Verbete Draft: o que é Web3

Dani Rosolen - 19 jan 2022
Foto: Miguel Á. Padriñán/Pexels.
Dani Rosolen - 19 jan 2022
COMPARTILHE

Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

WEB3

O que é: Web3, também chamada de W3 ou World Wide Web 3.0, é um termo que ainda não tem uma definição oficial, mas se refere à próxima fase da internet. Construída sobre o conceito de uma arquitetura descentralizada, ela pretende devolver o controle dos dados aos usuários em vez de concentrá-lo na mão de grandes plataformas de tecnologia, como Apple, Facebook (Meta), Google e Microsoft.

Isso será possível pelo registro das ações na blockchain, usada como infraestrutura de grande parte das criptomoedas existentes hoje e que permitirá uma conexão criptografada e descentralizada – sem intervenção de um servidor central — com registros visíveis e verificáveis.

Caio Jahara, CEO e cofundador da R2U (startup que oferece soluções de realidade aumentada para o setor varejista), complementa:

“A principal ideia é dar poder ao usuário. A Web3 prega que nenhuma empresa seja dona de nada, que os usuários detenham tudo e possam usar seus ativos como e onde quiserem.”

A evolução: A Web1.0 foi o primeiro protocolo World Wide Web criada no início dos 1990 por Tim Berners-Lee para compartilhar informações e recursos interconectados por meio de links de hipertexto. Ela era descentralizada, mas ainda restritiva, já que permitia a criação de páginas estáticas apenas por especialistas de grandes empresas e o conteúdo, por sua vez, era consumido – de forma passiva – por poucas pessoas com acesso à internet e a computadores.

Já no início dos anos 2000, surgiu a Web2.0, conceito cunhado por Darcy DiNucci e popularizado por Tim O’Reilly. Trata-se da versão atual da internet, que deu mais voz para os usuários criarem e compartilharem conteúdo por meio de ferramentas e plataformas de fácil utilização (inicialmente com os blogs e, depois, com as redes sociais). No entanto, este modelo acabou colocando os dados dos usuários à mercê das big techs, que oferecem serviços em troca de nossas informações.

Quem inventou: O termo foi usado pela primeira vez em 2006 por Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web, para imaginar o próximo estágio da web.

Mas foi em 2014 que Gavin Wood, também conhecido por desenvolver a criptomoeda Ethereum, definiu o termo como conhecemos hoje.

Em entrevista à Wired (acesse o material no fim do texto em “Para saber mais”), ele falou sobre o grande problema da Web 2.0: confiar nossos dados nas boas intenções de terceiros (no caso as big techs). E resumiu em uma frase o que é a Web3 em sua visão: “Menos confiança, mais verdade”.

Apesar de não ser um conceito novo, o interesse no tema aumentou no último ano devido ao boom das criptomoedas e dos NFTs, que têm intrínseca relação com esse novo modelo de internet, como você pode conferir a seguir.

Como funcionará na prática: Todas as transações na internet serão assinadas e verificadas antes de confirmadas. Além disso, como descreve um artigo na Bloomberg (acesse o texto no item “Para ler mais”), todos os aplicativos e plataformas serão baseados em criptomoedas e tokens, sendo assim quase tudo que será feito online se converterá em um NFT, gerando retorno financeiro para o usuário. De acordo com Caio, da R2U:

“O direito à posse é algo que a gente nunca teve antes na internet. Vou fazer uma analogia com o mundo dos games em que eu não sou dono do personagem que desenvolvo no jogo, mas tenho um contrato de ‘leasing’ com a empresa. Se eu cometer qualquer coisa ilegal naquele universo ou der algum erro, eu posso ser banido e perder tudo que conquistei no jogo”

Na Web3, isso é diferente, afirma o empreendedor. Uma arte, uma foto ou um texto postado em uma rede social ou uma skin adquirida em um game passam a ser de propriedade do usuário. A partir do momento que esses ativos são registrados na blockchain, em forma de NFTs, eles poderão ser vendidos para outros usuários ou levados para outras partes da rede, sem se restringir às plataformas onde foram criados, o que configura uma outra importante característica da Web3: a portabilidade.

Já os aplicativos e plataformas criados na Web3 seriam geridos pelos próprios usuários, que ganhariam uma participação financeira para ajudar a desenvolver e manter essas aplicações, sem precisar recorrer às big techs.

Em teoria, um criador de conteúdo não dependeria do Instagram para distribuir seu material e gerar renda, por exemplo. Como afirma Matthew Gould, fundador da Unstoppable Domains à Fast Company (link no item “Para saber mais”): “A Web3 é sobre a economia do criador, em que os usuários possuem os dados e as recompensas econômicas associadas ao valor online que criam”.

E como o controle das plataformas é dos usuários, um app de rede social não poderia vetar a publicação de uma pessoa ou bloqueá-la. Isso ficaria a cargo da comunidade. Assim como a rede social não poderia apagar um perfil, sumindo com as informações do usuário.

“A Web3 é um compromisso com os desenvolvedores que constroem em blockchain de que as regras do jogo nunca serão alteradas, como aconteceu várias vezes com a Apple App Store, Facebook [Meta] e Twitter no passado”, disse Matthew também na FC.

Quais são as vantagens: A Web3 seria mais segura e transparente do que a versão atual, manteria a privacidade dos usuários e o controle sobre seus dados, ofereceria interoperabilidade entre devices, não haveria interrupção do serviço e, por meio de machine learning e AI, conseguiria entender de forma mais clara as demandas e perfis dos usuários, apresentando melhores análises e resultados nas pesquisas.

É o fim das big techs? Uma das principais promessas da Web3 é acabar com o monopólio das grandes companhias e com o controle que elas têm sobre nossos dados.

Mas as próprias big techs já estão de olho nisso (vide a mudança de posicionamento do Facebook, que virou Meta, e promete que o metaverso será descentralizado e que a empresa adotará a blockchain) e o investimento dos VCs, que só em 2021 aportaram mais de 30 bilhões de dólares em projetos relacionados com o tema, segundo dados do PitchBook.

De toda forma, essas grandes companhias parecem estar incomodadas. Em 21 de dezembro de 2021, Jack Dorsey, fundador do Twitter, fez um postagem contra a Web3 que dizia o seguinte, em tradução livre:

“Vocês [usuários] não controlam a Web3, mas sim os VCs e seus LPs [parceiros limitados]. Ela nunca escapará de seus incentivos. Em última análise, [a Web3] é uma entidade centralizada com um rótulo diferente. Saiba no que você está se metendo…”.

Já Elon Musk, da Tesla e da SpaceX, foi mais sarcástico em seu tuíte: “Alguém viu a Web3? Não consigo encontrar”.

Críticas e desafios: Muitos críticos acreditam que a Web3 é apenas uma forma de impulsionar o mercado de tokens e de criptomoedas. Scott Galloway, escritor e professor da Universidade de Nova York, afirma que a anunciada descentralização do poder é, na verdade, uma recentralização. Segundo ele, 9% das contas na blockchain Ethereum detêm 80% do valor de mercado dos NFTs (41 bilhões de dólares). “Cada membro da lista de criptobilionários de 2021 da Forbes é um homem. Um terço deles frequentou Stanford ou Harvard. Dos 12 listados, apenas um não é branco.”

O criador da Web2, Tim O’Reilly, também se mostra cético em relação ao assunto. Em um artigo intitulado “Why it’s too early to get excited about Web3”, ele escreve:

“Adoro o idealismo da visão da Web3, mas já estivemos lá antes. Durante minha carreira, passamos por vários ciclos de descentralização e recentralização. O computador pessoal descentralizou a computação ao fornecer uma arquitetura de PC commodity que qualquer um poderia construir e que ninguém controlava. Mas a Microsoft descobriu como recentralizar a indústria em torno de um sistema operacional proprietário. O software de código aberto, a internet e a World Wide Web romperam o domínio do software proprietário com software livre e protocolos abertos, mas em poucas décadas Google, Amazon e outros construíram novos e enormes monopólios baseados em big data”.

Muito se fala do risco de aumento de cibercrimes em um sistema descentralizado em que os dados não são coletados. Ano passado, golpes e roubos de criptomoedas totalizaram 14 bilhões de dólares.

Especialistas também indicam que apesar de a ideia ser promissora, seu custo é alto, pois o desenvolvimento de redes descentralizadas é muito caro, o que torna difícil escalar a Web3.

Como isso impacto os negócios de forma geral: A partir do momento em que os usuários tomarem controle de suas experiências online e de seus dados, eles poderão evitar certos anúncios e as empresas terão que encontrar outras formas de fazer suas campanhas. Uma hipótese é de que as empresas passem a pagar tokens para os internautas visualizarem suas propagandas.

O empreendedor da R2U reforça esta ideia: “Hoje quando você entra no Instagram é bombardeado de anúncios. Com a Web3 rodando na plataforma, o usuário teria como escolher quais propagandas ver ou tirar isso totalmente do radar”.

No caso da LGPD, ainda um problema para muitas empresas, Caio afirma:

“Com a Web3, vai ficar muito mais fácil de comprovar que a lei não foi cumprida, porque todas as interações estarão registradas na blockchain e você conseguirá mostrar que aquilo aconteceu”

Por que as pessoas relacionam Web3 e metaverso: Segundo o CEO da R2U, há uma confusão de termos. Mas a conexão entre os dois conceitos se dá pela questão da portabilidade. Na web como funciona hoje, um avatar criado no metaverso de uma empresa X não poderia ser usado no da empresa Y.

O usuário acabaria ficando com múltiplas “personalidades” e os ativos comprados em cada metaverso ficariam restritos à plataforma que está usando no momento.

Já na Web3, o usuário teria uma experiência mais parecida com a do mundo real, pois o que ele comprasse em um metaverso poderia ser levado e utilizado em outro, assim como o seu perfil se manteria o mesmo.

Próximos passos: A Web3 ainda não existe de forma estruturada, o que temos à disposição são aplicativos descentralizados. O seu desenvolvimento e a passagem da Web2 para essa nova internet será gradual e, de acordo com alguns especialistas, deve demorar pelo menos uma década para que haja uma adesão em massa. Caio afirma:

“Hoje em dia, a maior vantagem da Web3 é a questão da descentralização e da posse online. Mas tirando isso, para o usuário final não é algo tão prático, é mais voltado mesmo para entusiastas e early adopters. A ideia é que a gente comece a usar e entender tudo isso o mais rápido possível para daqui alguns anos entregar uma solução com base na Web3 que seja muito melhor do que existe atualmente.” 

Outros especialistas, como Mike Novogratz, CEO da Galaxy Investment Partners, acreditam que a experiência do mercado com o bitcoin e outras criptomoedas ajudará a acelerar este cenário e a transição deve ocorrer em metade do tempo previsto.

O que justifica o alvoroço se a Web3 ainda está longe do nosso dia a dia: Segundo artigo da NBC News (link no fim do artigo), a empolgação com o tema tem relação com a tecnologia blockchain, que já funciona de forma concreta, e a explosão do valor das criptomoedas. Com o sucesso desse modelo financeiro, aumentam as expectativas para que a descentralização seja aplicada em outras áreas.

Independente das utilidades específicas e do prazo para que essa “revolução” aconteça, vale lembrar que a mudança, para o criador do termo Web3, vai além da tecnologia em si. Segundo Gavin Wood disse à Wired:

“Para mim, a Web3 é na verdade muito mais um amplo movimento sociopolítico que está se afastando de autoridades arbitrárias e seguindo um modelo liberal muito mais racional. E esta é a única maneira que vejo de salvaguardar o mundo liberal, a vida que desfrutamos nos últimos 70 anos…”

Para saber mais:
1) Leia no Gizmodo: “What is Web3 and why should you care?”;
2) Confira na MIT Technology Review: “Muito além do NFT: metaversos, Web3 e o futuro digital”;
3) Veja o artigo de Tim O’Reilly: “Why it’s too early to get excited about Web3”;
4) Leia na NBC News: “What is Web3? It’s Silicon Valley’s latest identity crisis”;
5) Acesse aqui a entrevista que Gavin Wood concedeu à Wired sobre Web3;
6) Na Bloomberg, leia o artigo: “Web3, Silicon Valley’s new obsession, looks a lot like its last one”.

 

 

COMPARTILHE

Confira Também: