Por Glauco Diógenes
Cresci num lugar com uma das infraestruturas mais precárias da cidade de São Paulo, bem próximo de onde hoje reluz o novo estádio do time mais popular da cidade de São Paulo. (Pois é, eu não sou corintiano.)
Ainda hoje se debate como levar melhores condições para Itaquera. No fim dos anos 80, e início dos 90, o metrô não era uma opção e durante muito tempo esteve longe de ser uma realidade. Quando eu era criança, meus pais, meus irmãos e eu utilizávamos a expressão “Vamos para a cidade hoje?” quando nos referíamos a lugares como Praça da Sé, Anhangabaú ou República. Os ônibus tinham um itinerário bastante primário, operavam de hora em hora e a sensação de distância era enorme – era como se a “cidade” e a “civilização” fossem um lugar inalcançável.
Os chamados bairros-dormitórios tem a engenharia perfeita da destruição dos sonhos. As pessoas que por alguma infelicidade ou impossibilidade vão parar ali têm como sina serem peças de uma engrenagem. E se não reagirem a isso, e só isso que serão.
Na minha infância e adolescência, as coisas eram todas muito precárias. Não havia padarias e supermercados, apenas algumas pequenas “vendas” e botecos. As entregas de leite, pão e outros serviços básicos aconteciam por meio de “empreendedores” que iam até bairros vizinhos e traziam suas Kombis abarrotadas de bens para abastecer os moradores. Tinha de tudo – de ovos a produtos de limpeza.
A arquitetura era feia, as cores eram cafonas, o design era tosco – e aquilo como que expressava a fealdade da vida que vivíamos. A execução precária de quase tudo à nossa volta era uma escola cujas lições era preciso aprender a renegar – ou precariedade era tudo aprenderíamos como modelo de vida. Eu não entendia por que tinha de ser daquele jeito.
Vi muita gente talentosa sucumbir ali. É preciso muita energia para recusar os caminhos que um lugar assim ensina para a gente ainda na tenra infância. Nem todo mundo tem essa energia. Vivíamos num tipo de isolamento e de pobreza que tolhia o potencial das pessoas. Isso me causava, e ainda causa, muita tristeza – encontrar amigos do passado e dar de cara com olhos apagados, com “almas secas”.
Disso tudo nasceu meu inconformismo. E minha busca pela perfeição e pela beleza – como uma negação das imperfeições e das desproporções que havia naquela realidade. Foi assim que descobri o design – e seu real significado. Foi assim que descobri a moda, a cultura pop, o esporte. Essas foram as ferramentas com as quais tracei um novo destino para mim.
Entendi, desde muito cedo que teria um caminho logo e árduo a trilhar – ou então teria de me conformar em ser mais uma peça. Escolhi a primeira opção. E nunca me afastei dessa escolha.
Iniciei a minha carreira como office-boy no Sindicato das Empresas de Construção Civil aos 16 anos. Mais tarde, fui trabalhar na Forum, marca de confecções, onde tive a oportunidade de um contato mais próximo com o universo da moda e do design.
Naquela época, entre os anos de 1998 e 2000, a Forum tinha um departamento de arte interno incrível, que funcionava com uma estrutura muito semelhante aos estúdios de design europeus e americanos: enxuta, multidisciplinar, apaixonada e talentosa. Conheci ali o diretor de Arte Giovanni Bianco, que hoje é responsável pelo branding da cantora Madonna.
Tentei trabalhar como designer, mas não tinha a formação necessária. Saí para uma estrutura menor, o Studio Baschenis, na Penha, também na Zona Leste de São Paulo. Aprendi muito, ampliei meus contatos e em menos de dois anos recebi um convite do estúdio do Giovanni para uma vaga de assistente de arte. Aí a minha vida definitivamente começou a mudar. Tive contato com um padrão muito alto de desenvolvimento de projetos. A moda brasileira estava em alta, o SPFW surgia com grandes investimentos.
Em seguida, migrei para a Grafikonstruct, estúdio que tinha como um dos sócios Rodrigo Teco, um dos responsáveis pelo design da Forum. Em 2003, decidi trilhar um caminho próprio, me tornar um ilustrador e empreender por meio do design e do branding.
A Editora Abril foi um dos pontos de partida para tornar meu trabalho relevante nacional e internacionalmente. Em 2003 concluí o curso de Desenho Industrial com especialização em Design Visual na FMU. Viajei para a Europa, onde estabeleci contatos e fiz alguns cursos, e em 2005 formalizei a minha empresa ao lado da minha sócia, Paola Lopes. Desde então já trabalhamos com mais de 400 clientes no Brasil e no exterior, em projetos de design, ilustração, iconografias, sinalização, street art, sites, apps, customização de ambientes, projetos visuais para revistas, livros, apresentações corporativas e até em projetos de arquitetura, por meio do coletivo DamPlus e dos meus estúdios: Glauco Diogenes Design e SuperNova.
O Draft me fez três perguntas sobre a minha profissão. Eis as minhas respostas.
O que você, com 15 anos de carreira em design, como designer e ilustrador independente, como dono de estúdio, lidando com toda a cadeia de valor dessa indústria, tem a dizer a quem está chegando agora sonhando em um dia ter seu escritório?
Seja o melhor gestor que você puder ser. Se possível estude com afinco todos (ou quase todos) os princípios que norteiam uma boa administração de negócios, no melhor lugar, ou nos melhores lugares que você puder. Aprenda sobre finanças e o máximo que puder sobre direito autoral, licenciamento, história e direito aplicado às marcas e às empresas. Tenha tutores que você admira (e que, se possível, gostem de você também) e só então, quando tiver construído uma sensação de segurança, um estofo como empreendedor, inicie o seu negócio em Design.
Isso, se você realmente estiver disposto a encarar a sua escolha profissional como uma “causa”, como uma maneira de ver o mundo e a vida, e também como uma ferramenta de mudança constante de si mesmo. Do contrário, acredite, é melhor tentar arrumar um “trampo” numa agência bacana e aguentar tudo aquilo que a gente já cansou de escutar, que já estamos carecas de saber – e que é verdade. É menos duro ser funcionário, mesmo num lugar meia-boca, do que tirar um negócio do chão, na selva do mercado, sem a paixão e a resiliência necessárias.
O que você diria, na posição de tutor, a um jovem que estivesse prestes a entrar nesse mercado, ou a decidir por essa profissão?
É fundamental integrar os dois lados do cérebro, unir razão e emoção. São dois pilares fundamentais para criar um bom projeto de qualquer coisa – mas em design, independente da especificidade que escolher, esse equilíbrio é algo que você vai levar a vida inteira amadurecendo dentro de si. E a sensação de angústia será cada vez maior a cada ano que passar e a cada novo talento ou estúdio que ingressar o mercado. Você está sempre no limite da obsolescência, de ver seu estilo e suas referências envelhecerem e caducarem.
Esteja preparado para pensar em desistir a cada semana, quando algum trabalho ao qual você e seus parceiros devotaram energia e expectativa ao longo de meses, não der certo.
Construa uma rede de contatos abrangente, relevante e consistente. Certifique-se de que você será capaz de mantê-la. Só assuma compromissos que você possa honrar, só prometa o que pode cumprir. Se você disse “sim”, terá que gerir, criar, cuidar, resolver. É como filhos, amigos, família, relacionamentos, plantas e animais de estimação. É disso que nascerá – ou é aí que morrerá – a sua reputação. E você é a sua reputação.
Que coisas todo aspirante a designer precisa saber – as oportunidades, as armadilhas, os obstáculos, as ameaças, as recompensas do caminho?
1. Nunca deixe de aprender
Fuja com todas as suas forças de qualquer tipo de modismo, a matéria prima do seu trabalho é a cultura. Acumule o máximo que puder enquanto não precisar trabalhar para sobreviver e, depois que começar o seu negócio, tenha um horário fixo para aprender uma coisa nova todo dia, a cada semana, a cada mês. Continue aprendendo sem parar.
2. Viaje muito
Viagens são os melhores investimentos que você pode fazer em si mesmo. Se tiver que escolher entre uma viagem e um equipamento de ponta, ou mesmo um carro novo para fazer uma “preza” com o cliente, fique com o primeiro. Se você tirar proveito do que aprender viajando, vai tornar a aquisição do restante muito mais fácil.
3. Só a curiosidade salva
Amplie ao máximo seu repertório. É muito comum nos primeiros anos de paixão pela profissão, só enxergarmos o mundo pelo viés do design. Acredite: mesmo com um espectro amplo, isso limita. Leia mais sobre Química, Biologia, Física, Engenharia, tendo ou não relação com a profissão. Só a curiosidade salva. Isso vai lhe propiciar outras abordagens para solucionar problemas.
4. Invista em infraestrutura
Um ambiente de trabalho agradável é fundamental para gerar bem-estar para você e para todos que forem trabalhar com você – mesmo que seja um programador freelancer contratado para montar um website em três dias. Um exercício simples é: como você gostaria de ser tratado se estivesse naquela situação? Equipamentos novos e em ótimo estado são sempre bem-vindos. Invista nisso, em detrimento de máquinas velhas ou usadas. O gasto é maior, mas as dores de cabeça são menores, na mesma proporção. E nem preciso dizer: software original é algo básico e fundamental.
4. Aja como um profissional
Tenha um bom contador, um ótimo suporte jurídico e crie um modelo de contrato e de proposta de trabalho o mais claro e efetivo possível, garantindo direitos e deveres a todos os envolvidos no processo de trabalho. Zonas cinzentas e termos confusos só lhe prejudicarão.
5. Mantenha a humildade
Você não é um pop-star, você é um designer. Designers encontram soluções para problemas, ok, e isso tem o seu valor. Além disso, reconhecimento é muito bacana, motiva e faz bem para o ego. Mas o que tem de nortear a sua escolha e a sua trajetória é o seu trabalho e o quanto ele é relevante para os seus clientes. Seu trabalho serve para seus clientes ganharem mais dinheiro e melhorarem seus negócios e produtos e ambientes e serviços. Concentre-se na sua arte, baixe a cabeça e trabalhe, dê o melhor de si. As recompensas e o reconhecimento virão – ainda que eles não aconteçam do dia para noite.
6. Nunca trabalhe de graça
Para ninguém. Sem exceções. Se você é favorável a causas, ONGs e outras frentes de atuação e quer ajudar, certifique-se de que é possível fazê-lo sem arrependimentos, de que seu trabalho contribuirá para melhorar efetivamente quem lhe procurou e que os resultados sejam concretos e consistentes inclusive para que você possa usá-los a seu favor num futuro próximo.
7. Ajude quem lhe ajuda – e vice-versa
Em caso de precisar ajudar um amigo ou parceiro de trabalho, pratique o que eu chamo de “troca de ativos” – combine uma retribuição à altura do valor que o outro gerou para você. Na situação inversa, vale a mesma regra. E não é exagero escrever os termos dessas parcerias num contrato. Quando não há dinheiro regulamento uma relação profissional, às vezes ela tende a deixar de ser profissional. E isso é ruim.
8. Valorize seu trabalho e seu tempo
O design é um dos principais ativos para a construção de marcas. As empresas sabem disso. Usam isso. Vivem disso. Só que, naturalmente, vão tentar pagar o mínimo possível para adquirir esse ativo. E vão exigir a máxima qualidade no prazo mínimo de entrega. Aprenda a apresentar seu trabalho de forma impecável. Pergunte, estude, esteja preparado para contra argumentar de modo lógico e firme. Não tenha medo de dizer não.
9. Seja pragmático
Em nosso ramo, autoral, que envolve criação e subjetividade, é normal se apegar emocionalmente ao trabalho. Evite isso ao máximo. É o único jeito de manter a lucidez e um pouco de felicidade.
10. Crie para os outros projetos que você gostaria que fossem seus
Faça produtos que você gostaria de usar. Esses são os melhores, os mais divertidos de fazer. Esses são os que as empresas demandam. O modelo passivo de estúdio ou de agência, em que o designer espera que o cliente já indique um caminho para a solução dos problemas, está ultrapassado. Estude uma empresa de que você goste, em qual setor de atividade, crie uma solução consistente, para uma demanda que você enxerga, registre sua ideia, para protegê-la, e agende uma apresentação. A sensação de realizar, de dar forma e vida a uma solução, e de se antecipar ao próprio pedido do cliente, é uma das melhores sensações que um designer empreendedor pode ter. É uma energia motivadora ímpar. É a tal realização profissional. Só tome cuidado porque vicia… Quando a visão do artista atinge o coração do interlocutor, faz-se a luz e tudo faz sentido. Às vezes nem sexo supera a sensação de conseguir colocar um projeto no mundo, de gerar felicidade na vida das pessoas com a sua criatividade.
11. Meta a cara no mundo
Bote seu trabalho no mundo. Exponha-o. Sem medo. Submeta-o a portais, sites, editoras e comunidades de design relevantes. Isso vai ajudá-lo a, entre outras coisas, encontrar o seu lugar nesse universo gigantesco, ampliar possibilidades de contatos e, principalmente, fornecer para clientes internacionais. As fronteiras não existem mais. E ser remunerado em dólar, euro e libra não é nada mal.
(E por último, o mais importante de tudo: faça backups! Boa sorte!)
Glauco Diógenes, 35, é designer gráfico, ilustrador e sócio dos estúdios multidisciplinares Super Nova e Glauco Diogenes Design.
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