“Se cada capitalista de risco tivesse uma filha, o setor teria 5% mais IPOs e US$ 4,5 bilhões a mais em investimentos”

Rodrigo Velloso - 21 fev 2020
Rodrigo Velloso, empreendedor e pai de três adolescentes, defende que os investidores coloquem mais mulheres nas mesas de decisões.
Rodrigo Velloso - 21 fev 2020
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por Rodrigo Velloso

Lulu Ge é fundadora da Elix Healing, startup que pretende aliar tecnologia à medicina chinesa para ajudar mulheres que sofrem de dores crônicas na menstruação. O potencial desse mercado é enorme, estudos comprovam a eficácia do produto, e ela tem um impressionante currículo. Mesmo assim, enfrentou dificuldades em atrair investidores homens. Pois é, eu também não fiquei surpreso.

É fácil imaginar um gestor de fundo ouvindo aquele pitch e se contorcendo na cadeira de desconforto pela intimidade feminina do assunto e talvez sua própria falta de familiaridade com os pormenores. Daí ao “não” é um passo

Extrapolando, dá para entender porque mulheres representam 38% dos fundadores de startups nos EUA, mas apenas 8% dos recipientes de capital de risco, segundo o Pitchbook.

“E daí?”,  pergunta o professor Ethan Mollick, organizador do evento, na Wharton San Francisco, do qual participei no final de janeiro e onde Lulu Ge, que completou seu MBA pela instituição, contou sua história. “O problema é que estamos deixando dinheiro na mesa,” ele mesmo responde.

Mollick vem desenvolvendo pesquisas quantitativas sobre os fatores de sucesso das startups para um livro que está escrevendo com essa temática. Para ele, é simples: diversos estudos analíticos estabelecem que fundadoras de startups são pelo menos tão bem sucedidas quanto fundadores. Além disso, mulheres inventam e empreendem em áreas que os homens não costumam abordar, criando oportunidades de negócios diferenciadas. Somando isso ao atual excesso de capital de risco nos mercados globais, a desproporção dos investimentos se caracteriza como ineficiência, o que significa oportunidade em geral.

Além de concordar com a hipótese bastante razoável do professor, penso também nas consequências de segunda ordem dessa ineficiência, ou seja, que as oportunidades e o dinheiro deixados à mesa no curto prazo são só a ponta do iceberg.

Contabilizado o desperdício do potencial humano de fundadoras extraordinárias — isto é, tudo que poderiam ter realizado além do primeiro negócio se tivessem recebido aquele empurrão inicial — o prejuízo deve ser muito maior. E, como pai de três brasileirinhas criadas no Vale do Silício, Luiza (18 anos), Julia (15 anos) e Clara (14 anos), essa parte da perda é a que mais me preocupa

O mapeamento da ineficiência revela um problema estrutural. Mulheres fundadoras já são minoria como vimos. E, mesmo com possíveis vieses eliminados, empresas lideradas por mulheres recebem uma média de 11% menos investimento em simulações. Essa diferença é inteiramente explicada por avaliações menos favoráveis de investidores homens, de novo, em simulações às cegas. Removidos esses controles, os vieses cognitivos operam para reduzir ainda mais a fatia do capital de risco destinado a empreendedores mulheres, dos preconceitos quanto a maternidade ao menor acesso a redes de contatos financeiros e acadêmicos.

O professor investiga ainda a hipótese do efeito hubris-humility (“arrogância-humildade”) no empreendedorismo, segundo a qual o alto grau de arrogância — de alguma forma fundamental a quem propõe se arriscar numa atividade em que 95% das tentativas fracassam — seria menos prevalecente entre mulheres, por natureza ou socialização.

Tem solução? Nenhuma fácil. O caminho de menor resistência, segundo Mollick, seria aumentar o número de investidores mulheres e o volume de capital sob seu controle, algo possível de se incentivar, inclusive por políticas públicas, mas principalmente pela iniciativa privada.

A iniciativa de mulheres como Iris Choi, também palestrante no evento e sócia da Floodgate, um fundo de private equity, e como Katie Stanton, que foi minha chefe no Twitter há alguns anos e acaba de levantar 25 milhões de dólares para seu novo fundo de capital-semente, a Moxxie Ventures. Katie também foi cofundadora da #ANGELS, um coletivo de investidores cujo foco era precisamente aumentar o número de mulheres na tabela de acionistas de startups de sucesso.

Porém, me identifiquei mais com o segundo caminho proposto pelo professor em tom de brincadeira: “aumentar o número de investidores homens com filhas”, prescreveu para risos da plateia predominantemente feminina. Estudo citado por ele aponta que se cada capitalista de risco tivesse uma filha, o setor teria 5% mais ofertas iniciais públicas e 4,5 bilhões de dólares a mais em investimentos. Não duvido.

A convivência com minhas filhas, todas já adolescentes, alterou minha percepção do mundo e da condição feminina mais do que relacionamentos anteriores com outras mulheres importantes em minha vida como mãe, irmã, esposa e namoradas

Não sei se teria investido em Lulu Ge, mas não teria ficado nem um pouquinho desconfortável em ouvir seu pitch. E, provavelmente, teria consultado minhas filhas — uma também chamada Lulu — a respeito da ideia e de seu potencial antes de tomar qualquer decisão. As consulto a respeito de várias questões de negócios pela perspectiva que trazem, sempre diferente da minha, seja por seu gênero ou por sua juventude, quase sempre à mesa de almoço ou jantar.

Ser pai pode ter aumentado minha sensibilidade devido à inteligência e perspicácia delas e ao enorme valor de suas opiniões, confesso. São meu xodó, não nego.

Por outro lado, não me parece que ter filhas seja a única forma de nós, homens, chegarmos a uma conclusão que qualquer profissional de marketing já sabe: entender como o público-alvo pensa sobre o produto, serviço e empresas é chave para o sucesso

Marqueteiro também sabe que, quando não há recursos para pesquisa formal, consultas informais, ainda que imperfeitas, se tornam essenciais. E sabe que as opiniões de colegas que fazem parte do público-alvo têm valor inestimável, pois trazem conhecimento específico sobre o mercado além de uma intuição naturalmente aguçada por milhares de micro experiências de vida, pequenas e grandes, específicas e únicas, que os demais não têm.

A conclusão parece óbvia: faltam mulheres às mesas das salas de reunião mundo afora onde se está tomando decisões sobre investimentos em startups. É do interesse econômico de todos nós, homens e mulheres, ouvir uma variedade de perspectivas sobre os negócios em que pensamos investir. Isso nos ajuda a entender seu alcance e real potencial.

É do interesse financeiro dos homens assegurar que fundos e empresas nos quais investimos estejam incorporando perspectivas variadas em suas equipes e conselhos, começando por representantes da outra metade da população mundial. E é do interesse de fundos de investimento, geridos predominantemente por homens, integrar efetivamente mulheres em suas equipes, dando maior peso às suas opiniões e reconhecendo as situações em que são mais relevantes que as deles.

Nas palavras do professor de Wharton, “fazer diferente é deixar dinheiro na mesa”. E, na opinião de um pai de três meninas brilhantes, desperdiçar todo aquele potencial seria um pecado!

 

Rodrigo Velloso trabalha há quase dez anos no Vale do Silício em grandes empresas de tecnologia. Entre outras funções, foi diretor de conteúdo de vídeo games do YouTube e do Twitter e, atualmente é diretor de influencer marketing da Roblox, além de investidor e advisor de startups na região. Antes de se juntar ao Google, em 2007, ainda em São Paulo, ocupou vários cargos editoriais e de negócios durante oito anos no Grupo Abril. É bacharel em Economia e Marketing pela Wharton School of Business e em Comunicações pela Annenberg School of Communications, ambas da Universidade da Pensilvânia.

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