Verbete Draft: o que é Carga Mental

Isabela Mena - 4 dez 2019
A definição deriva de um conceito chamado Emotional Labor, criado em 1983, sem distinção de gênero. A partir dos anos 2000, passou a se alargar para abraçar demandas feministas.
Isabela Mena - 4 dez 2019
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

CARGA MENTAL

O que acham que é: Excesso de trabalho intelectual.

O que realmente é: Carga Mental é o termo utilizado para descrever o trabalho constante de atenção, gerenciamento e planejamento das tarefas domésticas e/ou profissionais que recai majoritariamente sobre as mulheres. É um trabalho invisível, sem reconhecimento ou valia, e extremamente desgastante do ponto de vista emocional.

A definição deriva de um conceito chamado Emotional Labor, criado em 1983, sem distinção de gênero (leia mais no item “Origem”). A partir dos anos 2000, passou a se alargar para alcançar demandas feministas e deixar a exclusividade do meio acadêmico. Quando chegou às redes sociais se expandiu ainda mais, e passou a gerar as inerentes controvérsias e erros de interpretação. Mas também mídia positiva: há uma miríade de textos publicados em veículos importantes, New York Times e The Guardian incluídos.

Um caso assim aconteceu há menos de um mês, em um post no Twitter. Uma usuária fez um longo e bem-intencionado fio envolvendo o que ela acreditava ser Emotional Labor e, justamente pela confusão de sentidos, o post viralizou. A Vogue americana aproveitou a repercussão para publicar o texto “Emotional Labor is not what you think it is” (link no item “Para saber mais”), e desenrolar o conceito a seus leitores.

Origem: Em 1983, a socióloga norte-americana Arlie Hochschild publicou, em um livro intitulado The Managed Heart: Commercialization of Human Feeling, o trabalho acadêmico no qual estudou a necessidade de gerenciamento de emoções que alguns cargos e situações exigem de seus funcionários. Para classificar essa exigência não oficial (que tem como objetivo agradar um cliente ou um colega), Hochschild cunhou o termo Emotional Labor.

No feminismo: Em 2004, duas acadêmicas norte-americanas, Mary Ellen Guy e Meredith Newman, publicaram um paper intitulado Women’s Jobs, Men’s Jobs: Sex Segregation and Emotional Labor, no qual argumentam que o trabalho emocional contribui para exacerbar a diferença salarial entre os sexos.

Mas foi só cerca de dez anos depois que o conceito foi parar na internet como o conhecemos hoje, ou seja, se popularizou. A responsável por isso é a escritora e editora Jess Zimmerman, colunista de cultura tech do The Guardian, e seu texto “Where’s My Cut?: On Unpaid Emotional Labor”, (link no item “Para saber mais”) publicado no site The Toast, em 2015. É aqui que Carga Mental expande seus contornos para o ambiente doméstico. Segue um pequeno trecho, em tradução livre:

“Trabalho doméstico não é trabalho. Sexo não é trabalho. Trabalho emocional não é trabalho. Por quê? Pelo fato de não demandarem esforço? Não, pelo fato de que mulheres, em teoria, devem provê-los sem ganhar nada em troca, somente pela bondade de seus corações.”

O texto de Zimmerman é tão abrangente quanto pungente mas não se tornaria o ponto zero da Carga Mental na cultura pop se ela não trouxesse para as novas gerações as mais importantes feministas do século XX. Em seu texto, Zimmerman transcreve um trecho produzido em 1975 pela filósofa, escritora e militante feminista italiana Silvia Federici.

Vale citar aqui uma contribuição ainda anterior de Federici e que provavelmente inspirou o paper de Ellen Guy e Newman: em 1972, a acadêmica participou da fundação da campanha Wages for Housework, do Coletivo Feminista Internacional, exigindo que os governos da Itália, do Reino Unido e dos Estados Unidos pagassem salário pelo trabalho que mulheres faziam em casa.

O trabalho invisível: Por mais variáveis que as tarefas invisíveis possam ser, uma lista com alguns itens, facilmente encontra ressonância na maioria das mulheres, nem que seja por analogia.

Por exemplo, lembrar datas de aniversários dos familiares e amigos; saber o que tem, o que falta na geladeira e o que precisa ser comprado; em um cenário, fazer as compras e cozinhar; em outro, explicar à funcionária como deve ser feito esse e os demais serviços da casa; ir à academia; entregar o relatório para o chefe; ver que é preciso lavar as cortinas, que houve uma cobrança errada no cartão de crédito, que a tinturaria não entregou a roupa no prazo, que precisa contratar uma estagiária no escritório, que falta água nas plantas, que o filho ralou o joelho, que a professora mandou um recado, que a roupa da escola rasgou, que acabou a comida do gato, que o colega mandou mensagem dizendo que não vai trabalhar e ela precisa ir mais cedo, que não tem como fazer isso, mas vai dar um jeito.

Ressalte-se que mulheres são consideradas multitask, como se geneticamente fossem capazes de focar e resolver diversas coisas ao mesmo tempo. Se o fazem, na maioria dos casos, é por falta de opção.

Consequências: Exaustão, baixa produtividade, mau desempenho no trabalho, problemas de relacionamento e, em última instância, doenças mentais (como depressão), ou físicas.

Segundo Flávia Ávila, especialista em Economia Comportamental e fundadora da consultoria InBehavior Lab, a Carga Mental leva ao conceito de escassez, cunhado pelos acadêmicos Sendhil Mullainathan, professor de economia em Harvard, e Eldar Shafir, professor psicologia em Princeton.

“O ser humano tem uma limitação cognitiva. Suponhamos que, em uma determinada escala, esse limite seja 100. Quando há Carga Mental, as mulheres estão praticamente forçando esse limite, não há espaço mental para que se tome uma decisão pensando unicamente nela. E isso, claro, piora a capacidade do processo decisório”, diz.

Para saber mais:

1) Leia, na Vogue, “Emotional Labor” Is Not What You Think It Is.
2) Leia, no The Toast, “Where’s My Cut?”: On Unpaid Emotional Labor, texto de Jess Zimmerman.
3) Leia, no New Frame, Silvia Federici reflects on Wages for Housework.
4) Leia, no The Guardian, Women are just better at this stuff’: is emotional labor feminism’s next frontier?
5) Ouça o episódio Clube das Exaustas (#5), do podcast Bom dia, Obvious.

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