de empreender aqui e lá [nos EUA]. Concluí que aqui eu teria muito mais impacto. Então, vim de mala e cuia. Fiz a mudança sem saber o que ia fazer.

Você acabou indo para o DGF, um fundo que fazia mais private equity, para iniciar lá a prática de venture capital. Como foi essa experiência?
A proposta era que eu liderasse o primeiro fundo de venture capital, um fundo FIP Brasil de 50 milhões de reais, que já estava no meio do processo. Entrei, ajudei a levar adiante e a trazer investidores pessoas físicas. 

Alguns que entraram são os que tinham investido em mim lá fora. Teve outros empreendedores, muitos de meu networking, outros do Sidney [Chameh] e do Fred [Frederico Greve] que são sócios lá. E colocamos este fundo no ar. 

Por conta do FIP nascer nessa época, ficamos um ano esperando aprovação para lançar. Foi ruim porque estávamos animados para começar a investir, o dinheiro já estava pronto desde 2010, mas o fundo só nasceu em janeiro de 2012 

Em 2011, ficamos validando, olhando o mercado, vendo o que fazia sentido… Eu apresentava coisas para investirmos, a gente discutia. Eu pegava conselhos em empresas: cheguei a seis conselhos no Fundo I e mais sete no Fundo II. 

Fizemos essa trajetória e temos ótima relação. Fala-se que a DGF e Kaszek foram os que geraram maior retorno. Na DGF foi em torno de 10 a 12 vezes.

E como surgiu a ideia de fundar uma gestora, a Alexia Ventures?
Em 2019, pelo meu desejo de empreender e de potencializar o trabalho, trazer mais gente com cabeça de empreendedor, decidi fazer a transição. 

Eu continuaria apoiando os fundadores em quem tínhamos investido pela DGF – estou até hoje na maioria daqueles conselhos [como membro: Stilingue, Axur e Solides; como observador: Rocket.Chat, Reclame Aqui e IBBx]

Convidei o Wolff para fazer a Alexia Ventures em setembro de 2019. Fomos montando equipe e começamos a captar no começo da pandemia. Foi aquele susto, meio surreal, sem saber o que ia acontecer. 

Lembramos do momento em que a bolha da internet estourou e nós estávamos juntos… Sabe quando você olha um para a cara do outro e se pergunta: para onde vai isso?

Naquela época [começo dos anos 2000], a tecnologia era uma promessa, não tinha massa crítica. As empresas viraram as costas para tecnologia. Neste momento, é exatamente o contrário: agora, a tecnologia e a inovação são parte da resposta 

E não tem nada a ver com o conceito de que IA vai substituir mão de obra… Eu odeio isso! É potencialização do talento. As coisas em que a gente investe têm esse veio. O Brasil precisa destravar sua produtividade.

Se antes, no mundo de tecnologia, o brasileiro tinha um pouco de complexo de vira-lata, agora os melhores empreendedores daqui olham para o mundo – China, EUA, Israel –, conhecem os competidores e dizem para a gente que conseguem fazer melhor. Isso faz meus olhos brilharem! 

Como atua a Alexia Ventures? Qual é a tese de investimento de vocês? Em quais verticais investem?
A gente é agnóstico a vertical, mas até pelos erros que eu tive, Wolff também, e pelos acertos de timing, procuramos as verticais que entendemos terem mais chances de serem transformadas por um momento de mercado ou tecnologia. 

Neste momento, achamos que o ensino superior é uma das áreas que teve muita transformação. Estamos vendo investimentos nesse segmento

No geral, focamos em alguns componentes de engrenagens tecnológicas: SaaS – plataformas de software horizontal e vertical – e dados, que é o grande cerne. Falar de IA virou “moda” e a gente odeia moda [modismo], porque cria esses ciclos de oba-oba… Mas é IA, machine learning, big data, analytics.

Ajudamos muito em estratégias de go-to-market, em qualquer modelo que você adotar – venda consultiva, inside sales, freemium, Product-Led Growth, canais. Temos experiência nesses modelos que podem escalar, [em] expansão internacional – quais são os melhores modelos para você ir pro mundo. 

Somos o único fundo no modelo série A com agregação de valor, altamente especializado nessas competências para a América Latina. Tem alguns que fazem isso para Série C, são legais também. Outra coisa que nos diferencia é o que chamamos de network basis. Nossa captação foi totalmente por convite.

Temos mais de 70 empreendedores, muitas das melhores cabeças do país, que são investidores nossos – alguns estão em nosso site, outros preferem não estar. Toda vez que fazemos um investimento, convidamos nossos investidores para um call – entram de 50 a 150 pessoas. Depois os empreendedores se surpreendem com as portas que a gente pode abrir. 

Implementamos modelos para alinhar incentivos a essas pessoas – venture partners, investidores, embaixadores. Entendemos que o venture capital vai ser transformado. O dinheiro hoje virou commodity, então a gente agrega algo que os outros fundos não trazem. É a nossa filosofia 

Se for para cripto [fundos expostos a criptomoedas], crowdsourcing, não importa. A gente vai seguir nesse caminho.

É mais fácil começar um negócio no novo paradigma pós-Covid-19 ou pivotar um modelo que já estava rodando e saiu dos trilhos por conta da pandemia?
É uma ótima pergunta. Não sei dizer o que é mais “fácil”. Acho que é muito de situação para situação. 

Hoje, o ciclo de inovação é tão rápido que se você não acerta [logo] o produto, go-to-market e começa a acelerar, alguém vai olhar, achar legal, fazer melhor — e você será engolido. Por isso, procuramos investir em negócios que tenham uma barreira de entrada, em que a chance de alguém copiar é pequena.

Uma empresa que já está um pouco mais “velha” tecnologicamente, [se] quiser mudar e transformar, depende da convicção do conselho e dos acionistas. Se essa convicção é absoluta e a empresa está disposta a “cortar um dedo” para ser mais agressiva e lançar outro negócio… Esse é o tipo de mentalidade que permite evolução

Tem empresa que não captou com fundos de venture por muito tempo e [mesmo assim] cresceu muito. Hotmart, EBANX… Tenho um super respeito por esses fundadores. Acho que fundador não precisa, necessariamente, de investimento. Muitas vezes, essas empresas crescem antes de precisarem.

A questão é que uma empresa que quer se transformar precisa ver se tem a base [para essa transformação]: pode ser uma barreira de entrada, a confiança do mercado… Mas precisam operar muito bem essa transformação para ter a mesma pegada de agressividade de uma startup. 

Por isso, qualquer empresa maior em que eu já estive no conselho, o maior risco que sempre analisa é: quem são as pequeninas que estão começando aqui?

Mas a grande tranformação é a mesma, na visão da Alexia Ventures. Agora os melhores fundadores sabem que podem resolver problemas em escala mundial. Tanto fundadores lançando negócios novos, quando os que pivotaram seus negócios com a pandemia.

 

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