Um exame de tomografia pode ser assustador para uma criança. O Einstein quer resolver isso com um jogo de realidade aumentada

Bruno Leuzinger - 27 out 2022
Tomógrafo do Hospital Albert Einstein com projeção do jogo Madá e a Fuga dos Blips.
Bruno Leuzinger - 27 out 2022
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Por mais que médicos e enfermeiros se esforcem em deixar os pacientes à vontade, um hospital pode ser um ambiente desconfortável, mesmo assustador. Sobretudo se você ainda frequenta o ensino fundamental.

Para as crianças, um exame no hospital pode se tornar um motivo de medo (e um teste de habilidade e paciência para os pais e a equipe médica). Ainda mais quando exige o uso de um aparelho grande e nada amigável, como é o caso de um tomógrafo… Dá para entrar naquele trambolho sem entrar em pânico?

Realizar tomografias computadorizadas e procedimentos do tipo em crianças é sempre mais complexo do que em adultos, explica Rodrigo Demarch, diretor de inovação do Hospital Israelita Albert Einstein.

“É um exame em que muitas vezes a criança fica com medo, começa a chorar, fica agitada… Pois é uma máquina que ela não conhece, e na qual vai entrar dentro. E por isso frequentemente as crianças precisam ser sedadas, porque elas precisam ficar paradas no momento do exame”

No processo de sedação, diz Rodrigo, sempre existe um risco, mesmo pequeno, de alguma intercorrência. Além disso, mesmo correndo tudo bem, ela requer que a criança permaneça por mais algum tempo no hospital.

“Ao evitar a sedação, a gente diminui a chance de qualquer evento adverso, e faz com que o exame seja mais seguro.”

Como então evitar a sedação dos pacientes infantis? Era preciso tranquilizar as crianças unindo tecnologia a uma abordagem lúdica. 

NA TELA DO TABLET, UMA ENFERMEIRA-ROBÔ TRANQUILIZA E ORIENTA AS CRIANÇAS SOBRE O EXAME PRESTES A SER REALIZADO

“Dentro do Einstein, temos uma estrutura que a gente chama de Health Innovation Technology Center [leia mais a respeito abaixo], onde nos relacionamos com parceiros da indústria”, diz Rodrigo. “E começamos a procurar quem seria o parceiro para nos ajudar a resolver esse problema.” 

Por seu lado, internamente, o Einstein conta com um time multidisciplinar, que inclui cientistas de dados, desenvolvedores, roteiristas, designers de várias subespecialidades… Essas cabeças se juntaram para criar uma solução.

“Foi a partir daí que surgiu o conceito da criação de um jogo, um game psicoeducativo com a finalidade de ajudar as áreas assistenciais [do hospital] a executar o exame de tomografia sem a necessidade — ou reduzindo a frequência da necessidade — de sedação do paciente”

Desenvolvido pelo Einstein em parceria com a Epson, o tal “game psicoeducativo” foi batizado de Madá e a Fuga dos Blips. Trata-se de um jogo com recursos de realidade aumentada, à maneira de Pokémon GO.

A enfermeira-robô Madá projetada em uma tela na sala de tomografia.

Com um tablet nas mãos, a criança interage com Madá, uma enfermeira-robô (lembra a EVA, a paixonite de WALL-E, o robô protagonista do filme da Pixar). Enquanto pede ajuda da criança para, com o tablet apontando para o ambiente ao redor, capturar os blips, uns robozinhos fugitivos que surgem na tela, Madá orienta e tranquiliza o(a) paciente sobre o exame a ser realizado.

“A Madá vai conversando com a criança, desde a fase de preparo, quando ela está no vestiário, até o momento em que ela chega na sala de tomografia e encontra a projeção da Madá e dos blips no tomógrafo”, diz Rodrigo. “É um ambiente novo,a ideia é fazer com aquilo seja  o mais natural possível.”

RAIO-X HOSPITALAR: COMO FUNCIONA E SE ORGANIZA A GESTÃO DA INOVAÇÃO DENTRO DO EINSTEIN

Médico de formação com especialização em geriatria, Rodrigo trabalha há mais de uma década com tecnologia, inovação e gestão. No Einstein há três anos, ele ocupa (desde dezembro de 2020) o posto de Chief Innovation Officer.

Sob seu guarda-chuva estão cerca de 120 pessoas dedicadas à inovação. Esses colaboradores se dividem em seis grandes áreas. Uma delas é o Health Design Lab: reúne gente que entende de design thinking, bio design, design de serviços, com a missão de ajudar a organização a incrementar processos e criar novos produtos e serviços.

“Com essa área, a gente treina, todos os anos, 1 600 pessoas em metodologia de inovação no Einstein”

Em seguida, Rodrigo cita o HIT, o Health Innovation Technology Center, responsável por estudos de patenteabilidade e gestão da propriedade intelectual. É também a área dedicada a desenvolver iniciativas de inovação aberta com grandes corporações — caso da Epson, parceira na criação do Madá e a Fuga dos Blips.

Rodrigo Demarch, Chief Innovation officer do Hospital Albert Einstein.

“Temos um grupo de desenvolvedores e cientistas de dados que constroem inovação com base em problemas de mercado”, diz Rodrigo. “Nos associamos com essas grandes organizações e a partir daí criamos ‘a quatro mãos’ inovações tecnológicas, eminentemente de software.”

A terceira área é a Eretz.Bio, incubadora de startups do Einstein que já foi pauta aqui no Draft. Por lá, já passaram mais de 150 empresas incubadas. Segundo Rodrigo, o Einstein hoje vê a Eretz menos como uma incubadora e mais como um hub de inovação.

“As instituições de saúde em geral são avessas ao erro: a gente não pode errar, porque estamos tratando de vidas humanas. Então, ter um ambiente como esse em que você consegue testar, criar provas de conceito de forma segura, realmente é muito importante”

Através da Eretz.Bio o Einstein deu início à sua interação com startups e também ao investimento nelas, um processo que amadureceu e culminou, em 2021, com a criação de um fundo de venture capital (a quarta área citada por Rodrigo); hoje, o Einstein tem em torno de 30 startups investidas.

A quinta área é um escritório de incorporação e validação tecnológica, que nasceu dentro da Eretz e qualifica, segundo Rodrigo, o Einstein como um “parceiro preferencial” para healthtechs que queiram validar suas soluções e entender melhor sobre o mercado de saúde, aspectos regulatórios etc.

Por fim, complementando essa estrutura está o Escala, uma spin-off do Einstein para gestão de escalas da UTI que surgiu a partir de um problema interno, ganhou mercado (no sistema público, inclusive) e hoje tem 300 clientes.

NO HORIZONTE, A IDEIA É ESCALAR A SOLUÇÃO PARA OUTROS HOSPITAIS E OUTROS SERVIÇOS E EXAMES

De volta a Madá e a Fuga dos Blips. A ideia surgiu por volta do início de 2021; o desenvolvimento levou cerca de 12 meses, até o lançamento do jogo, em meados de 2022.

O Einstein não informa o valor investido no projeto. Por enquanto, a iniciativa — que contempla crianças de 0 a 12 anos — está disponível apenas na unidade bairro do Morumbi (e sem nenhum tipo de custo adicional). A ideia é escalar para outras unidades — e também para outros serviços, diz Rodrigo:

“A gente imagina que esse tipo de tecnologia possa ser usado, por exemplo, na central de exames, na sala de coleta do hospital, no serviço de vacinação…”

O projeto ainda está dando o primeiros passos. Até o momento, cerca de 70 crianças passaram pela experiência do exame de tomografia com o jogo de realidade aumentada. O impacto qualitativo vem sendo atestado, segundo Rodrigo, na interação com as famílias. 

Agora, o hospital tem outra etapa pela frente: mensurar a redução da necessidade de sedação em relação à presença de eventos adversos, de modo a confirmar o impacto quantitativo da iniciativa.

“Essa é uma métrica super relevante que poderá justificar, inclusive, a expansão dessa solução Brasil e mundo afora. Por que não?”

 

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