“Um ecossistema de inovação pujante precisa de capital. O problema é que o dinheiro para em São Paulo, não chega aos outros estados”

Marina Audi - 25 maio 2023
José Renato Hopf, presidente do Grupo Four, no encerramento do South Summit Brasil 2022, em Porto Alegre (foto: Marcos Nagelstein/Agência Preview).
Marina Audi - 25 maio 2023
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O gaúcho José Renato Hopf, 54, construiu uma trajetória meteórica em tecnologia fora do eixo Rio-São Paulo, numa época em que isso ainda era incomum.

Ele começou a carreira corporativa no Banrisul no final da década de 1990, onde intraempreendeu o Banricompras, cujo objetivo era substituir o uso de cheques por cartão multifuncional.

De lá, em 2003, saiu para montar seu próprio negócio, a Getnet, quando a indústria de meios de pagamento começava se digitalizar. A jornada foi tão bem sucedida que se tornou uma joint venture com o Santander, em 2010 (mais tarde, em 2014, a Getnet acabou totalmente adquirida pelo banco espanhol).

Nunca passou pela cabeça de Zé Renato simplesmente curtir a vida e parar de trabalhar. Assim, em 2015, ele se debruçou sobre a 4all, empresa que começou como uma plataforma tecnológica para ajudar negócios offline a se digitalizarem em três frentes: uso de dados, meio de pagamento e construção da jornada do cliente. 

No início, a 4all se posicionava como um motor tecnológico para atender grandes empresas, no modelo SaaS, sem aparecer para o consumidor final. Esse modelo evoluiu. Hoje, cada cliente pode montar seu próprio marketplace e ter à disposição mais de vinte ferramentas, como cuponagem, fidelização, banco digital, arranjo de pagamento etc.

Em paralelo, enquanto lançava a 4all, em 2017, Zé Renato passou a investir na construção de negócios digitais (no formato de joint ventures) tendo como sócios companhias líderes em seus segmentos no mundo físico. Nasceram, então, o marketplace de entretenimento Uhuu (joint venture com a Opus Entretenimento), a fintech Phi, a sportech Ground e as startups de dados DX.CO e Iris Data Driven – as quatro últimas foram agrupadas na própria 4all, no ano passado. 

Hoje, Zé Renato é presidente do Grupo Four, que engloba 4all, Uhuu, a martech AIO Culture Code, a loja Wine Locals, a plataforma de gestão de delivery Quiq e o evento de inovação South Summit Brazil, através do qual ele procura agitar o ecossistema e retribuir a oportunidade que teve de se tornar empreendedor.

Seja como advisor, mentor, professor ou empreendedor, José Renato Hopf tem um mantra: construir junto e cercar-se de pessoas que o ajudem a errar menos. 

A seguir, ele conta ao Draft como essa mentalidade vem guiando seus passos nos últimos 20 anos:

 

Como você descreve o que faz hoje?
Gosto muito de construir coisas que impactem a sociedade, junto com muitas pessoas, e que estejam dentro dos meus propósitos.

Muitas vezes, rotulam o trabalho como uma obrigação, e a maior parte da nossa vida é envolvida com aquilo que é o nosso trabalho. Então, temos de escolher bem aquilo que fazemos. Se a coisa mais cara da nossa vida é o nosso tempo, se a gente não o estiver usando bem, de que vale?

Gosto de construir, de empreender – e essa palavra não implica em ser um empresário, mas sim que é preciso mobilizar esforços para fazer algo relevante e impactante.

Toda a vida olhei para o que impactaria fortemente a sociedade. Quando eu era moleque, vi que a tecnologia seria realmente um motor da transformação da sociedade. Tive esse insight.

Sou um pouco nerd e sempre olhei a tecnologia sob uma perspectiva de como ela poderia ser utilizada para gerar transformação, impacto na economia, nos negócios. Sempre quis usar a tecnologia para esse processo. 

Sempre pensei que a tecnologia pela tecnologia não serve para nada. Serve se ela puder gerar um impacto. É daí que vem meu mindset. Hoje, está mais bonito dizer que tem de pensar fora da caixa ou tem de pensar no problema que vai resolver

Na prática, esse sempre foi o meu mindset. Sempre pensei na tecnologia como um viabilizador, como um mecanismo para ajudar. Às vezes até sem usar muita tecnologia, mas pensando como fazer o crack, qual é a sacada pra inovação. 

Pra mim inovação é uma sacada com timing. E para ter timing depende do que tu consegues viabilizar. Como sempre pensei dessa forma, é natural eu ver um problema e encontrar a solução. Adoro solucionar problema.

Um pouco da minha definição é isso e explica o meu movimento e as coisas todas em que estou envolvido… e com muitas pessoas junto.

Em qual dessas posições – advisor, investidor, mentor, presidente do Grupo Four – você se sente mais à vontade hoje? Gosta mais de alguma dessas atividades? Qual e por quê?
O que eu mais gosto de fazer é estar perto da operação, falar com o cliente. Vou de uma visão da estratégia para o tático e entendo o mercado. 

Mesmo como advisor, mentor ou conselheiro, meu papel é pensar como ajudar uma pessoa, colocando-me no lugar dela. Como posso ajudá-la a enfrentar aquela dificuldade – essa é a minha lógica.

 Ao estar perto da operação, consegue-se entender o que acontece para poder também pensar de forma estratégica, ter mais insights e informação, o que está pegando. Aí, dá para ajudar a escolher time, definir coisas.

Eu gosto de compor estratégia, estar lado a lado com as pessoas, encontrar um bom time. É por isso que, normalmente, não invisto em negócios que eu não esteja construindo junto. Eu não penso em dividir meu investimento e botar um pouquinho em um monte de lugar

Onde eu consigo colaborar, depois eu invisto. É o contrário – se ali eu consigo agregar, consigo colaborar, tem a ver com a minha tese e com as coisas que eu acredito, ali eu invisto. 

Não é que primeiro eu invisto e depois vou agregar. O investimento acontece depois de eu já estar mobilizado. 

Sua trajetória empreendedora está fortemente ligada a meios de pagamento por conta do case de sucesso da criação, crescimento e venda da Getnet. Porém, na 4all (a partir de 2015), você parece ter aberto horizontes em outros segmentos. Em termos pessoais, como foi sair de um mercado que já conhecia tão bem e ir para outros como entretenimento, esporte e desenho de jornada do cliente?
Na verdade, as coisas aconteceram aos poucos. Apesar de estar na Getnet, eu me envolvia com outras coisas. Minha esposa é farmacêutica e eu me inteirava das questões da farmácia dela, entendia um pouco da dinâmica do varejo.

Antes da Getnet eu trabalhei no Banrisul, e toquei várias iniciativas do banco que atendiam o mercado como um todo. Por conta da própria rede Banricompras – que precedeu a Getnet e foi a primeira rede independente de cartões mais focada no Rio Grande do Sul –, eu entendia a dinâmica das empresas, das corporações, além da questão dos PJs e PFs. 

Para oferecer bons produtos, eu estudava muito. Eu já tinha uma dinâmica parecida com a de hoje, que é os bancos se aproximarem fortemente do cliente e estarem mais integrados com a jornada diária de vida das pessoas, a fim de entenderem como a jornada do dinheiro as afeta. Pra mim, isso já era realidade 20 anos atrás – antes da Getnet

Foi isso que me permitiu fazer vários projetos disruptivos no Banrisul, porque entendi que precisávamos nos aproximar do cliente PJ e do cliente PF, entender como ajudar na jornada oferecendo uma lógica que substituísse o cheque por uma outra fonte de pagamento… entendendo a questão do correspondente bancário [empresa contratada por instituições financeiras para a prestação de serviços de atendimento aos clientes e usuários dessas instituições]. O Banrisul foi o primeiro banco – junto com o Banco do Brasil – a possuir correspondente bancário. 

Então, a lógica de interpretar como os produtos e serviços funcionariam na jornada de vida do dia a dia das empresas e das pessoas me fez entender um pouco de toda essa jornada.

Quando eu estava na Getnet – um pouquinho antes de vendê-la, em 2014 –, eu já entrava na área digital e entendia que, no futuro, a indústria de meios de pagamento seria só um meio e não um fim. Percebi que o futuro da indústria de meios de pagamento passava por impactar a jornada de vida e a experiência do cliente nesse processo. 

Eu já vinha com essa provocação interna e queria cair para esse processo… queria expandir porque o meio de pagamento iria se tornar muito commodity. Fizemos algumas iniciativas digitais, ainda na Getnet, que acabaram sendo vendidas junto com a operação

O futuro passava pela lógica de merchant service provider, teríamos de ter serviços comerciais, porque meio de pagamento é um dos serviços. Defendi essa tese quando vendemos a empresa para o Santander. Deixei um planejamento dizendo que o futuro iria por esse caminho. Não poderia olhar apenas um lado.

Meio de pagamento é importante, é um processo muito legal e continuo a investir na área na 4all e no Grupo Four. Só que em 2015 eu tinha um acordo de non compete, então existiam algumas restrições de até onde eu podia atuar em meios de pagamento. Portanto, caí para o outro lado do mundo digital, que era o que eu queria.

Fui pra China, Israel e EUA para entender o que esses grandes vetores de inovação mundial faziam e qual era a dinâmica desse novo mundo. E os negócios desse novo mundo passavam por uma lógica de plataforma, um conceito que eu já acompanhava há muito tempo. 

Só que a plataforma não era mais só tecnológica – era uma plataforma de modelo de negócio. Era Airbnb, Netflix, Uber, Amazon, todas essas grandes potências no mundo digital foram disruptivas em seus modelos de negócio, por usarem a lógica de plataforma que envolvia conhecimento de dados, criação de plataforma de relacionamento com o consumidor de maneira absurdamente personalizada. E o digital não era o online, mas sim a tua experiência através do smartphone como principal ponto de acesso.

Quando a capacidade computacional foi parar na palma da mão das pessoas, percebi que o jogo ia mudar. Aí procurei entender qual era o novo jogo que acontecia. Ao entendê-lo, comecei a desenvolver estratégias parecidas com o que eu fiz com o Santander, neste mundo digital 

Eu sabia construir negócios, plataformas tecnológicas e modelagens digitais, aí eu me juntava com empresas que eram líderes setoriais para fazer uma plataforma para determinado setor. Assim como fiz pro Santander em meios de pagamento, passei a fazer de forma serial através do mundo digital. 

Comecei com a 4all, construindo uma grande plataforma tecnológica robusta que serviu de base pra gente atender clientes e construir negócios no mundo digital, setorialmente, dentro da tese de ter a ver com a jornada de vida das pessoas, frequência diária e/ou engajamento emocional, porque é onde o digital é mais relevante e poderoso – uso de dados, marketplaces, UX e pagamentos. 

Comecei a expandir fortemente para tudo aquilo que estava ao redor da indústria de meios de pagamento. Depois de passadas as restrições [da cláusula de não concorrência], trouxe a parte de meio de pagamento dentro da oferta de soluções que temos hoje. 

Além de passar a encarar os negócios do futuro como plataformas, ao trabalhar, na 4all, em segmentos que não eram necessariamente da área financeira – na qual você teve a sua formação –, isso trouxe algum tipo de dificuldade? Exigiu alguma adaptação?
Acho que essa é uma magia muito positiva, que me encantava. Em cada mercado que a gente entrava, era em conjunto com um sócio. 

Eu era o sócio que trazia a capacidade de criar negócios escaláveis, com uso adequado da tecnologia. Eu vinha com uma plataforma – onde eu investira pesado – e o outro sócio me trazia o conhecimento específico do negócio que eu não tinha. Essa pessoa não tinha conhecimento do digital e nem de como transformar e digitalizar o negócio. Eu tinha – e tenho – esse conhecimento, assim como os meus negócios.

Logo que montei a 4all com o meu sócio, Ricardo Galho – que era Gerente de Inovação da Getnet, um cara mais de produto técnico e eu mais de estratégia e montagem de negócio – com know-how e capacidade, construímos com os nossos sócios plataformas verticais em determinados ecossistemas, escutando muito bem as pessoas.

Cada um dos negócios novos foi pra nós um grande aprendizado, uma coisa maravilhosa, porque levávamos nossa capacidade de construção digital a setores novos para a gente. 

Como era esse modelo de construir e ter uma plataforma tecnológica que se aplicava a segmentos diferentes? Primeiro vocês construíram a plataforma? Ou primeiro acharam as pessoas que poderiam se utilizar da tecnologia nos segmentos em que estavam?
Já tínhamos vislumbrado que a lógica de construção dos negócios era a de plataforma. Todas as grandes empresas digitais que citei antes tiveram de construir suas próprias plataformas, porque não existia nas grandes empresas de tecnologia plataformas para a digitalização de negócio. 

Até 2015, as plataformas de tecnologia dos grandes players do mundo eram voltadas à lógica de ERPs, de backoffice, e não para a experiência do consumidor. O pessoal não tinha entendido que a grande sacada estava em garantir uma experiência digital – não importando se a pessoa estava no mundo físico ou no online 

O importante era que o suporte digital garantisse: uma oferta de produtos na lógica de marketplace; capacidade de oferecer produtos financeiros numa lógica de fintech; e a possibilidade de construir experiências únicas para as pessoas, ou seja, tinha de conhecer o consumidor. 

O tripé Dados, Marketplace e Fintech era comum a todas as grandes empresas digitais, enquanto construíam os negócios. Então, pensamos que se fizéssemos uma plataforma que contemplasse isso, poderíamos oferecê-la a todo mundo que quisesse digitalizar o seu negócio. Por isso o nome 4all – para tudo e para todos – na lógica de B2B2C. O nosso cliente central é o B, um business, mas atendemos o consumidor do nosso cliente.

É por isso que a questão da experiência do cliente foi um item muito relevante. Construímos a plataforma de tecnologia; construímos modelos de negócio [Uhuu; Phi; DX.CO; Ground Sportech; Iris Data Driven; AIO Culture Code; Wine Locals; e Quiq] e fomos ao mercado para desenvolver essas soluções para os nossos grandes clientes. 

Estamos por trás da solução digital da Ambev, fizemos várias coisas para Itaú, Ipiranga, Outback, Bob’s. Existem mais de 50 grandes cases digitais no Brasil nos quais ajudamos na criação, sem aparecer. Quem captura valor são os nossos clientes 

E ao mesmo tempo, eu queria pegar o aprendizado que a gente teve com o Santander de montar uma JV [joint venture] de um negócio, e fazer isso de forma serial. Fomos atrás de clientes a quem eu ofereci: “Quem sabe ao invés de a gente te atender, montamos um negócio junto e capturamos valor?” Passamos a ir atrás desses clientes e potenciais sócios.

Eles já tinham uma marca, alguma história de negócio, já operavam, certo?
Sim. Buscávamos sempre top 3 – grandes empresas que tivessem massa para dar escala; com grande conhecimento e reputação no mercado; e alguma experiência com alianças, porque no digital é muito importante ter timing, velocidade. 

Para isso, é preciso haver a construção conjunta – estrutura e alinhamento de valores e cultura. A gente buscava potenciais clientes que tivessem alinhamento de valores e cultura e quisessem investir no mundo digital. 

“Ao invés de nós fazermos esse investimento, quem sabe fazemos isso pro mercado como um todo e não apenas para atender a tua empresa? Aí a gente cria um negócio muito mais duradouro pelo qual você possa participar da cadeia de valor e ajudar a impactar todo o teu ecossistema – e não apenas o teu negócio” 

Esse era o pitch que a gente fazia – em que usávamos a lógica que tínhamos usado para o Santander – para adotar com todos os nossos potenciais clientes e sócios.  

A gente foi buscando, oferecia serviços e/ou a possibilidade de construção de negócio. Alguns derivaram nesses grandes negócios que montamos ao longo dos anos. 

Tenho sócios em todos os meus negócios, sejam corporate – que ajudam a construir os negócios, mas não os escalam – ou as pessoas, os executivos empreendedores que ajudam a construir os negócios e tocam as operações.

Ajudo a montar estratégia, o time, a estrutura de negócio, e ajudo a captar investimento seed e venture capital – VC. Em geral, coinvisto o seed e VC. Depois, a gente traz investidores de mercado, quando a empresa precisa de investimento growth.

A gente constrói um negócio em conjunto com esses sócios e investe neles porque acreditamos. É por isso que não pego o dinheiro e invisto a mercado. Eu invisto naquilo que cocrio com um sócio, sejam corporate ventures ou as empresas em si. Mas temos equipes de empreendedores que são coconstrutores desses negócios também. Todos eles são sócios. 

Assim como acontece com os clientes, para os novos negócios são construídas plataformas das startups. O Uhuu tem a sua plataforma; Quiq tem sua própria plataforma. E os nossos clientes são donos das plataformas que construímos para eles. A 4all ajuda a construir o projeto, a experiência e tem alguns motores de tecnologia que os nossos clientes e as nossas startups usam. 

Mas cada uma dessas empresas são empresas independentes – nossas startups são independentes. Elas têm sua própria plataforma de tecnologia que a 4all ajudou a construir e alguns motores de tecnologia elas continuam utilizando, porque são muito robustos e dão segurança para escalar os negócios 

A 4all ajuda a construir soluções para os nossos clientes e ajudou a construir as nossas startups. Só que cada empresa é independente – tem seu arranjo societário, equipe, é proprietária da sua própria tecnologia e usa algumas tecnologias que a 4all tem, porque investiu muito pesado. Então, ao invés de a startup construir um motor, usa os motores de tecnologia da 4all. 

Você tem preferência por investir e construir novos negócios em alguma vertical específica?
Basicamente, a nossa tese é o que tem a ver com o digital e tem a ver com a jornada de consumo, além de ter frequência diária e engajamento emocional. Por isso que são negócios que têm a ver com experiências, serviços. 

É amplo mesmo. Não faz parte da nossa tese investir em um hardware específico para uma indústria. Agora, a experiência daquele hardware no consumo pode ser que a gente atenda.

Existem ainda dois ou três setores em que a gente gostaria de ter operações e estamos lançando nas próximas semanas mais duas operações que têm a ver com essa tese.

Agora, como plataforma, atendemos com mais frequência empresas de grande volume de clientes, seja varejo, indústria, não está restrito somente ao setor. Se um cliente tem um desafio de digitalização, a gente atende essa empresa. Até governos atendemos. 

Por tudo que você está contando, parece que, para você, não faz sentido ser simplesmente um investidor-anjo que se encanta por uma startup. Você é um investidor e empreendedor de negócios que atendam a sua própria tese de investimento… E que acabou criando a 4all. É isso?
Exatamente, é aí acabou surgindo o South Summit Brazil… Eu tive muita sorte. Quando estava no Banrisul, queria empreender meu próprio negócio e havia duas famílias que já tocavam um negócio na área de cartões [a Good Card, de Ernesto Corrêa da Silva Filho], tinham cartão de benefício e dificuldade para criar uma rede. 

Eu disse: “Vocês terão dificuldade se não botarem produtos e serviços em cima da rede”. Eles perguntaram se eu poderia ajudá-los. Respondi: “Ajudar, não. Posso construir junto com vocês a minha tese”.

Vendi a tese para eles de que teríamos de atuar no setor de recargas de telefonia. Muita gente me conheceu pela operação que fizemos com o Santander, mas, na verdade, a Getnet começou a trabalhar para que, no Brasil, a recarga saísse do cartão físico para a recarga eletrônica. Fizemos isso raspando os antigos cartões físicos, botando dentro da maquininha POS. Foi assim que começamos. 

Fomos os grandes responsáveis pela eletronização, pela digitalização da recarga de telefonia, em 2004. Em três anos já movimentávamos 40% do mercado de telefonia do Brasil, mais de 4 bilhões de reais por ano em recarga de telefonia. Isso criou uma grande rede e nos permitiu atuar muito fortemente no mercado de consumo. 

Fiz isso porque queria empreender meu próprio negócio, era o meu sonho. E tive uma chance de fazer isso com dois pitches, um para cada família, e elas toparam investir. Quer dizer, eu tive muita sorte. Não tinha muitos fundos de venture capital no Brasil em 2003

Em 2014, quando consegui realizar um evento de liquidez bem importante, tive um aprendizado, estava na hora de eu retribuir. Então, além de empreender e criar a 4all, eu me dediquei fortemente a mentorias para ajudar o ecossistema de inovação como um todo.

Mais recentemente, em 2019, me tornei conselheiro de inovação do governo estadual do Rio Grande do Sul e me juntei ao Transforma RS, um grupo de cerca de 15 CPFs de vários setores que se uniram em um hub colaborativo que conecta empresas, governo, universidade e sociedade com o propósito de transformar o estado. 

Tem lá o Andre Johannpeter, do Grupo Gerdau; Julio Mottin Neto, do Grupo Panvel; Claudio Luiz Zaffari, do Grupo Zaffari; eu com o Grupo Four, representando o setor de inovação e tecnologia. Começamos a fazer várias ações e pensar em como impactar o Rio Grande do Sul e o Brasil. Esse é o nosso sonho. 

Como fui ativo no ecossistema de inovação – sou embaixador da Endeavor no RS [desde 2015] –, nesse processo, o governador Eduardo Leite desejava algo que impactasse, fosse estável e não apenas uma coisa momentânea de governo. 

Eu disse a ele: “Governador, uma coisa muito importante – que é o sonho das pessoas do ecossistema de inovação aqui do Rio Grande do Sul e do Brasil – é participar desse rol de grandes eventos globais de inovação. Quando se olha as cidades e regiões realmente pujantes em inovação no mundo, todas têm um grande evento que atua como elemento catalisador da energia” 

Pra gente ter um ambiente de inovação pujante, precisamos de cinco coisas, mas três são “base”. Uma é um ambiente governamental e social pró-inovação e empreendedorismo – e isso temos aqui no estado, que tem o maior número de startups de per capita do país, perdemos em número absoluto para o estado SP – e na cidade de Porto Alegre, em especial; 

Precisamos ter uma academia forte – temos grandes universidades aqui no estado, a UFRGS é considerada a federal número um hoje do Brasil, a PUCRS é a segunda melhor privada do país, a Unisinos é a terceira, então a capacidade de geração de mão de obra e de talentos é muito grande. 

Essas universidades estão unidas na Aliança pela Inovação. Junto com o ecossistema de inovação e os governos, essas universidades criaram o movimento Pacto Alegre [que busca transformar Porto Alegre em uma referência como um ecossistema global de inovação de classe mundial]. 

Quer dizer, é um momento único desse processo. O que faltava pra nós? Um grande evento de inovação para ser o catalisador desses pilares e trazer fundos e conexão global. 

Hoje, para ser pujante, um ecossistema de inovação precisa ter capital. E o problema é que no Brasil, o pouco dinheiro que chega vem em cima de um playlist muito específico e para em São Paulo, não vai para os outros estados do Brasil. Penso que precisamos descentralizar e ter outro processo 

Na pessoa física, a pedido do governador, eu ajudei, trabalhamos em conjunto com o Transforma RS e fomos buscar. Negociamos com grandes eventos do mundo. Olhamos o SXSW, em Austin, nos EUA; o Web Summit de Lisboa, em Portugal; o MWC Barcelona; o South Summit de Madrid, na Espanha; DLD (Digital – Life – Design), em Tel Aviv, Israel; TOA (Tech Open Air), em Berlim, na Alemanha.

Olhamos para grandes polos e analisamos qual desses eventos faria mais sentido aqui. Acabamos negociando mais fortemente com o Web Summit e com o South Summit, com quem fechamos.

Por quê? Porque o nosso objetivo não era só fazer uma grande conferência – o Web Summit é uma fantástica conferência, SXSW é um grande festival. Queríamos um evento que tivesse como foco gerar impacto no ecossistema local: gerar riqueza, trazer fundos para o Brasil, gerar conexão… e o South Summit tinha essa pegada, esse propósito mais alinhado de fazer esse processo conosco.

Quando falei a nossa ideia para a María Benjumea, fundadora do South Summit, ela disse que esse foi o pitch que ela fez quando criou o evento em 2011, para convencer e unir todo mundo, mais como uma Bcorp. O South Summit não é um negócio, é uma Bcorp. Precisa viabilizar a operação, mas promete uma coisa muito mais nobre: um propósito, efetivamente. 

A Maria disse que precisava de alguém local para tocar o South Summit Brazil. Então, me candidatei e ajudei a viabilizar o negócio; além de financiar o processo, ajudei a montar a operação. Trouxe Thiago [Ribeiro], que já tinha trabalhado comigo e fomos atrás de gente muito boa, que havia montado Olimpíada do Rio, Copa do Mundo. 

Se é para fazer, vamos fazer bem feito, então, montamos uma operação muito bem estruturada em parceria com o governo do estado do Rio Grande do Sul e, depois, a prefeitura de Porto Alegre, o ecossistema de inovação, os ambientes, o Transforma RS… Todo mundo acabou se mobilizando pra fazer uma construção a 30 mãos, porque afinal o evento tem um drive de conexão 

O prefeito Sebastião Melo fala muito: “Inovação só é inovação se gerar transformação social”. A gente quer esse processo. O governador Leite questionava como fazer com que as ações gerassem matrizes pro nosso ecossistema… Então foi muito bacana, houve um grande alinhamento de estrelas também no propósito. 

Assumi o papel de presidente, viabilizador do processo e mantenho um timaço que toca a operação. Agora, quero poder dar sorte pra mais gente, porque o dinheiro precisa ser mais distribuído, chegar para as startups pequenas, a gente precisa descentralizar de São Paulo – esse dinheiro tem de chegar a todo o Brasil. 

Aliás, tem de chegar em toda a América Latina. Assim como Madrid sedia o evento da Europa, o evento no Brasil é o da América Latina. Eles já estão olhando Miami para sediar o South Summit da América do Norte e Seul para sediar o da Ásia.

Você pensa o mercado financeiro de forma eletrônica desde o começo de sua carreira, quando lançou o Banricompras. Pode contar sobre o cenário daquela época e como você conseguiu intraempreender essa “startup” dentro do Banrisul, um banco estatal, numa época em que Visanet (atual Cielo) e Redecard tentavam manter o controle do mercado de pagamentos eletrônicos?
Costumo brincar que existe uma diferença entre o resiliente e o teimoso. Todo empreendedor é resiliente, só que teimoso é quando dá errado e resiliente é quando dá certo (risada).

Sempre fui muito resiliente. Eu via que o Banrisul tinha uma grande oportunidade e queria desafiar o banco. Desde de moleque eu sempre tive essa inquietude

No Banrisul, a área de tecnologia era independente, tinha uma cultura, que veio de um cara chamado Luiz Furtado, de muito espaço pra que tu propusesses coisas. Com 20 e poucos anos, eu já liderava uma boa parte da área de tecnologia ali do banco. Antes dos 30, eu já tinha uma liderança importante.

Já tinha avaliação 360º na década de 1990! Quem tem avaliação 360º verdadeira, hoje? Tem um monte [de gente] que diz ter, mas quem faz mesmo são poucos. E lá isso funcionava bem. Então, o ambiente onde eu estava me deu um espaço também pra que eu pudesse fazer isso.

E claro, teve muito trabalho, mas eu sempre construí com muita gente e sempre aprendi muito com as pessoas à minha volta. Acho que isso me deu muitas possibilidades.

Como eu envolvia e engajava muitas pessoas, tinha muita força coletiva para conseguir que os sonhos dessem certo. Posso citar dezenas de pessoas que foram importantes na minha vida, com as quais eu interagia e construía. As coisas não aconteceram por acaso 

Houve muito trabalho, teve muitos processos e teve muita gente envolvida. Acho que o segredo talvez tenha mais a ver com minhas capacidades de articular com mais pessoas e transmitir de forma clara a questão estratégica. Ao fazer uma previsão muito boa de futuro eu conseguia mobilizar as pessoas ao redor dessas ideias. E, ao mobilizá-las, elas se engajavam – e conseguíamos fazer a mudança. 

Não era uma coisa só do Zé. Não é, nunca foi. Nunca é! Isso é verdadeiro. Não é papo de botequim. Quem trabalha comigo sabe que é uma construção conjunta mesmo. 

Eu tenho o meu papel, acho que sou bom na análise de oportunidades, de ter sacada e de fazer as coisas acontecerem. Dedico muita energia ao processo de mobilização das pessoas pra fazer acontecer o South Summit, a Getnet, a 4all.

Eu provoco muito esse processo e acho que é esse o meu papel. E ao fazer isso com muita gente, acabo trabalhando muito a equipe, a força do time fica alta. E isso garante mais sucesso na empreitada

Quando a gente não está sozinho, erra menos. Isso é bem importante no processo. Um pouco do aprendizado vem de tu poderes construir junto para errar menos. Tu aprendes mais rápido.

Eu não invisto em outras empresas, mas faço muita mentoria para instituições, para a Endeavor, e acabo usando a mentoria para dizer às pessoas que elas não podem estar sozinhas – precisam de um sócio alinhado com elas. 

Você teve medo de não acertar mais a mão em outro negócio, depois de vender a Getnet?
Todo empreendedor corre riscos. Isso faz parte. Eu me considero empreendedor e acho que algumas coisas dão certo e outras dão errado. A questão é: como tu enfrentas o que deu errado?

 Muitas coisas deram errado na Getnet e a empresa deu certo. Muitas coisas deram errado na 4all e a empresa está dando certo. É preciso ter a humildade de escutar, aprender com teus erros e sempre ser um pouco melhor como pessoa, como profissional e como empresa 

Alguns negócios não deram certo. Quanto mais cedo possível tu entenderes e buscares formas de resolver quando está dando errado é o importante. E ir corrigindo rota, o seu processo. 

É lógico que dá um friozinho na barriga, né? Mas é aí que entra ter um bom suporte em casa. A minha esposa é super parceira. Ela está empreendendo na escola de dança Gira, que é fantástica.

A gente adora cultura, viagens – já fomos para 27 países. Faz vários anos que a gente faz sempre uma viagem só nossa para algum lugar diferente. Eu trabalho bastante, mas sempre dou uma escapadinha pra descansar também e fazer esse equilíbrio.

Enfim, é preciso ter apoio para enfrentar as dificuldades, ter contigo bastante gente também, ter pessoas que invistam junto e queiram correr o risco 

Faz parte do processo saber superar e se reinventar. Dá frio na barriga, mas com muita gente bacana junto as coisas dão certo… De um jeito ou de outro, a gente faz dar certo!

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