Verbete Draft: o que é Buy now, pay later (BNPL)

Dani Rosolen - 16 fev 2022
Foto: Anete Lusina/Pexels
Dani Rosolen - 16 fev 2022
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

BUY NOW, PAY LATER (BNPL)

O que é: Buy now, pay later, ou, em tradução livre, “Compre agora, pague depois”, é um método de pagamento digital parcelado. Ou seja, um crediário digital, para compras em e-commerces (mas não só). Alguns também têm chamado o modelo de parcelamento inteligente.

Você deve estar se perguntando o que isso tem de inovador, já que no Brasil o pagamento a prazo não é novidade. O sistema de crediário teria sido criado no século 19, em 1858, por um vendedor de máquinas de costura, e ganhou força no varejo em 1950 com o lançamento dos carnês das Casas Bahia e Mappin.

Marcelo Bentivoglio, sócio da QI Tech, primeira Sociedade de Crédito Direto aprovada pelo Banco Central do Brasil (e que tem Méliuz e ClinicalBank entre seus clientes de BNPL), explica:

“A grande diferença entre o BNPL e o crediário convencional é a tecnologia por trás deste produto, que permite fazer a análise e a liberação de um crédito de forma instantânea e digital. Não é mais uma operação física, mas também funciona para transações em estabelecimentos físicos”

Outro diferencial é que o cliente não precisa ter conta em banco nem limite no cartão de crédito. Os pagamentos são feitos por boleto ou Pix.

Em 2020, 2,1% das compras feitas globalmente em e-commerces foram realizadas com BNPL, segundo a CNBC. Para se ter uma ideia, isso equivale a cerca de 100 bilhões de dólares. Para 2024, a previsão é de que essa taxa chegue a 4,2%.

Quando surgiu: Marcelo afirma que, por volta de 2015, houve o surgimento de novas fintechs nos EUA com foco em proporcionar produtos de crédito para o mercado americano, onde a cultura do parcelamento é menor para a compras do dia a dia.

Aqui no Brasil, diz ele, de 2019 para cá começaram a surgir as primeiras modalidades de bancarização dessas operações.

Apesar de não ser algo exatamente novo, a pandemia fez com que esse modelo se popularizasse por conta do maior uso de serviços digitais, o que inclui compras em e-commerces e a necessidade de usar métodos de pagamentos ágeis e que atraiam o consumidor.

Além disso, com a pandemia veio a crise, o que fez com que mais pessoas precisassem recorrer ao crédito para continuar consumindo.

Como funciona: Existem dois modelos. No primeiro, o lojista contrata uma fintech que oferece o serviço de BNPL e disponibiliza ao cliente esta opção no fechamento do pedido, junto com as outros métodos, como cartão de crédito, boleto e Pix.

Ao escolher o Buy now, pay later, a fintech faz uma análise rápida para a aprovação do crédito em tempo real com base em informações básicas, como o CPF. Com a aprovação, a pessoa escolhe em quantas parcelas quer pagar.

Neste caso, o cliente fica isento de juros, mas o lojista arca com uma taxa fixa de 8% a 15% pelo serviço da fintech, dependendo do prazo escolhido pelo consumidor para pagar sua compra.

No exterior, diz o especialista da QI Tech, no geral o pagamento é feito em quatro parcelas, sendo um pagamento na entrada e três posteriores para transações com valores mais baixos. Aqui, o número de parcelas varia, mas tende a ser menor para compras com valores baixos. Tanto no Brasil quanto em outros países, para produtos ou serviços com preços mais elevados, o parcelamento pode chegar a 36 vezes.

“É difícil ver mais do que isso, porque gera assimetria entre a venda e o pagamento. Tem que existir uma equação entre a durabilidade do produto e o número de parcelas”

Há ainda uma segunda modalidade de BNPL em que a relação se dá entre a fintech e a pessoa física. A QI Tech, afirma Marcelo, oferece essa possibilidade de forma pioneira no país desde setembro de 2021.

“Funciona exatamente com um cartão de crédito, mas sem o cartão. A pessoa baixa o app da fintech no celular e consegue um limite — por exemplo, de 2 mil reais. Se ela for a um restaurante e quiser pagar com BNPL um almoço de 30 reais, mesmo que o estabelecimento não tenha relacionamento com a fintech, ela poderá fazer essa transação. A fintech paga o restaurante com Pix e no app a pessoa decide em quantas vezes quer pagar aquela compra, com uma taxa que varia de 2% a 8%.”

Tendência no exterior: O modelo Buy now, pay later começou a se popularizar nos últimos dois anos nos Estados Unidos e na Europa, onde o ineditismo da proposta cativou a população num momento de crise econômica provocada pela pandemia.

Diferentemente daqui, o varejo norte-americano e o europeu não têm a tradição de oferecer compras parceladas com cartão de crédito (o máximo que eles conseguem geralmente é dividir a fatura do cartão de crédito, mas com juros altos).

Assim, o BNPL vem ganhando tração no hemisfério norte. Segundo a pesquisa já mencionada da CNBC, na Suécia, 23% das transações de e-commerce foram feitas dessa forma em 2020, enquanto na Alemanha, o índice ficou em19%. Nos EUA, 37% dos norte-americanos usaram serviços de BNPL naquele ano.

Estima-se que haja mais de 20 fintechs só nos Estados Unidos dedicadas a ajudar os consumidores a financiar suas compras. Uma das mais conhecidas é a australiana Afterpay (adquirida pela americana Square). Em 2020, a empresa tinha 8,4 milhões de usuários ativos em sua plataforma (mais da metade era dos EUA).

A modalidade está chamando a atenção também das Big Techs. A Amazon, por exemplo, fechou um acordo com a fintech Affirm para ter essa funcionalidade na sua plataforma, dando a chance de os clientes parcelarem as compras acima de 50 dólares.

A PayPay lançou esse serviço (Pay in 4), assim como o Mercado Pago. A Mastercard também entrou nesta batalha nos EUA, Austrália e Reino Unido (mas a funcionalidade anunciada em setembro de 2021 só deve começar a valer no primeiro quadrimestre de 2022). A Visa e a Apple (Apple Pay Later) são outras empresas que estão desenvolvendo o serviço.

O levantamento Generation Pay 2021 (da Worldpay, em conjunto com a Savanta) mostrou que — no recorte de compras com valor superior a 1 mil dólares –, Singapura é o país mais adepto ao crediário digital, adotado por 50% da população. O Brasil não fica muito atrás, com 44% da população (saiba mais no item a seguir); em outros países, a média é 37%.

Como é o panorama no Brasil: Depois do sucesso no exterior, a ideia do crediário digital começou a pegar no Brasil, com startups desenvolvendo modelos locais e sites e lojas aderindo ao sistema.

As startups de crédito que oferecem parcelamento de compras online estão em alta e na mira dos investidores. A própria QI Tech levantou 270 milhões de reais em uma rodada de captação, em novembro de 2021. No mesmo mês, a VirtusPay captou 100 milhões de reais e a Provu, 1,4 bilhão de reais.

O player mais conhecido desse segmento na América Latina é a colombiana Addi. A empresa desembarcou no Brasil ainda em novembro de 2020, oferecendo linhas parceladas por meio do Pix (que havia sido recém-lançado). Em um ano de operação no país, a fintech conquistou contratos com mais de 500 varejistas e captou, desde sua fundação, 1,9 bilhão de reais em rodadas de investimento.

Outras fintechs oferecem o serviço de BNPL no Brasil, incluindo Boletoflex, Bom Pra Crédito, Meu Crediário, Pag Dividido e Pagaleve.

Os gigantes daqui também estão de olho no BNPL. A Via (dona das Casas Bahia) aderiu à novidade, digitalizando o seu carnê em 2020 por meio de sua conta digital banQi.

Vantagens em relação ao cartão de crédito:

Para os consumidores:

O BNPL  é uma forma de flexibilizar o pagamento de compras sem o acúmulo de juros, ajudando os clientes a consumir com “segurança” em tempos de incertezas ou a comprar itens pelos quais não teriam condições de pagar à vista.

Outra vantagem a favor do consumidor é a conveniência, já que não há análises de crédito longas e o método de pagamento é integrado à jornada de compra, sem que o cliente precise interromper a navegação para buscar financiamento com outra empresa.

Por sua vez, no BNPL em que a relação se dá entre cliente final e fintech, há a possibilidade de a pessoa escolher em quantas vezes quer pagar em vez de ser “limitado” pela loja.

 “Quem define o parcelamento no cartão é a loja. Já neste modelo de BNPL, quem tem o poder de escolher em quantas vezes quer pagar é a pessoa física, porque a fintech já fez o Pix”

Além disso, como exige cartão ou conta no banco, o crediário digital facilita a inclusão dos desbancarizados e pouco bancarizados no e-commerce. Hoje, mais de 1,7 bilhão de pessoas no mundo não têm conta bancária, segundo o Banco Mundial. No Brasil, são 34 milhões, de acordo com o Instituto Locomotiva — fora o número de pessoas sem cartão de crédito (mais da metade da população brasileira) ou com limite baixo.

Para os lojistas e fintechs:

Marcelo diz que a principal vantagem para os estabelecimentos é o custo mais baixo da operação em relação ao cartão de crédito, porque há menos intermediários envolvidos:

“O lojista pode escolher receber à vista da fintech, sem se preocupar em cobrar o cliente depois. Seria o equivalente a vender no cartão de crédito e pedir para antecipar os recebíveis, mas neste caso não existe taxa de juros de antecipação ou da maquininha. No BNPL, o lojista paga uma taxa única para a fintech”

Outro benefício do BNPL em relação ao cartão é a segurança de que o lojista vai receber pela transação caso o cliente fique inadimplente, já que quem paga são a fintechs (e, muitas vezes, elas cobrem também o risco de estornos e fraudes).

Especialistas ainda citam vantagens como aumento do ticket médio dos varejistas, fidelização dos clientes e diminuição do abandono de carrinhos (cerca de 82% dos consumidores desistem das compras na hora do checkout, 6% por opções de pagamento insuficientes). O crediário digital ainda aumenta o fluxo do e-commerce com o recebimento das parcelas.

Para o intermediário, no caso as fintech, a vantagem do BNPL é simples:  a comissão que elas recebem pelo serviço.

Desvantagens: Do lado do consumidor, a principal crítica é o risco de inadimplência. Nos Estados Unidos, o órgão regulador Consumer Financial Protection Bureau (CFPB) teme que o BNPL aumente a dívida dos consumidores, já que eles acabam se empolgando e comprando mais do que poderiam.

E não é só nos EUA que isso acontece. Na Austrália, por exemplo, 15% dos usuários de BNPL tiveram que pedir empréstimos para pagar suas compras, segundo o The Hustle. Já no Reino Unido, os consumidores deviam cerca de 245 libras por pessoas aos serviços de BNPL, de acordo com um relatório da Money.co.uk.

Marcelo concorda que a perda de controle pode ser um problema:

“O cartão de crédito é um produto mais burocrático, já que precisa passar por uma régua de aprovação dos bancos. Com o BNPL é muito mais fácil conseguir o acesso ao crédito de forma impulsiva”

Porém, ele faz uma ressalva: “Existe sim essa preocupação do super endividamento, isso é um ponto negativo, mas acredito que isso é um momento passageiro de aprendizado das pessoas, das fintechs e dos estabelecimentos”.

Mesmo com o endividamento, o crediário digital é mais vantajoso do que o cartão de crédito, na opinião do empreendedor: “Estamos falando de uma taxa de juros de 2% no BNPL, enquanto no cartão de crédito, mesmo que a pessoa deva pouco dinheiro, a taxa no rotativo muitas vezes é de 15% ao mês.”

Sucesso entre as gerações Y e Z: Lá fora, o modelo faz sucesso entre a Geração Y e Z, os millennials e os zennials por conta de sua aversão ao cartão de crédito.

De acordo com o The Hustle, um em cada três millennials norte-americanos afirma que seu maior medo é a dívida do cartão de crédito (mais do que a morte ou a guerra!). Esse temor aumentou o crescimento do crediário digital por lá, com 75% dos usuários identificados como millennials ou Gen Z.

Esse grupo diz preferir o BNPL por oferecer menos risco ao planejamento financeiro, mais previsibilidade sobre suas contas, mais clareza em relação às taxas associados, lembretes digitais em relação ao que devem e uma visão geral de todas as compras e pagamentos adiados.

No Brasil, Marcelo diz que a QI Tech não tem acesso a dados para afirmar estatisticamente que os usuários do BNPL são pessoas mais novas, mas consegue dizer que não há concentração por classe social.

“Dentro dos volumes da QI Tech há boa distribuição entre as classes A, B, C, D e E, e maior concentração entre B, C e D. Isso mostra que não é um produto feito para uma classe especifica, porque existem valores de compras médios diferentes”

Ele complementa: “O BNPL atende tanto alguém que quer comprar uma camiseta num e-commerce quanto quem deseja comprar uma esteira ou um eletrodoméstico mais caro, por exemplo”.

Desafios e futuro do BNPL: Marcelo acredita que o BNPL deve conquistar o mercado por ser uma modalidade de pagamento mais simples, com menos fricção e infraestrutura mais barata.

Mas isso não significa, na visão dele, que o crediário digital irá acabar com o uso do cartão de crédito. “Não acredito que o cartão de crédito vai morrer nos próximos anos porque ele tem outras funcionalidades que atraem as pessoas, como cashback e milhas, por exemplo.”

Entre os desafios para este método de pagamento atrair mais usuários, ele cita justamente a capacidade de trazer funcionalidades similares e atrativas para o consumidor.

“[O principal desafio é] Fazer a população entender que o BNPL funciona como um cartão de crédito, mas sem o cartão. Quando a ficha cair, os brasileiros vão se perguntar por que precisam do cartão, que hoje, na verdade, gera mais insegurança do que segurança”

O empreendedor vislumbra um mercado gigante a ser explorado no Brasil, onde o BNPL ainda está dando os primeiros passos. Segundo ele, vários segmentos poderiam utilizar deste método:

“Brincamos que o BNPL evoluiu para ‘Ticket now, pay later’, ‘Flight now, pay later’, ‘Stay now, pay later’. São todos nichos do mercado em que se consegue aplicar esse mesmo método de pagamento para adquirir ingressos, passagens aéreas, acomodações etc.”

Um levantamento reforça essa perspectiva otimista. Segundo pesquisa da Kaleido Intelligence, os pagamentos com BNPL devem atingir globalmente a marca de 680 bilhões de dólares em volume de transações em 2025, um crescimento de 92% em relação a 2019.

Para saber mais:
1) Acesse o levantamento da McKinsey & Company: Buy now, pay later: Five business models to compete;
2) Leia no finsiders: BNPL: a nova roupagem do crediário brasileiro e seus riscos;
3) Confira na CNBC: Why millennials and gen-Zs are jumping on the buy now, pay later trend;
4) Veja no Inteligência Financeira: ‘Compre agora, pague depois’ busca espaço no país;
5) No LABS, acesse: Soluções de crédito para comprar parcelado e online ganham o comércio eletrônico na América Latina;
6) Leia, no The Wall Street Journal: Covid-19 Economy Boosts ‘Buy Now, Pay Later’ Installment Services.

 

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