“O mundo não vai se adaptar a mim. Tenho de me refundar, porque o que me trouxe até aqui não é o que vai me levar adiante”

Marina Audi - 7 out 2021
Romeo Deon Busarello, advisor, mentor, palestrante e professor especializado em inovação (crédito: divulgação).
Marina Audi - 7 out 2021
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Ele não é doutor em comunicação, mas utiliza todos os recursos dessa disciplina e da oratória para fixar a atenção do interlocutor, seja um aluno, cliente, startupeiro em busca de aconselhamento — ou uma repórter.

Acima de tudo, Romeo Deon Busarello, 55, abusa de uma capacidade aprendida em Rio dos Cedros, no interior de Santa Catarina, onde nasceu e estudou. Ele traz em si, até hoje, o aprendizado do colégio de padres: resumir e simplificar, em uma frase, um conceito complicado, tornando-o acessível.

Alguns exemplos extraídos de palestras e aulas recentes: “O mundo vai ser uma grande locadora de tudo… O mundo vai ser de assinaturas”, para explicar o sucesso do modelo de negócio baseado em recorrência. Ou: “No mundo digital, você não pode seguir as regras do jogo, você precisa escrevê-las”, engatando a seguir com um raciocínio sobre a importância de estar em eterno aprendizado para lidar com as redes digitais.

Romeo saiu de casa aos 18, para estudar administração em Blumenau, em 1984. Por influência de um professor (e atual amigo), interessou-se por marketing. Mudou-se para São Paulo, em 1989, onde o campo de atuação era mais pujante, e foi aprendendo o modus operandi de então. 

“Uma coisa que me marcou quando cheguei aqui foi uma frase de Luiza Erundina, que assumia a Prefeitura. Ela disse: ‘Prioridade é uma palavra que não tem plural’. Isso me ajudou muito, consegui colocar foco nos meus objetivos, na minha trajetória. E deu certo” 

Com a expansão da internet, Busarello passou a estudar tecnologia e migrou para atuar no digital, disruptando tudo. Ganhou inúmeros prêmios por isso na Tecnisa, onde esteve como executivo por 20 anos, até maio.

Atualmente, ele se dá o direito de tirar um dia na semana só para estudar e, às vezes, uma tarde para apreciar um bom café e chocolates. Ou, como diz Romeo: “ganhar vida”. No resto do tempo, dá aulas, palestras, mentorias e é advisor e membro de conselhos de startups.

Leia a seguir os principais trechos da conversa de Romeo Busarello com o Draft, em que ele antecipa, inclusive, com o que pretende trabalhar no futuro.

 

Como e por que você se interessou pelo marketing?
Foi um professor da faculdade [FURB – Universidade Regional de Blumenau] que impactou demais a minha vida, quando marketing “não existia” no Brasil. 

Nós éramos uma sociedade monopolista, não tinha concorrência, o consumidor era tratado de forma absurdamente ridícula. O único curso de marketing era na ESPM. As multinacionais faziam um trabalho “ok”, mas o nosso trabalho [em marketing] era muito amador 

Hoje é menos amador, porque existem regulamentações… Mas o marketing sempre foi uma mentira legalizada. 

Isso tem a ver com o que se chamava de “marketing de produto”, praxe na época em que você começou a carreira (fim dos anos 1980)? Ou seja, o olhar da empresa voltado para si mesma? O que você aprendeu de positivo e de negativo com essa mentalidade?
As empresas olhavam para o espelho e não para a janela… Mas aprendi muito sobre varejo indo a campo com vendedores e gerentes de vendas. Visitava pequenas relojoarias, pequenas lojas de fotografia, falava com o fotógrafo lambe-lambe que fazia foto 3×4, com o vendedor de toalhas da [rua] 25 de Março. 

Aprendi a “ler” a cabeça do empreendedor, do empresário e do dono de varejo na época em que essa turma ganhava dinheiro com facilidade. Isso por dois motivos: eles ganhavam mais na tesouraria do que no negócio, então podiam ser ineficientes. E ganhavam muito com o overnight [operações com títulos públicos que os bancos realizam durante a noite no mercado aberto, e repassam aos investidores, que devem recomprá-los no dia seguinte mediante uma taxa diária]. 

Lembra do Cid Moreira [apresentador do Jornal Nacional entre 1969 e 1996] usar a expressão “dólar paralelo”? Era a corrupção institucionalizada! Muita gente ganhava dinheiro com operações de baixa governança. 

Vi muita gente enriquecer com isso e, sobretudo, enriquecer com a ignorância do povo. Na época você colocava a “boca no trombone”, hoje você coloca um vídeo no Youtube – são outros tempos 

Eu trabalhava com relógios e a gente vendia produtos à prova d’água… “100 metros”. Eram 100 metros longe da água. A pessoa comprava e acreditava que o relógio aguentava 100m de profundidade. Se o cara chegasse a 100m de profundidade ele morria, nem tinha como reclamar! Isso não existe. 

A gente ainda vê isso hoje nas empresas que te empurram pacotes, nos bancos que tentam cobrar tarifa…

No período em que você esteve na Polaroid, entre 1996 e 2000, era o começo da expansão da internet. Foi nessa época que você começou a mergulhar no mundo digital? Você acreditou nesse novo paradigma de mundo logo de cara?
Sim. Sempre fui obcecado por leitura. Quando cheguei em São Paulo, em 1989, não conhecia ninguém, não tinha dinheiro, [vivia] num orçamento compactadíssimo, morava numa pensão. O que me sobrava era ler, estudar, me superar.

Cresci rápido na carreira por uma simples razão: eu estudava. Então, participava de reuniões com opiniões boas, pontos de vista bacanas, e meus superiores falavam: “puxa, ele está conectado, está sabendo [de tudo], sempre traz novidade…” 

Em 1998, quando comecei a estudar a internet, falei: “Ôpa, esse negócio vai mudar o mundo”. A Polaroid foi a primeira empresa do Brasil a ter uma loja de e-commerce com a Scopus Tecnologia, do Grupo Bradesco [atual Proxxi Tecnologia, pertencente à IBM], uma das primeiras grandes empresas de tecnologia do Brasil. Bradesco comprou e tal. Claro que com pouco resultado, tinha poucos internautas: era rede discada, as pessoas não tinham nem noção de como conectar à internet.

Como você resumiria sua passagem de 20 anos pela Tecnisa, entre 2001 e 2021?
Quando  entrei na companhia, o presidente me falou o seguinte: “Quero três coisas: ser uma empresa referência em relacionamento com o cliente; ser referência nas questões sociais; e estar na internet para valer”. 

Eu fiz essas três coisas escandalosamente bem, fiquei lá vinte anos, ganhamos todos os prêmios em relacionamento com o cliente, sustentabilidade… E, em internet, a empresa foi uma referência mundial!

Qual foi a visão que você encontrou na empresa, ao chegar? E quais foram as principais conquistas implementadas ao longo dessas duas décadas?
Quando entrei, achei que ficaria um ano e meio, dois anos — e pularia fora. Mas encontrei um presidente muito visionário, que tinha visão de longo prazo e paciência. Ele nunca foi me cobrar no final do mês, sempre disse que me cobraria “o final do triênio”… 

Isso facilitou o trabalho. Em dois anos, começamos a mostrar resultado e ele sentiu a diferença de ter um profissional de marketing. 

A primeira coisa [que fiz] foi montar uma equipe de corretores para trabalhar 100% no online, em 2002. Eles não iam para o estande de vendas, ficavam no escritório só recebendo e-mails, respondendo aos clientes e fazendo atendimento no chat. Achavam que aquilo não iria funcionar. Essa foi a primeira grande quebra de paradigma, era algo inédita na época 

Em 2003, fomos a primeira empresa do Brasil a usar links patrocinados, num site chamado “Responde Aqui”. Em 2004, fomos a primeira empresa do país a usar links patrocinados no Google, via Google Portugal. A gente usava o cartão de crédito da esposa do presidente, que [era quem] tinha cartão de crédito internacional!

Havia um garoto que gerenciava 350/400 palavras na unha. Isso nos ajudou muito, porque ao digitar “apartamentos em São Paulo” no Google, aparecia a Tecnisa em primeiro lugar… em tudo. Qualquer coisa relacionada a imóveis, aparecia a Tecnisa. 

Em 2006, fomos a primeira empresa do mundo a ter um blog corporativo. A intenção era gerar conteúdo para ganhar visibilidade e espaço no Google Spider [também conhecido como Googlebot, é um rastreador de informações na internet para indexar pesquisas]. 

Navegamos muito bem por oito anos. Hoje, [o mercado] está emparelhado, todo mundo está bem posicionado no mundo digital. 

Em 2007, fomos a primeira empresa a vender pelo Second Life. De 2008 para 2009, a Tecnisa entrou para todas as redes sociais: Youtube, Facebook… Todas plugadas no negócio, com atendimento 24 horas para o prospect, para quem iria comprar 

Mais adiante, em 2015, fomos a primeira a aceitar Bitcoins. E a primeira empresa a fazer uma revolução com as martechs – startups de tecnologia que resolvem as dores de marketing. 

Antes disso, em 2011 vocês começaram o programa Fast Dating Tecnisa, de aproximação com startups, certo?
Sim, a Tecnisa foi a primeira empresa do Brasil a ter um programa de acolhimento de startups. A gente sempre estava muito na frente. E em inovação, você não pode estar muito na frente e nem muito atrás, tem que achar o tom. 

Imagina, lá em 2011, fazer pitch com startup, quando não havia ecossistema no Brasil. Não tinha coworkings, investidores-anjo, VCs, meetups, Startup Weekend, os mentores e nem todas essas metodologias que ajudam muito o empreendedorismo – Canvas, PoC, MVP, FabLabs.

Eram startups na vertical de construtechs?
Nunca tematizamos essas startups. O Fast Dating é um programa que nos caracterizou como uma empresa que era “cliente-anjo”, que dava oportunidade de a startup emitir uma nota fiscal contra nós, de ela gerar receita, porque o que uma startup mais precisa são clientes! E não tinha aquela história de “pagar em 90 dias”. Faturava sem burocracia, manda a nota fiscal e “vamo que vamo”. 

Compramos, recentemente, uma startup [BoxOffice, deal anunciado em julho] e estamos pensando em comprar uma outra. Agora somos uma empresa investidora em startups. 

Em dez anos, atendi mais de 1 600 startups. Fizemos negócio com 8% delas, sendo que a maioria, 60%, aconteceu nos últimos cinco anos. De 2011 a 2015, recebíamos muitas startups, mas a maioria era ruim, era um pessoal que ainda não tinha uma pegada empreendedora. 

E internamente, você teve de educar os profissionais da Tecnisa para acolherem essas inovações que você trazia?
Lá em Rio dos Cedros (SC), estudei em colégio de padres – tinha até a intenção de seguir a vida de sacerdote – e aprendi a falar em metáforas, resumir os grandes pensamentos em poucas palavras para dar simplicidade a conceitos complexos. Na empresa, sempre fiz esse trabalho de evangelista, de explicar para os meus pares para onde ia o mundo. 

Ter atendido tantas empresas equivale a um MBA em Harvard. Isso manteve minha cabeça fresca. E passei a entender deste novo glossário, que a maior parte dos executivos da minha geração não conhece. Hoje, converso com executivos da velha economia com a mesma fluência com que falo com um startupeiro de 22 anos 

Sempre uso uma expressão do Walter Longo: o grosso do dia a dia são pendências, mas você tem que saber reservar uma parte do seu tempo para tendências. Porque a pendência de hoje foi a tendência de ontem. Reservo 10% do meu tempo para as tendências. Isso me ajuda para essa jornada que vou ter daqui para frente. 

Tenho uma rica rede de relacionamentos construída ao longo da vida. Imagine o seguinte: foram 2 500 noites dando aula [como professor na ESPM, Insper e FIA] nos últimos 23 anos… E mais de 600 palestras nos últimos 18 anos — no começo, quase 90% delas de graça. Tudo isso para fazer rede, aprender e conectar pessoas. 

Como se deu, para você, essa pivotagem de mindset profissional?
A minha carreira colapsou lá em 2013, quando comecei a ouvir a expressão Big Data. Soube que isso iria impactar o meu dia a dia, que eu teria que estudar este assunto. 

No começo estava mais para “Big Noise” do que para Big Data, mas as coisas foram tomando corpo e entendi que o marketing iria sofrer mudanças abruptas. O que aconteceu com o marketing nos últimos sete anos, não dá para escrever em um livro, teriam que ser 10 edições, tamanha foi a disrupção nas competências de um profissional da área. 

Consegui acompanhar, estudei isso profundamente, contratei um professor de estatística em 2014 para abordar medianas, desvio padrão, regressão linear, análise preditiva etc. Como digo nas minhas palestras, hoje não sou mais um profissional de marketing, sou um profissional de “matemarketing”. Acompanhei toda essa transformação da internet que, no passado, era muita intuição — e hoje é intimidade. 

Venho me refundando como profissional. Em 2016, contratei uma professora de masculinidade tóxica para fazer uma regeneração, porque faço parte de uma geração de homens babacas criados com vieses inconscientes, com preconceitos… Se eu não tiver essa consciência ampliada, não consigo mais liderar pessoas 

O mundo não vai se adaptar a mim. Tenho de me refundar para sobreviver: o que me trouxe até aqui não é o que vai me levar a continuar como executivo, professor, mentor ou advisor nesse novo mundo que se apresenta. Tive de rever uma série de competências sociais para seguir adiante. Quero estar no espírito da época!

Após 20 anos, em maio, você deixou um cargo executivo na Tecnisa e assumiu uma posição no conselho consultivo para “cuidar das decisões irrevogáveis, trabalhar com o pescoço para cima, olhando o futuro”. Como foi tomar essa decisão?
Até os 50 anos você ganha a vida. Depois dos 50, você tem que ganhar vida. Eu já vinha amadurecendo essa questão – porque já cheguei onde precisava, sobretudo sob o aspecto financeiro –, só antecipei seis meses. Eu já tinha um acordo com a empresa de que em 2022 eu não continuaria como executivo, não tinha mais interesse, por estar vendo muitas oportunidades e formas interessantes de trabalho. 

Quando você trabalha muito tempo em uma empresa, tem a tendência de ficar monotema, monossegmento, monopessoas. Estava preocupado com isso.

E vou te falar de algo que é muito peculiar do Brasil… Nós temos uma coisa chamada “velhofobia”. Não existe mais emprego para mim. Na área de marketing, inovação e criação existe um preconceito criminoso com a idade 

E o que está contido na palavra diversidade? Idade. Só se fala na questão de gênero, cor e orientação sexual, mas não se fala de idade. Esses estatutos que dizem que você tem que se aposentar aos 65 anos são criminosos, porque nós estamos vivendo numa economia da longevidade. 

Eu vou continuar produzindo porque não trabalho com o físico, com as mãos e com os pés. Trabalho com o intelecto. Achei que iria chegar aos 55 anos e as empresas iriam querer os gurus — mas elas querem os guris. 

Hoje, na minha função de guru, de quem estuda e lê muito, está conectado com essa agenda, a minha função é ajudar a empresa na tomada de decisões irrevogáveis – aquelas que determinam “é para lá que a gente vai e não tem mais volta” 

Mantenho uma relação fraterna e respeitosa com a Tecnisa e estou em outros conselhos, outras startups: estou numa empresa de loteamento, numa indústria têxtil, numa startup de tecnologia… Sou advisor, mentor, professor, palestrante e também investidor em startup. 

Estou me divertindo porque, daqui para frente, a jornada tem que ser mais importante que a chegada. Senão, a vida não valeu a pena. 

Você começou a mentorar startups na Endeavor em 2008, depois passou a advisor e agora é investidor. Como se deu isso?
Talvez eu conviva nos ambientes mais férteis do Brasil: ESPM, Insper, FIA, Fundação Getúlio Vargas (FGV), StartSe, Echos Escola de Design Thinking… Então, conheço muita gente, e muita gente me pede aconselhamento. 

Eu nunca cobrei nada. Mas agora, nesta fase da vida, infelizmente, como falava Clarice Lispector: “Não me peça de graça a única coisa que posso cobrar”. Não é para ficar rico. Daqui para frente, é me divertir bem fazendo coisas bacanas, ajudando todos esses ecossistemas 

Tenho trocado algumas mentorias por equity. Isso aconteceu duas vezes, mas por questão de contrato não posso revelar a empresa. Estou começando a me envolver com questões de M&A, porque conheço muita gente que precisa de dinheiro, ou quer passar o negócio para frente… E boa aula gera boa aula, que gera mentoria, que gera investimento. 

Em 2020, você apontou quatro tendências para as empresas em geral ficarem atentas nos próximos anos: aplicativos, redes sociais, games e cloud. Disse que se um negócio conseguisse estar presente nessas quatro vertentes, já seria um grande avanço. Continua a pensar assim? Acrescenta algo?
Acrescento. Tem a questão do 5G, a partir de agosto do ano que vem, no estado de São Paulo, e isso muda o jogo. Vai demandar reskilling de todos. O 5G é um fato novo, que só é possível se você tem cloud. As pessoas falam: “Ah, vai baixar um vídeo no YouTube em dois segundos”. Esquece, isso é perfumaria. É a transformação dos negócios. 

Outra coisa muito forte que já está presente é a IA, que também vai dar uma dinâmica diferente na sociedade. E também tem coisas que não são tecnológicas, como a questão da pluralidade e diversidade que aflorou nos últimos três anos. 

Hoje, inovação é “ter ou morrer”. Só que para ter inovação, uma das condições é que você tenha diversidade e pluralidade, acompanhada de segurança psicológica. Se você não tiver segurança psicológica, você não avança. As pessoas precisam ter opiniões, permissão para serem vulneráveis, externarem pontos de vista, emitirem opiniões, contestarem, discordarem… 

Uma coisa em que acredito muito e vejo o quanto impacta a vida das pessoas é a “hora-bar”. Não é tomar cerveja no boteco. É uma filosofia de você conversar, prosear em reuniões, almoços, cafés da manhã, seminários, eventos. Eu fiz tanta hora-bar na minha vida. O que eu mais sinto falta é o fato de não estar em um ambiente corporativo e viver a ausência de conversas inesperadas. 

As conversas inesperadas fazem bem para a criatividade, para imaginação, para as boas relações. Geram fagulhas criativas e nós vivemos disso. A gente vive de ideias, ensaios, sacadas, percepções, observações. Isso é fundamental. 

O que eu sempre falo para a turma [na sala de aula]? Quem trabalha com marketing, inovação, jornalismo, essas áreas correlatas, nós temos que levar os olhos para passear.

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