Quem disse que mandioca é só para fritar, assar, fazer tapioca e outras iguarias? Ela pode também substituir o plástico, o isopor e outros materiais poluentes. Essa é a proposta da Oka, que pesquisa, desenvolve e produz embalagens e utensílios biodegradáveis a partir da fécula da mandioca.
Fundada pela designer Erika Cezarine, 56, em Botucatu, no interior de São Paulo, a empresa começou a operar há cinco anos, mas suas raízes são bem mais antigas.
“Eu tinha uma empresa de design e, em 1999, estava num projeto relacionado à questão de resíduos, buscando um biomaterial para fazer um coletorzinho de material compostável. E aqui na Unesp, no Centro de Raízes e Amigos Tropicais (Cerat), tinha uma pesquisa com mandioca. Aí veio a provocação: ‘será que esse alimento pode virar embalagem?’”
Em uma parceria com o Cerat, Erika ajudou a desenvolver os primeiros moldes. Mais de vinte anos depois, esse projeto resultou na Oka Bioembalagens. E mais recentemente, em 2022, na Dooka, um negócio com foco no licenciamento da tecnologia da Oka voltado à instalação de biofábricas modulares em comunidades indígenas e ribeirinhas, cooperativas e instituições.
Do plantio ao descarte, tudo no ciclo das embalagens da empresa é pensado para ser regenerativo. A fécula de mandioca é adquirida de produtores locais. O processo industrial é limpo e de baixo consumo de água.
Para produzir um copinho com a tecnologia da bioembalagem são consumidos menos de 10 mililitros de água. A mesma peça de plástico gasta 50 vezes mais. Em papel, chega a ser 1 000 vezes maior. O produto final, além de bonito, é compostável.
Por uma década, Erika manteve a ideia da bioembalagem como um “projeto de gaveta”, algo mais laboratorial do que prático de sua empresa de design, a Desígnio.
“Durante esse tempo, me dediquei ao desenvolvimento, criando processos e produtos, testando cores, até chegar ao ponto de começar a ir atrás das máquinas. Não existia nenhuma empresa que a gente conhecesse no Brasil ou no mundo que trabalhasse com termoexpansão de mandioca”
Aos poucos, a ideia virou protótipo com foco no setor de alimentos: bandejinhas, estojos para ovos, colheres, copos, pratos e bowls descartáveis. Tudo comestível. “Nossos produtos são neutros, sem sabor. Mas a gente já usou na composição óleo essencial de laranja, canela, temperos – sempre a pedido dos clientes.”
A transição de projeto para a Oka veio em 2020 e surgiram novos produtos para atender o mercado de embalagens para cosméticos, eletrônicos e brindes corporativos.
Alguns dos produtos do catálogo Oka, que vão de copinho a bowls.
Apesar de ter nascido em Botucatu, a Oka teve seu processo inspirado na cultura indígena (oka, aliás, é casa em tupi-guarani) e na Amazônia.
“O desejo de se aproximar dessa cultura e desse local era grande, mas a gente esteve distante por muito tempo dessa realidade”
Até a empreendedora inscrever a empresa no programa Inova Amazônia, do Sebrae. Aí as coisas mudaram. “Passei a viajar frequentemente para Manaus e lá conheci o pessoal do Idesam.”
E foi o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia que ajudou Erika a desenvolver o modelo de licenciamento social da tecnologia da Oka para a produção das bioembalagens em comunidades indígenas e ribeirinhas, criando a Dooka
A primeira biofábrica da Dooka foi instalada em Lábrea (AM), em fevereiro de 2025, após o investimento de 1,4 milhão de reais vindos do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), desenvolvido pela Superintendência da Zona Franca de Manaus e coordenado pelo Idesam.
O projeto tem como fim o repasse de recursos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) que as empresas são obrigadas a investir como contrapartida dos incentivos fiscais. No caso, o aporte na biofábrica veio da OX Bike.
Cerca de 15 pessoas da Associação de Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS), que abrange indígenas, ribeirinhos e pequenos produtores da agricultura familiar, foram capacitadas para operar o maquinário da fábrica, que tem capacidade de produzir 120 mil peças ao mês. “A estrutura é pequena, então trabalhamos com cinco pessoas por turno. Mas foi um começo muito rico e cheio de aprendizado”, diz Erika. E complementa:
“Foi incrível a experiência de treinar essa comunidade. As pessoas já têm muita experiência com a biomassa, que chamam de goma, e por isso uma bagagem maior para entender o processo e a técnica de produção”
A vocação dessa unidade são bioembalagens não comestíveis voltadas a cosméticos, eletrônicos, biojoias etc. Além de fécula de mandioca, a ideia nessas comunidades é usar outros insumos da Amazônia, capazes de adicionar valor às cadeias produtivas da floresta mantida em pé:
“Eles têm toneladas de resíduos de castanha, murumuru, açaí… A gente pode incorporar isso à massa e criar embalagens com mais resistência ou com propriedades como barreiras de umidade.”
Atualmente, essa unidade negocia dois contratos. A Dooka fica apenas com um “pequeno percentual” de royalties da implantação da fábrica e tecnologia e os lucros vão para a comunidade, que também recebe todo o apoio para a comunicação e a parte comercial.
Erika diz que o maior desafio no início dessa jornada foi que a empresa não se encaixava em nenhuma categoria de produto.
“A gente não sabia onde se enquadrar. Era tudo muito novo, não tínhamos referências. Também existia a dificuldade de conseguir certificações por não estarmos em uma categoria específica. Depois, teve ainda a parte tecnológica.”
Ainda assim, a designer encontrou caminhos – e clientes. Ao longo desses anos, já atendeu empresas como Dengo, Fazenda da Toca, Hering, Frida & Mina e Smuv. Antes da pandemia, 90% dos clientes vinham de eventos — esse pilar está ganhando tração novamente agora, mas de forma mais lenta.
Biocápsula que pode ser usada para reflorestamento e como petisco para pets.
As possibilidades, na verdade, são quase infinitas para uma solução ecológica como a da empresa. E recentemente, um novo produto entrou no catálogo, uma biocápsula para reflorestamento:
“O intuito desse produto é regenerar territórios degradados e manter florestas, já que ele serve de berço para as sementes e a sua casquinha é hidrossolúvel”
A criação já foi testada — mas não em escala — em ocasiões específicas. “Chegamos a lançar um lote com drones na região de Mariana (MG).”
Essas biocápsulas, diz Erika, ainda podem ter outra utilidade: atender uma demanda do setor pet. “As pessoas colocam carne ou legumes dentro e a cápsula vira um petisco, um brinquedo, tanto para gatos como para cachorros.” Um dos clientes com esse enfoque é a Wow Pet Food, que produz os Weggs.
Para o futuro, a meta é replicar o modelo das biofábricas em outras regiões, ajudando a gerar renda e levar impacto socioambiental positivo a mais comunidades.
“Acho que até 2030 a gente consegue ter quatro biofábricas em diferentes lugares do Brasil”, diz Erika. “Queremos chegar a pelo menos nove, para assim gerar o impacto que a gente acredita que seja importante para esse momento da Terra.”
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